Usina de Letras
Usina de Letras
95 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 


Artigos ( 62808 )
Cartas ( 21343)
Contos (13288)
Cordel (10347)
Crônicas (22568)
Discursos (3245)
Ensaios - (10539)
Erótico (13585)
Frases (51193)
Humor (20118)
Infantil (5544)
Infanto Juvenil (4873)
Letras de Música (5465)
Peça de Teatro (1379)
Poesias (141094)
Redação (3341)
Roteiro de Filme ou Novela (1065)
Teses / Monologos (2439)
Textos Jurídicos (1965)
Textos Religiosos/Sermões (6300)

 

LEGENDAS
( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )
( ! )- Texto com Comentários

 

Nossa Proposta
Nota Legal
Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->SAUDAÇÃO DE MARIO MAIA APRESENTANDO VINHOLES -- 16/09/2024 - 10:36 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

SAUDAÇÃO DE MARIO MAIA

APRESENTANDO VINHOLES

PATRONO DA 42ª FEIRA DO LIVRO DE PELOTAS

 

Nota: Quando todos os dias ligo e desligo meu computador, encontro algo que me diz “quero novamente ser lembrado”. E isto é o que aconteceu com o texto que ipsis litteris transcrevo, escrito, revisado e lido pelo professor Mario de Souza Maia nos momentos que antecederam a abertura da LXII Feira do Livro de Pelotas, em 31 de outubro de 2014. Trascrevo  porque desejo que o público de hoje possa ter conhecimento dos ideais e da linha de comportamento que sempre adotei, visando compartilhar o que viesse a saber ou a possuir com aqueles que, de uma forma ou de outra, se interessassem pelo que foi objeto de minha dedicação, do meus esfoços e do meu tempo. Embora nas palavras do professor Mario meu nome seja lembrado, gostaria que essas citações sejam tomadas como a que identifica a quem sempre foi apenas “temporário depositário fiel” de possibilidades e oportunidades coletivas. Vejamos o que diz Mario Maia.

 

Boa noite.

 

Gostaria de saudar a todas as pessoas aqui presentes, indistintamente. Que sejam todas benvindas e usufruam deste belo evento. É realmente uma satisfação ver a feira de volta à praça[i], consagrando esta já antiga relação com os livros. Tenho também observado, mais recentemente, esta praça ser tomada por estudantes, especialmente universitários vindos de todas as partes do Brasil, e que se apropriaram dela despudoradamente, como nos lembrando que a praça é nossa sim! Como professor universitário, recebo com entusiasmo estes novos moradores de Pelotas, que tem trazido novos ares para estas bandas do sul. Nestes tempos em que estamos assistindo a tantas manifestações xenófobas em relação a outras partes do país, julgo de extrema necessidade chamar a atenção para este monumental equívoco manifestando aqui, simbolicamente, através destes estudantes, um sentimento de irmandade e pertencimento nacional.

 

Aliás, foi nesta mesma direção, de compartilhamento cultural, que se construiu a trajetória de nosso ilustre homenageado como patrono desta feira, o Luiz Carlos Lessa Vinholes. Não sei se por coincidência, mas foi também nos bancos desta praça, que Vinholes iniciou sua viagem pelo mundo. Quando de passagem por Pelotas, em dezembro de 1950[ii], o maestro Hans-Joaquim Koellreutter proporcionou aulas de contraponto a Vinholes, que vinha para os bancos da praça realizar seus exercícios musicais. Daqui destes bancos, em poucos meses Vinholes estava em São Paulo, compartilhando da efervescência cultural paulista, participando ativamente dos movimentos de vanguarda artística, compartilhando com artistas como a pintora Tomie Ohtake, os irmãos Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, na gênese do movimento concretista. Obviamente, Vinholes também estava ativo junto aos compositores e intérpretes que estavam em torno de Koellreutter e Gilberto Mendes, com o conhecido movimento Música Viva, que trouxe para o Brasil as ideias de universalidade, tão em voga especialmente na Europa e Estados Unidos. A inquietação de Vinholes, movida pela busca de novos conhecimentos o levou, em 1957 para o Japão e de lá para mundo, retornando ao Brasil apenas esporadicamente.

 

Como professor de história da música, decidi, em meados dos anos 1990, realizar meu curso de mestrado. Tendo conhecimento da importância de Vinholes para a música brasileira, escolhi realizar uma pesquisa analisando sua obra como compositor, tendo como mote principal a obra “Instrução 61”, considerada a primeira peça aleatória proposta por um compositor brasileiro, obra icônica, de grande importância histórica (ao final de minha manifestação, realizaremos uma performance desta obra). Entretanto, na medida em que avancei os estudos sobre sua obra musical, rapidamente fui descobrindo outras facetas então desconhecidas para mim. Encontrei um personagem com atuações que extrapolaram minha ideia inicial, de que eu trabalharia com um compositor. E assim foi se revelando uma diversidade de atividades que me obrigou a reformular os objetivos iniciais de minha pesquisa, na intenção de incorporar outros aspectos que não fossem apenas os musicais. De sua iniciação musical no coro da Catedral São Francisco de Paula e das aulas com o maestro Bandeira[iii], regente do coro; das aulas particulares de contraponto, no banco da praça, e sua passagem por São Paulo; da ida para o Japão, da experiência no Departamento de Música do Palácio Imperial e das exposições de arte e de partituras de compositores brasileiros no Museu de Arte Moderna de Tóquio[iv], dos programas de rádio que divulgaram a bossa nova no Japão praticamente ao mesmo tempo do que estava acontecendo no Brasil, de todas estas coisas, entre outras, acabaram resultando no convite para o serviço diplomático[v]. Um colega seu de embaixada, comentando sobre o convite, disse que “foi a vez da própria embaixada brasileira reconhecer que alguém de fora da embaixada, estava executando tarefas que talvez coubessem a ela. Foram atrás do Vinholes que foi contratado para trabalhar na embaixada, em Tóquio, assumindo oficialmente o setor cultural da Embaixada”. Seguiu carreira diplomática[vi] cumprindo missões importantes em diversos países, até se aposentar, em 2005, fixando residência definitiva em Brasília. Precisaríamos de muito tempo, muitos encontros, para dar conta de toda a diversidade da experiência da trajetória de Vinholes.

 

Mas como estamos aqui o homenageando como patrono da Feira do Livro, procurarei destacar apenas alguns aspectos mais significativos de sua relação com a literatura.

 

Podemos dizer que esta relação se iniciou muito cedo, ainda aqui em Pelotas, com o Vinholes crítico musical e poeta. Foi nas páginas dos jornais Opinião Pública e Diário Popular que apareceram suas primeiras publicações, sob o pseudônimo de Luiz Magloire. Na capital paulista, assumiu de forma mais profissional a função de crítico, a partir de janeiro de 1957, no jornal Diário de São Paulo. Nesta época fazia-se uma crítica que, com raras exceções, quando não era diletante, era comprometida com o establishment, tradicional e conservadora. Vinholes não era um diletante e muito menos um conservador. Suas análises se caracterizaram pela lucidez, clareza e objetividade, sem afetação ou deslumbramento, essencialmente técnicas, sempre engajadas ao lado dos estudantes que clamavam por mudanças no ensino de música nos conservatórios.

 

A trajetória pela literatura prosseguiu no exterior, publicando poesias próprias e colaborando na tradução de obras de poetas brasileiros para o japonês e traduzindo poetas japoneses para o português. Sobre nunca ter publicado um livro de poemas, se justifica dizendo que poemas são como filhos, precisam crescer independentes, por isso a sua preferência por publicá-los avulsos, em revistas especializadas, jornais e sites. Dessa maneira, espalhou seus poemas em diversos países, de 3 continentes. O único livro publicado por Vinholes, ele chama de “polievroma” uma fusão das duas palavras – poema livro, para nominar um objeto que contém um poema na forma de um livro. O trabalho que realizou de produção e divulgação da poesia concreta brasileira, no Japão, através de diversas ações, acabou resultando em um movimento de poesia concreta japonês, que repercute até hoje.

 

Outro importante reconhecimento da obra de Vinholes veio pelo convite para participação no Festival delle Parole, realizado em Veneza, em 1997, quando foi convidado a dividir a noite principal do evento com Umberto Eco. Teremos o privilégio de compartilhar a mesma proposta levada somente à Veneza e Tóquio, no dia 1/11, como parte das oficinas que Vinholes realizará durante a Feira do Livro.

 

Ainda no campo cultural, Vinholes foi o responsável pela proposta de irmandade entre Pelotas e a cidade japonesa de Suzu. A partir da efetivação deste acordo, intensas trocas culturais tem se realizado através de correspondências entre estudantes secundaristas de lá e de cá e até mesmo a vinda de grupo de estudantes japoneses para estada de intercâmbio em casa de famílias locais em um compartilhamento cultural muito especial, aproximando povos e culturas tão distantes. Oxalá se repita! Pelotas também ganhou de presente de sua irmã japonesa, a emblemática Praça de Suzu[vii], localizada no canteiro central da Av. República do Libano, e recebeu ainda a visita de delegações de autoridades e empresários. Como reconhecimento desta aproximação, foi erigido um monumento em sua homenagem[viii], em Suzu.

 

Tendo sempre Pelotas em sua memória, recentemente, Vinholes fez importantes doações para o Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, destacando-se as coleções de gravuras e cerâmicas japonesas do século XVII e XIX, mais de mil gravuras do gravurista inglês Willian Home Lizard e do coreano Kim Sang Yu, dotando o MALG com uma das mais valiosas coleções do gênero na América Latina. Doou também para o Colégio Pelotense, uma coleção de uma centena de objetos do cotidiano e artesanato do Japão.

 

Tem sido também um colaborador já de alguns anos, da discoteca do Centro de Artes, que recebeu o seu nome em evento na última quarta feira, passando a denominar-se Discoteca L. C. Vinholes, forma como é reconhecido no meio artístico. Além de um acervo de cerca de 20 mil discos, em diversos formatos, a discoteca abriga também uma coleção de instrumentos japoneses, partituras de música antiga tradicional japonesa, entre outros itens doados por Vinholes.

 

Preciso dizer também a minha gratidão e o meu agradecimento pelo convite que recebi da Câmara Pelotense do Livro, na pessoa da sua presidente Isabel Zschornack, e da Secretaria de Cultura, através do secretário Giorgio Ronna e do Lúcio Xavier, por representar a oportunidade de, em nome da cidade, ser o porta voz do reconhecimento público, ainda que tardio, a esta pessoa que tem dedicado sua vida a trabalhar pela cultura de seu país, sempre levando e trazendo para Pelotas parte desta generosidade.

Antes de encerrar, quero deixar o convite para outra atividade que Vinholes vai nos brindar, em um encontro no novo auditório no Centro de Artes da UFPel, no dia 5 de novembro, às 19 horas.

Para terminar, antes do nosso patrono tocar a sineta abrindo oficialmente a feira, eu tenho o prazer de apresentar aqui uma performance da histórica “Instrução 61”, performatizada hoje pelo baixista Paulo Momento, pelos integrantes do grupo Percutralha Gustavo Silveira e Gustavo Cunha, mais o guitarrista Luan Borba, com a colaboração de 4 pessoas da plateia que manipularão a partitura para a execução. Esta partitura foi escrita para um grupo de 4 instrumentos quaisquer e é composta por 100 cartões divididos em quatro grupos de 25, um para cada instrumento. Cada grupo de 25 cartões está dividido em 7 cartões com uma linha longa, 7 com uma linha curta, 7 com um ponto e 4 em branco. Para cada um destes sinais corresponde uma instrução, daí parte do nome. Cada grupo deve ser embaralhado, e o colaborador que mostra os cartões é quem decide quando começa o andamento da execução e o fim. Uma vez que estes sinais não determinam notas, nem alturas ou intensidades, cabe ao instrumentista esta decisão. Ao final todos compartilham a responsabilidade da música que resulta, um processo lúdico e cooperativo. A outra parte do nome – 61, é pelo fato de ser sido estreada no dia 31 de dezembro de 1961, instantes antes da meia noite como que abrindo o novo ano. Da mesma forma, que esta performance encerre simbolicamente esta solenidade, abrindo para a Feira do Livro de 2014. Assim como os sinos dos templos budistas japoneses costumam soar anunciando o ano novo, na praça soará a tradicional sineta na mão do patrono.

Muito obrigado.

 

Primeiro e único compromisso

Para terminar transcrevo também a poesia Despedida escrita em 29/12/1952, às vésperas da partida para o III Curso Internacional de Férias da Pró-Arte, em Teresópolis que foi publicada em 03/01/1953 na coluna Vitrine Literária, assinada por Ivy, pseudônimo do poeta e jornalista amigo Carlos Alberto Mota, do jornal A Opinião Pública, meu primeiro e único compromisso.

                                                Despedida

 

Parte o pássaro cantando

Deixando atrás a campina,

Eu parto também sonhando

Pela música divina.

 

Pela música divina

Eu parto também, sonhando,

Deixando atrás a campina

A campina atrás deixando.

 

Eu parto para encontrar

De todo o saber a fonte

E o cantor para cantar

Na luz de novo horizonte.

Quem é Mario de Souza Maia

 

Mario Maia, como é conhecido, é bacharel em Canto pela Universidade Federal de Pelotas (1989), mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS (1998), doutor em Música - Etnomusicologia (2008) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e tem estágio sandwich na University of Illinois at Urbana-Champaign (2006-07). Professor aposentado da Universidade Federal de Pelotas, onde atuou por 30 anos, nos cursos de Bacharelado em Ciências Musicais, Licenciatura em Música e no PPG em Antropologia e Arqueologia da UFPel, ministrando as disciplinas de Etnomusicologia, História da Música, História da Música Popular Brasileira e Oficina de Construção de Instrumentos. É autor da tese de doutorado “O Sopapo e o CABOBU: etnografia de uma tradição percussiva no extremo sul do Brasil”, defendida no PPG Música – UFRGS. Para mim, Mario Maia é o amigo que ganhei nos anos que antecederam suas pertinentes pesquisas relacionadas à minha produção musical que, em 1998, resultaram na histórica dissertação “Serialismo, Tempo-Espaço e Aleatoriedade”, apresentada no Curso de Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da PUCRS; e recordo sempre nossos diálogos no Centro de Artes à época Instituto de Letras e Artes da UFPel.

 

 

[i] A Feira de Livros de Pelotas tradicionalmente ocupa as áreas livres da Praça Coronel Pedro Osório vis-à-vis aos prédios da Prefiura Municipal e da Biblioteca Pública.

[ii] O compostor e maestro Hans-Jachuim Koellruetter esteve em Pelotas para reger a Orquestra da Sociedade Orquestral de Pelotas.

[iii] José Duprat Pinto Bandeira, uma das figuras emblemáticas de uma família de músicos que Vinholes sempre considerou como tendo sido seu priimeio professor de música.

[iv] No Museu de Arte Moderna de Tokyo foi inaugurada, em abril de 1960, a I Exposição de Poesia Concreta Brasileira. A Exposição de Patituras de compositores brasileiros realizou-se na Galeria da Embaixada do Brasil em Tokyo.

[v] A partir de 1º de julho de 1961, deixando sua funções na Comissão de Compras da Usiminas no Japão, Vinholes passou a trabalhar na Embaixada do Brasil em Tokyo, a convite do embaixador Décio de Moura, não tardando a ingressar no quadro de funcionários permanentes do Ministério das Relações Exteriores.

[vi] Em julho de 1961 fui contratado pela Embaixada do Brasil em Tokyo, como datilógrafo do quadro do pessoal local e pago com os recursos do salário da datilógrafa que retornara ao Brasil. Só foi enquadrado como Oficial de Chancelaria em 1967.

[vii] A Praça Jardim de Suzu foi concebida pelo artista plástico Kenzo Tanaka (1918-2012) contando com a colaboração do paisagista Tsujiguchi Tadao. Depois de tentativas frustadas na escolha do local, a praça foi, finalmente, instalada em caráter definitivo, em 20 de junho de 2008, na gestão do prefeito Antonio Fetter Junior, coincidindo com a visita do prefeito da cidade de Suzu, Izumiya Masuhiro.

[viii] Em 01 de maio de 1965, uma lápide foi erguida junto à entrata da Escola Primária Ohtani, do Bairro Ohtani da cidade de Suzu, na qual lê-se a inscrição em portuiguês, Amigo, se sonho, sonho com Ohtani, com uma placa em japonês Tomo yo, yume wo mireba, yume ni Ohtani wo miru. A inauguração contou com a presença do embaixador do Brasil no Japão Álvaro Teixeira Soares.

Comentarios

Maria do Carmo Maciel Di Primio  - 17/10/2024

Agradeço muito este texto sobre mais atividades culturais do estimado Prof, L.C.Vinholes. Um privilégio conhece-lo !!!

O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Perfil do AutorSeguidores: 11Exibido 56 vezesFale com o autor