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Era pausado, econômico nos gestos, fala baixa, quase inaudível. Possuidor desse silêncio de soslaio que trancafia um coração ruidoso, de angústia doída, ressentida, de rebelião sufocada. Habitava nele um assovio melancólico, feito um canto de cigarra que antecede o anoitecer. As vezes - poucos, esses arroubos - encenava a alma conformada com trajes de herói - e, por instantes - cria na própria glória. Mas, imediatamente derrocado por um anjo de narinas pervertidas, não percebia donde, nem como, este lhe lançava sob os sapatos um líquido gosmento que, invariavelmente, o lançava ao chão. “- Besta ridícula eu sou...” - ruminava, alisando as pernas das calças.
A vida apenas transcorria. Pesada, insípida, cheia de pedregulhos e carente de sentido. Tudo previsível: mulher, filhos e variação das queixas de todos. Deus, que ele tanto invocava, lhe higienizava a inveja dos que traziam sol no peito. E também lhe abastecia com culpa redentora, necessária aos infelizes que rememoram, vez ou outra, lampejos de pecados que lhe permitem salgar a existência. Os anos, vividos com escassez de estímulos, lhe entorpeceram paulatinamente a alma. Os movimentos se escassearam, assim como as palavras. A esposa lhe roçava o copo à boca. Ele sorvia o líquido devagar. E tudo era lento. Pálido. Conformado. O ápice das ausências e entorpecimentos.
Um dia, coração de batidas tímidas e a pele resfriada, vestiu-se com seus antigos translúcidos épicos. O demônio que o derrubava, eticamente, se ausentou. Ao invés dele, cercou-lhe um silêncio entorpecedor, sem dor, sem medo, sem nada...e o levou.
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