A realidade de quem já foi internado em um hospital
psiquiátrico
Por Camila Srougi
Guilherme*, 22, pode ser considerado um jovem como qualquer outro: gosta de rock, é extrovertido, veste-se como todo adolescente – de bermuda e camiseta - e se articula muito bem ao falar. Porém há algo que o difere das outras pessoas da sua idade: ele já foi internado em uma clínica que trata de pessoas com problemas mentais.
Todos sempre o viram como sendo um garoto que conseguia obter sucesso em tudo o que fazia. “Ele sabia que era bom”, afirmou sua mãe: Sandra*. Guilherme sempre teve muita facilidade na escola e nos esportes, adorava sair com os amigos e era um garoto popular. Há três anos ele passou a ter alguns momentos em que ficava muito triste, fechado, se trancava em seu quarto e não falava com mais ninguém.
Em certa ocasião, Guilherme estava sofrendo de insônia enquanto viajava com sua namorada. Tomou um remédio e resolveram sair. Ao chegar em um bar, ele saiu derrubando todas as cadeiras de maneira agressiva e as pessoas se assustaram. Sua versão para a história é diferente: diz que, sem querer, derrubou uma cadeira e as pessoas se voltaram contra ele. A psiquiatra explicou que, em sua cabeça, é isto o que realmente aconteceu, Guilherme criou a sua realidade e fez com que ela se tornasse verdade.
A partir deste momento o jovem passou a ter medo de tudo, começou a achar que estava sempre sendo perseguido, que as pessoas queriam matá-lo e ele não podia fazer nada para evitar, a não ser fugir. Como ele sempre foi muito popular, não queria admitir que tinha medo, então fingia que nada estava acontecendo. “Ele usava drogas para se sentir seguro, para não confessar seus medos”, disse sua mãe.
Ao ter um surto, que assustou toda a família, Guilherme sofreu a sua primeira internação em um hospital psiquiátrico. Ele saiu e, ao voltar para casa com o irmão, estava falando muito e rápido demais. De repente, começou a ficar agressivo e ninguém conseguia segurá-lo. “Ele ameaçou se jogar da varanda. Não estava com medo, se sentia o Super- Homem”, comentou Sandra. Foi levado às pressas ao Hospital onde, finalmente, conseguiram controlá-lo com uma injeção de calmantes.
Descobriram que sua doença era chamada bipolar, ou seja, ele tinha picos de sentimentos contraditórios. Enquanto estava muito feliz em um dia, no dia seguinte entrava em depressão. Em uma de suas crises de depressão, Sandra achou melhor já interná-lo com medo que Guilherme tivesse mais um surto. “Eu o enganei: falei que íamos jantar fora e o levamos para o hospital. Ele ficou muito revoltado, falava que nós o enganamos” afirmou sua mãe. Quando estava na clínica ele se sentia muito mal: “Dizia: ‘pelo amor de Deus, eu não quero mais tomar remédio, eu quero ir embora daqui’. Ele tinha razão. Como pode uma pessoa ficar normal com tanto remédio?” indagou Sandra.
Os remédios que ele era obrigado a tomar lhe trouxeram vários problemas, como a impotência sexual, que o afetou demais. Depois de passar por mais algumas crises, começou a haver a suspeita de que ele tivesse epilepsia. Após uma série de exames a suspeita foi negada.
Após vários surtos, qualquer mal-humor do garoto passou a assustar a família. Quando a namorada terminou com ele, todos já ficaram de prontidão. “Eu já não sei se é crise mesmo ou se é uma chateação normal por ter brigado com a namorada”, comentou Sandra.
Apesar de já não estar agressivo, ele continua com muito medo das coisas. “À noite ele vem dormir comigo, pede para eu dar a mão para ele. Não é natural. Ele está com medo de novo, mas não quer confessar. Quando ele chega na minha cama e pede a minha mão, dá vontade de negar, mas eu tenho muita pena”, confessou sua mãe.
Guilherme acha que não é doente e é por isso que não entende o porquê de o internarem em um hospital psiquiátrico. “Se a pessoa não tem consciência, o tratamento pode até ser bom, mas não vai adiantar.” Os amigos que o conhecem há mais tempo percebem a diferença, mas aqueles que já o conheceram assim nem desconfiam, já que ele não comenta nada disso. Sua mãe não comenta as histórias com amigos: “todas as pessoas são preconceituosas. O Gui pode ficar marcado com o estigma de que está doente. Eu não quero isso. As pessoas só entendem quando acontece com elas”.
* Os nomes foram alterados para preservar a identidade dos entrevistados.