Auto do Senhor da Piedade
Nem chorava nem ria, ali não cabia tristeza nem alegria
Era só noite fria, a luz do sol que se via nem aquece nem
alumia
O acalanto para tanto pranto era uma esperança miudinha
que no fim de mim havia
definhava, mas não morria
Naquela noite sem céu vivia, eu e todos ali como eu.
Cristo chegou, viu, tanta pena daquela gente sentiu que
deu para Si o nome de Senhor da Piedade
Cristo ficou ali
Sofreu as dores daquele povo sofredor
Amou com todo o Seu Amor cada ser
que veio ali viver
alguma coisa precisava acontecer
O tempo tratou de se mexer, ajudou aquela gente
a encontrar outra forma de viver
E veio a Diáspora: em bando, a salto, de barco e não
tardou de avião foram-se em busca da tábua de salvação
Gente sofrida, mas de bem com a vida em busca da terra
prometida
O Senhor da Piedade dividiu-se: parte de Si ficou ali
a ajudar a quem mantinha a esperança de tudo por ali
mudar
A Outra parte imigrou também, foi junto a ajudar a quem
por Ele chamar
Quase ninguém se perdeu na viagem
A esperança miudinha deu de crescer, saiu do ninho
como uma estrela guia lhe mostrava o caminho
a vida ida mudou tanto, tanto, tanto
aquela gente humilde,singela virou ícone global
Voltam para a festa do Sr. da Piedade
Um Deus de Verdade
Voltam no verão para celebrar outra hora,
outro dia, para festejar a harmonia, a paz que paira
no ar, no velho lar
Os bois, as vacas, burros, cavalos, éguas e outros
animais saboreiam a erva mais verde que se possa
imaginar, pasto farto, rico em minerais concentrados
acabaram os maus tratos, o aguilhão foi substituido
por amor e cuidados
Um Deus passou por ali, fez acontecer. Quase todos
voltam para agradecer
Quem fez o milagre?
Foi o Senhor da Piedade
Elevou a temperatura: uns três graus a menos
clareou as nuvens
Foi-se embora a escuridão
a fome, a falta de pão
A terra se mostrou como era, mãe gentil
rica e bela por natureza
também ela sofreu com o frio que sentia quando a
neve insistia em cobrir aquela terra plantada no alto
da serra
Eis o milagre! O sol chega com calor
para derreter a neve e as raízes da maldade
Gente que fez o Caminho de Santiago de Compostela
transcendeu o horror da fome, da peste e da guerra
gente que amava o místério e com ele aprendia uma
teoria bonita, simples, profunda que lhe ensinava a se
erguer acima da pobreza, da fragilidade humana
transmutava-os em símbolos globais a mostrar o que
o ser humano tem de melhor: ser capaz de ficar acima
da guerra, da discórdia, do pouco ser, do pouco saber.
Lita Moniz
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