UM PÁSSARO NA JANELA
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Maria Hilda de J. Alão
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Tem gente que tem flores na janela: gerànios, rosas ou violetas. Eu não. Eu tenho um pássaro na janela. Bonito, né? Ficção? Nada disso. É um fato real. Como ele chegou? Foi num dia triste de 2006. Eram 6 horas da manhã quando recebi a notícia. Minha melhor amiga havia partido desta vida. Muito abalada, sentei-me na cama, de frente para a janela, como um manequim humano, igual à queles que ficam parados nas ruas. Movimento em mim, só o das lágrimas rolando em silêncio. Na cabeça o filme passava velozmente. A faculdade, onde nos conhecemos; os 4 anos do curso de letras; os estudos em grupo e as representações teatrais que nos faziam sonhar. Ao final dos estudos, a turma se separou. Cada um seguiu seu caminho. A camaradagem dos bancos universitários foi interrompida. Conosco aconteceu o contrário. Continuamos a amizade. Marido e filhos contribuíram para torná-la mais sólida. Todos os dias ela me telefonava. Foram muitos anos de um relacionamento sincero, até o fatídico dia do ano de 2006. Foi nesse dia que eu o vi pela primeira vez. Primeiro ouvi o canto. Abri os olhos e lá estava ele pousado na folha da janela olhando para mim e cantando. Minha presença não o perturbou. O filme, na minha cabeça, parou. Eu só via e ouvia o passarinho na janela. O canto foi expondo a realidade a ponto de eu chorar alto e copiosamente para aliviar meu coração.
No dia do féretro aconteceu algo que me deixou intrigada. Eu estava no banheiro me preparando quando ouvi o canto do bichinho. Era como se ele estivesse dentro da casa. Caminhei silenciosamente até a porta do quarto e lá estava ele pousado no rádio de cabeceira, que fica do meu lado da cama, cantando. Um arrepio percorreu meu corpo. Que pensar, meu Deus! Ele voltou no dia seguinte, e no outro, e no outro. Como ele é? É pequeno, tem as penas verdes, não o verde dos periquitos, mas um verde que sob a luz do sol fica prateado. Ele chega, pousa no parapeito da janela e, sem se importar comigo, ele canta. Canta muito e depois voa para as árvores da rua. Às vezes fico me perguntando: que será ele faz o dia inteiro? Onde dorme? Terá ele uma companheira? Que tipo de pássaro é? Não sei. Seria uma alma? Um anjo enviado para me consolar? O que eu sei é que ele é muito bonito e que ainda me visita, não tão frequente como em 2006.
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