VILLA-LOBOS, COMPOSITOR BRASILEIRO
Pianista Loraine Balen Tatto
L. C. Vinholes
22.08.2023
Nota: Este artigo foi escrito no final de 1996 quando, lotado no Consulado-Geral do Brasil em Milão, respondi pelo Setor Cultural, de Cooperação e Divulgação, razão pela qual a presente leitura deve levar em consideração a época das informações e dos dados dele constates.
O diálogo, a sinceridade e a constância no relacionamento entre as pessoas e as instituições são a base do entendimento e do convívio entre as sociedades e os povos, por mais diversas que sejam suas origens e sua formação.
Entre brasileiros e italianos o elemento de maior afinidade, pelo menos desde o início do século XVI, tem sido a latinidade, origem das línguas mais faladas nos seus respectivos países e tudo que com elas e por elas faz parte das crenças, dos usos e costumes comuns. As experiências históricas, com suas diversidades e singularidades, criaram duas sociedades com características distintas que merecem ser por ambas conhecidas, mediante um trabalho de aproximação permanente e pragmático.
Esta aproximação, em níveis diversos e em momentos diferentes, tem sido construída inclusive pelo trabalho e pela dedicação voluntária de artistas, intelectuais e especialistas dos mais diferentes campos do conhecimento.
No que diz respeito à música, tão apreciada tanto no Brasil quanto na Itália, chamam a atenção as atividades que vêm sendo desenvolvidas, desde 1994, pela professora e pianista brasileira Loraine Balen Tatto que, anualmente, nas suas palestras ilustradas com interpretações ao vivo por ela mesma oferecidas, tem procurado divulgar e fazer conhecida na Itália a obra de um dos maiores compositores do nosso século e sem dúvidas o maior compositor de toda a história da música do Brasil e da América-Latina. Este trabalho ganha importância fundamental pelo fato de ser desenvolvido com o apoio de instituições brasileiras e italianas nos auditórios e salas de concerto das escolas de música da Itália, onde estão os jovens em busca de uma formação baseada também em valores contemporâneos e que, certamente, serão os mestras, intérpretes, professores e compositores que hão de vir.
Dispensa dizer que a professora Tatto faz parte daquela comunidade brasileira que surgiu principalmente no sul do Brasil com a presença da emigração que teve origem nos diferentes rincões da Itália. Formada pela Faculdade de Belas Artes da Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul, seu estado natal, completou o curso superior de piano com a professora Irene Wagner Teixeira; na Universidade Federal de Santa Maria, também no Rio Grande do Sul, fez curso de aperfeiçoamento com o pianista Sebastian Benda, descendente da renomada família suíça de compositores e intérpretes; estudou ainda com grandes mestres brasileiros, tais como Arnaldo Estrela, Roberto Szidon, Francisco Mignone, que em novembro deste ano terá comemorado o seu centenário de nascimento, autor de famosas Valsas de Esquina; e com Magdalena Tagliaferro, um dos ícone da pedagogia pianística no Brasil e na França. A pianista Tatto, desde 1977, desenvolve intensa atividade como professora no Conservatório Santa Cecília de Maringá, Estado do Paraná, e como concertista no Brasil e no exterior, inclusive na França, onde, entre 1976 e 1977, participou de estágios, cursos e seminários internacionais.
Pela qualidade, singularidade e quantidade da obra produzida, Heitor Villa-Lobos (3 de fevereiro de 1887 - 17 de novembro de 1959) e Igor Stravinsky são considerados os compositores mais profícuos deste século. Villa-Lobos compôs música de câmara para orquestra, para vozes e coral, para instrumentos solistas, utilizando, a seu modo, as técnicas do contraponto e da harmonia tradicionais a elas acrescentando a linguagem que conheceu nas fontes populares da cultura brasileira. Assim, ritmos, sequências melódicas, soluções harmônicas, instrumentação de timbres e cores até então desconhecidas, foram amalgamadas à tradição europeia para resultar numa música de características singulares e diferentes de tudo o que até então, se conhecia. Villa-Lobos, dando vazão à sua capacidade criadora, chegou mesmo a desafiar a tradição europeia e, a seu modo, recriar, de maneira genial, a linguagem mais pura e sofisticada jamais surgida na Europa: a obra de J. S. Bach. As famosas Bachianas Brasileiras são uma demonstração da inventividade e da competência do compositor brasileiro. Suas obras estão gravadas pelos mais famosos intérpretes e regentes deste século. Conviveu com figuras representativas do que de melhor teve a música erudita nestas últimas décadas e com elas enriqueceu a produção musical legada às gerações mais recentes. Falar de Villa-Lobos é, ao mesmo tempo, lembrar André Segóvia, Arturo Toscanini, Maria Calas, Alfredo Casella, Bruno Walter, Leopoldo Stokowski, Arthur Rubinstein, entre outros. Suas obras estão editadas pelas principais casas editoras: Max Esching, Ricordi, Vitali, Napoleão, Southern, Mercuri, Consolidated e Schimer. As principais gravadoras têm lançado sistematicamente as obras mais representativas da produção de Villa-Lobos: EMI, RCA, Decca, Angel, Polygram, Fermata, etc. Villa-Lobos destacou-se também como regente, tendo sido convidado pelas mais importantes orquestras do mundo para reger suas obras. Na Itália, apresentou-se pela primeira vez, a convite da Accademia di Santa Cecilia, regendo, na Basílica de Massenzio, a primeira adição da sua Bachiana Brasileira nº 8. Regeu também a Accademia Filarmonica Romana, a Orquestra dela RAI e, em 22 de julho de 1951, a Orchestra del Teatro ala Scala di Milano. Villa-Lobos distinguiu-se também como pedagogo quando, na década de 40, criou o movimento Canto Orfeônico para introduzir no curriculum das escolas públicas brasileiras a prática de canto coral. Ao lado de outras personalidades importantes nas letras e nas artes do Brasil, participou, em 1922, da Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo com o objetivo de conscientizar o Brasil a respeito dos seus valores artísticos e culturais, independentes daqueles oriundos da influência europeia. A bibliografia sobre Villa-Lobos é farta e seu nome figura em antologias e dicionários em todas as línguas. Um dos trabalhos mais detalhados e precisos sobre a figura e a obra de Villa-Lobos, traduzido inclusive para o italiano e publicado pela Azzali Editore, de Parma, é a biografia de autoria do musicólogo e diplomata brasileiro Vasco Mariz. Na Itália, o musicólogo Paolo Scarnecchia publicou uma biografia ilustrada de Villa-Lobos, em 1987.
Estudar e ouvir a obra de Villa-Lobos é uma das muitas maneiras pelas quais é possível aproximar-se do Brasil e melhor entender a sua cultura e os seus hábitos e costumes. A professora Loraine Balen Tatto, com sus conferências ilustradas a respeito deste compositor, oferece ao público em geral e aos jovens italianos em particular, uma oportunidade impar para esta aproximação.
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