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Artigos-->A PROFESSORA SUZANA BURTIN VINHOLES. Tia Sonzete -- 23/08/2024 - 18:47 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A PROFESSORA SUZANA BURTIN VINHOLES

Tia Zonzete

 

L. C. Vinholes

23.08.2024

 

 Nota: quem ler este artigo vai ficar sabendo porque ele foi escrito, mas prefiro não deixar ninguém esperando, razão pela qual digo que o motivo é para homenagear a uma pessoa que sempre admirei pelo seu trabalho, pelo carinho que dela recebi e que foi parceira singular em um importante marco de minha vida. O nome dela está no título acima e o restante da história nas linhas abaixo.

 

Desde pequeno, mesmo sem sair de Pelotas e ir a Porto Alegre, o nome de uma tia chamava minha atenção. Não era como o das outras das famílias de meu pai e de minha mãe. Eu já estava alfabetizado, lia e escrevia com facilidade, mas tinha que aceitar que, em vez de Suzana, o nome dela era escrito Suzanne, seguido do Vinholes, o mesmo sobrenome que eu também usava. Com o tempo, ficou esclarecido que meu tio Benjamin, era casado com a francesa Suzanne Burtin Vinholes e que os dois moravam na capital do estado.

 

Suzanne Emilie Burtin Vinholes, carinhosamente chamada de Zonzete[i], nascera em Lyon, na França, em 20 de junho de 1891, filha de Emile Charles Burtin e Lucianne Lagargue Burtin; era casada com Benjamin Constant Idiart Vinholes, para os íntimos o Bidú e para ela o Benny, nascido em Pelotas, em 2 de maio de 1891; moravam em Porto Alegre, na Rua Pinto Bandeira, nº 292, apartamento nº 25, próximo do Mercado Central. Ele um dos responsáveis pela construção do sistema de águas pluviais e, quando universitário, integrante do primeiro time de futebol do Clube Internacional; e ela, autora de livros didáticos e professora de francês de conceituada escola para meninas, contratada pela Livraria Globo, no âmbito do projeto do Dicionário Francês-Português, Português-Francês.

 

Para aquilatar a importância do trabalho realizado pela professora Suzanne, é suficiente conhecer a opinião dos seus colaboradores Laurence Curtenaz e Maria José Nonnenberg: “Apesar da escolha da metodologia direta, houve várias dificuldades, fazendo os autores de manuais se adequar à realidade escolar, como se faz notar no Cours de français – méthode semidirecte à l’usage des écoles supérieures, lycées et collèges, 1ère année, de Suzanne Burtin-Vinholes. Nesse método, a autora atestou a impossibilidade de se trabalhar com o Método Direto na escola, tal como fizera em aulas particulares: Após alguns meses de ensino na Escola Normal[ii] desta cidade, onde o número de alunos é muito elevado, chegamos à conclusão que era necessário empregar o meio termo, isto é, das lições práticas e teóricas …”

 

Os Editores deste dicionário, na Apresentação que assinam, esclarecem as diretrizes de sua concepção:

“Esta obra foi concebida especialmente para suprir as dificuldades dos estudantes de 1º e 2º Graus possibilitando-lhes, a um tempo, resolver dúvidas e ampliar o vocabulário.

Como seu objetivo principal é elucidar em nível médio, não pretende ser exaustiva. Por isso, não inclui a etimologia das palavras, nem termos raros. Entretando, registra todas as palavras de uso moderno, com riqueza de explicações e exemplos, bem como numerosas expressões idiomáticas correntemente empregadas. Além disso, seu sistema de figuração da pronúncia, extremamente simples, permite uma apreensão fácil e instantânea da fonética francesa.

Pela praticidade do seu conteúdo, não interessa apenas a estudantes, mas também a todos que amam a língua francesa e a ela se dedicam por motivos e profissão ou mero lazer”.

 

Durante muitos anos usei este dicionário para consultas esporádicas, mas em julho de 2020, desfiz-me do companheiro de décadas e doei à Biblioteca Comunitária do Condomínio Mansões Entre Lagos, em Sobradinho, DF, biblioteca por mim consolidada em 2011[iii] que, em julho deste ano, tinha 22.775 registros no seu cadastro, graças às doações por particulares e instituições, servindo a mais de 13.000 moradores, de todas as faixas etárias.

 

Depois que conheci tia Zonzete e tio Bidú, todas as vezes que ia a Porto Alegre, não deixava de visita-los, filar um almoço, conversar sobre diversos assuntos, ouvir as histórias que contavam e, pouco a pouco, construir uma amizade duradoura que transcendia a que eles tinham com os demais familiares.

 

Em meados de 1952, tia Zonzete aventou a possibilidade de publicar algum poema de minha autoria na conceituada Revista do Ensino, da Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul. De volta a Pelotas, preparei cópias de cinco poemas que foram logo levados ao Correio. Passaram-se semanas até receber o exemplar da revista do mês de junho de 1952, tendo na coluna “Poesias para o Mês de Junho”, a minha Meu Brasil, escrita em 23 de fevereiro daquele ano. No mês de setembro, recebi o exemplar do mês de agosto com o poema Minha terra[iv], de outubro de 1951. Nenhum dos dois poemas são românticos como era a grande parte da minha produção poética daquele tempo, mas sim, simplesmente, cantam o amor de um jovem de 18 anos, descobrindo seu próprio país.

 

 

REVISTA DE ENSINO DA SECRETARIA DE CULTURA O RIO GRANDE DO SUL

 

Poesias para o Mês de Junho

Poesias para o Mês de Agosto

Meu Brasil

Minha terra

 

Eu tenho orgulho de nascer aqui

Nesta terra abençoada intensamente,

Onde de há muito e inda hoje vi

Dar abrigo e conforto a tanta gente.

 

Terra gloriosa és tu, Brasil amado,

 

Onde corre o Rio Gigante serpenteando,

Onde multidões de flores vagueiam no prado,

Dos vales e montanhas e éter perfumando.

 

Quero que saibas, ó terra querida,

Que tenho orgulho de ser brasileiro

E que tuas glórias enquanto eu tiver vida

Serão cantadas pelo mundo inteiro.

 

Quer na cidade ou na vila distante.

Quer sob o sol, chuva ou céu anil,

Hei de bradar andando sempre adiante

O teu glorioso nome, ó meu Brasil.

 

Este teu povo, povo abençoado,

Estas seis letras de riquezas mil,

Hão de escutar por certo este meu brado:

Eu tenho orgulho deste meu Brasil.

 

 

Todos cantam sua terra

Canto eu a minha também,

Com os encantos que encerra

E as riquezas que ela tem.

 

Outras têm belas palmeiras

Nas praias como rosários,

Esta aqui tem as figueiras

E seus umbus milenários.

 

Se existe lá a graúna,

Com seu canto mavioso,

Espalhando-se na espuma

De um mar azul e formoso,

 

Eu aqui tenho um encanto:

Os concertos matinais

Do sabiá com seu canto

Nas copas dos laranjais.

 

Se falam dos sertanejos

Cantando pelo caminho,

Eu falo só dos harpejos

Destes gaúchos no pinho.

 

Se lá se escuta o corrido

E a modinha sertaneja,

Tenho o xote sacudido

A polca e mais a rancheira.

 

Se existem campos de flores

Naquelas terras do Norte,

Cá no pampa dos amores

Temos nós a mesma sorte.

 

Se eles encontram belezas

Nos seus densos cafezais,

Nós aqui temos riquezas

Nos nossos lindos trigais.

 

Cantem no Sul as belezas,

Cantem também lá no Norte,

Cantemos nós as riquezas

Deste Brasil grande e forte.

 

 

 

 

1952 foi um ano no qual comecei a divulgar meus poemas: primeiro, corajosamente, para um público reduzido, as companheiras de um grupo de amigas do Clube Atlas, mais dedicado ao esporte - futebol e basquete -, e, ao mesmo tempo. nas páginas da Opinião Pública jornal que cobria a metade sul do Rio Grande do Sul, no qual saíram também minhas primeiras crônicas dos eventos realizados no Conservatório de Música. Os primeiros poemas, naquele ano, foram: Despedida, Felicidade, Anjo de ternura, Como é bom..., Falso amor e Conselho.

 

Sobre essa fase inicial de minhas conquistas[v], vale conhecer o que escreveu Clayr Lobo Rochefort, o Redator-Chefe da Gráfica Diário Popular[vi]:

 

“Pelotas, anos 50. Um jovem, 18 anos, olhar vivo, penetrante e comunicação rápida, surge na redação do Diário Popular. Como quem não quer nada. Mais um? Não. Trata-se de um estudante do nosso Conservatório à procura de alguém no jornal para conversar sobre música, sua paixão. Esse alguém era o cronista social e crítico de arte Waldemar Coufal[vii]. E o estudante Luiz Carlos Lessa Vinholes, nascido e criado em Pelotas. Já com muito tempo de estrada no ramo, o dr. Coufal - cabeleira banca, vasta e característica – recebe a todos que o procuram com cordial atenção. Mas Vinholes, parceiro nos recitais do Conservatório, se tornaria visitante assíduo do nosso cronista. Já como diretor da Redação do Diário e da Opinião Pública, jornais da Gráfica Diário Popular Ltda., podemos testemunhar esses contatos do jovem com o experiente profissional. Pois, sem demora, Vinholes - L. C. Vinholes - aparece assinando pequenos textos e passa à condição de colaborador, publicando matéria ora num, ora noutro jornal da Gráfica. Sob a corresponsabilidade, é claro, do veterano cronista.”

 

De lembranças de tia Zonzete guardo correspondência que trocamos em 1952, vésperas de minha mudança para São Paulo, e a Cédula de Identidade RG. Nº 58.532, expedida pelo Instituto de Identificação do Departamento de Polícia Civil da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, em 25/03/1961. A correspondência citada e a Cédula de Identidade serão entregues ao acervo da Discoteca L. C. Vinholes, do Centro de Artes da UFPel, para que ali seja preservada a memória de uma professora exemplar de gerações de jovens gaúcha(o)s e, ao mesmo tempo, sirvam para, modestamente, colaborar para que conheçam sua extensa história de educadora e mestra.

 

A correspondência a que me refiro, cobrindo um espaço de aproximadamente vinte anos, são apenas oito carta, seis dela e duas minhas, com informações simples entre um sobrinho jovem e uma tia experiente e influente na sociedade em que vivia, com assuntos particulares e de família. Mas quatro das cartas de tia Zonzete sempre mereceram minha atenção especial.

As cartas

 

Na segunda página da carta de 22 de maio de 1955 ela informa: “O Benny está melhor, porém não está de tudo bem, ele não consegue caminhar sozinho na rua, queixa-se de muitas dores e continua se tratando: com vitaminas de todas as qualidades, injeções intramusculares e endovenosas, ondas curtas, mas embora coma bem, acho que não está se restabelecendo tão depressa como julgava que o fizesse...”.

 

Na carta de 24 de agosto registra: “Vi teu pai segunda-feira, em tristes circunstâncias. Benny que parecia muito melhor e que durante a permanência aqui de Lulu[viii] esteve incansável e encantador, pouco depois recomeçou a beber talvez dando-se conta que a sua cura era impossível, teve no sábado umas novas hemorragias e transportado na Beneficência à noite sofreu diversas transfusões de sangue e domingo pelas 4 horas da tarde veio a falecer... Ele foi enterrado 2ª feira à tarde... de Pelotas vieram teu pai[ix], a Mimi[x] e a Ika[xi]”.

 

Na carta de 16 de outubro de 1955, sabendo de meus contatos com o professor Masami Kuni, que viria a ser o responsável pela minha indicação à Bolsa de Estudos 1957-1959, do Ministério da Educação japonês, escreveu: “Então travaste conhecimento e amizade com um pedagogo japonês ... Terão eles as mesmas ideias do que nós? Desejo-te saúde e a coroação de teus sonhos e de tua ambição, sempre me regozijarei de te ver satisfeito e feliz”.

 

Na carta de 24 de maio de 1955 tia Zonzete certamente lembrando o encontro casual que tive com sua neta, em um café da manhã no apartamento da Rua Pinto Bandeira, noticia que “A Maly continua dando concertos, não sei si continua de pé a sua ida à Europa, este ano sua irmã mais velha ingressou na faculdade de medicina...”. Maly, filha de Serge Burtin Vinholes, era a neta de tia Zonzete, que morava com ela e que estudava na Escola Normal da capital gaúcha. Serge, nascido em 1914, é meu primo, filho aventureiro de tia Zonzete e tio Bidu que, desde jovem, sonhando em conhecer o mundo, conseguia empregos em navios de passageiros e carga. Certa vez, Serge chegou no porto de Rio Grande, visitou meus pais na casa da rua General Argolo, em Pelotas, preparou apetitosa macarronada, espirituoso contou histórias das estadias dos navios nos quais viajou, foi-se embora e nunca mais apareceu. Em setembro de 1975, quando terminei a palestra que fiz, no âmbito do programa do XI Festival de Música de Santos, onde foram usadas minhas Instrução 61, para quatro instrumentos quaisquer e quatro colaboradores[xii], fui surpreendido quando uma senhora do público se levantou e em vez de fazer pergunta, como outros haviam feito, afirmou, com voz firma “nós somos primos”. Naquela noite inesquecível, conheci a numerosa família de Serge e de sua viúva, minha prima Maria Sossia Gianeta Vinholes, assunto que fica para outra ocasião.

 

Epílogo

 

Afastado do Rio Grande do Sul, nas minhas andanças profissionais dos anos em que vivi no exterior, de 1957 a 1998, perdi o contato com muitos parentes e amigos e entre os primeiros está tia Zonzete que, conforme fui informado, terminou dos seus dias no pequeno apartamento que alugara, diuturnamente assistida por suas dedicadas e incansáveis ex-alunas da Escola Normal de Porto Alegre.

 

[i] Até hoje não descobria origem e o porquê deste apelido.

[ii] A Escola Normal da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul tem mais de 150 anos de história e seu prédio atual foi inaugurado em 1935, na Avenida Oswaldo Aranha, 527, junto ao Parque Farroupilha.

[iii] Artigo A Biblioteca Comunitária Entre Lagos, de 21.06.2018, atualizado e publicado em 29.09.2023, no site www.usinadeletras.com.br

[iv] Lembrando a Canção do Exílio, escrita por Gonçalves Dias. em 1943 cento e nove anos antes.

[v] Vide artigo Clayr Lobo Rochefort e as relações Brasil Japão, publicado no site www.usinadeletras.com.br, em 27.06.2024.

[vi] A Gráfica Diário Popular tinha dois jornais: o Diário Popular e a Opinião Pública, fundados, respectivamente, em 27.08.1980 e maio de 1986, um matutino e outro vespertino, tendo suas edições encerradas em 12.06.2024, com 133 anos de história.

[vii] Vide artigo Waldemar Coufal, cronista e amigo, publicado em 25.08.200, no site www.usinadeletras.com.br

[viii] Lulu, amigo francês morador em Rio Grande, RS.

[ix] Lourenço Idiart Vinholes, cunhado de tia Zonzete.

[x] Mimi, apelido de Celmira Idiart Botelho, cunhada de tia Zonzete.

[xi] Ika, apelido de Zaira Idiart Vinholes, irmã da Ordem das Carmelitas, cunhada de tia Zonzete.

[xii] São os participantes que mostram aos músicos os vinte e cinco cartões que formam cada um dos quatro blocos de cartões da Instrução.

Comentarios

Maria do Carmo Maciel Di Primio  - 30/08/2024

Estimado Prof. Vinholes, lindas poesias "Meu Brasil"e "Minha Terra"!!
Tia Zonzete lembrada com admiração. Pensei , se algum sobrinho meu terá lembranças assim tão carinhosas de mim. Gostaria muito !

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