Nota: Escrevi este artigo para atender a duas professoras que procuraram o Setor Cultural da Embaixada em Tokyo e que providenciaram que o original em japonês fosse publicado, em 01.06.1962, na revista mensal Kodomo no heya - Okaasan no yomu zashi (Sala da Criança - Revista para leitura da mamãe), exemplar de junho, págs. 134, 135 e 136. Para esclarecer o que consta da segunda nota de fim de página, informo que os profissionais nela citados já gozam de merecida aposentadoria. Finalmente, hoje eu não seria mais capaz de atender a eventual solicitação como a que recebi há mais de sessenta anos, pois aprendi a defender a fauna que nos acompanha no dia a dia e não mais admito que um bichano seja mal-tratado.
As crianças do Brasil brincam de roda cantando este Atirei um Pau no Gato (Bikuri Koneko - Gatinho Assustado). Parece ser exatamente igual ao brinquedo de roda japonês chamado Kagome-kagome. Meninos e meninas de mãos dadas, girando muitas vezes para a direita e para a esquerda, brincam cantando esta curta melodia.
É de causar surpresa verificar que não só no Brasil, mas também em quase todos os países do mundo os brinquedos infantis são parecidos. Desde que cheguei ao Japão tenho observado uma infinidade de brinquedos infantis.
Os brinquedos das crianças do Japão, como por exemplo, kakurenbo (esconde-esconde), saikoro (jogo de dados), hanetsuki (peteca), marinage (atirar a bola), otedama (jogo e pedrinhas), nawatobi (pular na corda) e ainda ishikeri (amarelinha), ohadiki[i], equivalente às bolinhas de gude coloridas, são todos dentro das mesmas leis e princípios daqueles que brincam as crianças do Brasil.
Um mundo só
Antigamente, nuns e noutros países, parece que existiam brinquedos infantis bem- característicos. Mesmo dentro das fronteiras de um país, em cada região, os folguedos pareciam ser diferentes, suigeneris. Mas desde que o progresso atingiu os meios de locomoção o intercâmbio entre os povos tornou-se mais intenso. Também as maneiras de brincar das crianças de todo o mundo, pouco a pouco, tornaram-se parecidas.
Revista Kodomo no Heya - Okaasan no yomu zashi, número de junho de 1962
Nos jogos, o base-ball é um exemplo típico. As crianças do Japão de hoje, certamente, não pensam ser o base-ball um jogo vindo do exterior. O mesmo dá-se não só nos brinquedos infantis, mas também nas cousas da vida cotidiana: alimento, vestimenta, moradia, etc. Assim sendo, o mundo torna-se mais próximo para todos. E também a maneira de pensar, pouco a pouco, torna-se uma só, dando a impressão de tratar-se de um só povo.
Brinquedo e arte
Por gostar imensamente de crianças, tenho profundo interesse por tudo que é delas ou para elas. Pesquisando filologicamente sobre asobu (brincar), verifica-se algo muito curioso.
Em inglês asobu, brincar, é play; em francês é jouer. E, ambas as línguas além do significado asobu, brincar, tem também o de fuku e hiku, tocar instrumento musical ou ainda, soosuru, fazer música, tocando.
Na minha língua materna, o português, encontramos para o substantivo asobi, brinquedo, travessura, a palavra arte. Corresponde à palavra inglesa art, mas além do significado arte - de belas artes -, é usada também significando asobi, brinquedo, de brincar, e itasura, travesso. E daí tem-se em português artista - geiditsu-ka -, e arteiro, levado, travesso - wanpakukozo -, ambas com uma raiz comum em arte.
Concluindo, brinquedo, travessura, sapequice é para a criança o que arte - de belas artes -, é para o adulto. Criança travessa, criança levada, criança brincalhona tem como correspondente no adulto o artista. Aqui tenho um pedido a fazer às jovens mães: no tanto que seja possível não poupar esforços para estimular a criança que brinca e sempre proteger o brincar e o brinquedo infantil. Porque assim com o adulto fez e realiza arte - de belas artes -, a criança, no mundo dos seus pensamentos e sonhos, expressa-se e manifesta-se no brincar, no brinquedo e na travessura.
Na foto: crianças brasileiras depois de jogar bola voltam para a merenda[ii].
[i] Jogar pedrinhas umas contra as outras empurrando-as com um golpe do dedo indicador (ou médio).
[ii] As crianças que aparecem na foto à página 136, que em 1962 brincavam com a bola, são hoje, da esquerda para a direita: a médica pediatra Luiza Helena Vinholes Siqueira Novaes, a odontóloga Fernanda Maria Siqueira, o engenheiro mecânico especialista em engenharia de segurança Hugo Luis Siqueira e o engenheiro civil especializado em ferrovias e logística Sérgio Ricardo Vinholes Siqueira.