Um júbilo de alegria, alguém diria. Uma grande máscara da hipocrisia, diria outro. Pois eu diria: nem um e nem outro. É apenas o descanso, o alívio da dor. Sobrevivência antes do simples viver. A vitória do sorriso antes da fome que nos consome, da violência na transparência, da falta de humanidade que nos invade, assim, aos poucos.
Tudo já foi dito. Ou assim parece. Os escàndalos de mulatas rebolando na quase-nudez ou até obscenidade, as escolas de samba esbanjando cores de folclores, o Cartola nos seus motivos de rosas que falam pros temperos da amada Dona Zica.
Quero me distanciar do lugar-comum, das cronicas "clichê" de hábeis homens de letras, e mergulhar em mim para sentir o Brasil e seu Carnaval. No sambódromo, deito minha alma no rio, Rio de todas as festas. Esse clima de "folie à deux" tece a trama sublime do drama.
No devaneio, avisto o Farol da Barra. Minha prece se enaltece ao Senhor do Bonfim. Ladainhas de todas as fés ressoam nos meus ouvidos, esses milhares de "mea culpa" disfarçados, oriundos do Pelourinho, são abafados pela alegria da procissão de frevo e cores. Mil baianas virginais rodopiam aos quatro ventos, reafirmando promessas e oferendas para todas as potestades.
Meu desejo, no entanto, é tão-somente um. Quero que o Carnaval me vença, me convença que ainda há esperança. E sinto-a, sinto-a surgindo no sol beijando a Guanabara, irisando meus olhos de novos matizes, um espetáculo de deslumbrante e pura beleza. Desfilam cores, novos amores.
Corcovado, Copacabana, Bahia de todos os Santos e Orixás, ondas e mais ondas fustigando todas as areias douradas desse litoral sagrado. Batucadas, sambas-enredos, afoxés. De repente, o silêncio. Mistério dos ritos, do cerimonial.
Os olhos diuturnos perlustram cidades maravilhosas do Brasil, brilham em mim indelevelmente, anunciando o encerramento da festa. Respiro fundo, uma última vez. Chego ao fim do sambódromo das emoções. E o passista do próximo bem-estar anuncia a vinda de outros dias. Dias melhores.