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Artigos-->DUAS CARTAS DE GUILHERME FIGUEIREDO -- 08/10/2024 - 11:01 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

DUAS CARTAS DE GUILHERME FIGUEIREDO

 

L. C. Vinholes

20241008

 

 

Nota: Nos artigos Teatro Brasileiro no Japão e A Antologia de Teatro e a Cartas de Guilherme Figueiredo, de 13.07.2021 e 25.09.2024, publicados no site , hoje, respectivamente, com 1.951 e 30 acessos, foram abordados diferentes aspetos da importância deste autor na história do teatro brasileiro e desta no intercâmbio com outros países, especialmente com o Japão.

 

Em um dos artigos mencionados, foram feitas referências explicitas à trechos de carta que recebi deste autor no período em que tratávamos da tradução, da publicação e da apresentação no Japão de uma das suas peças mais festejadas: A raposa e as uvas. Esta correspondência trata não só de teatro, mas mostra aspetos da personalidade, da vivência, da habilidade crítica e das atividades de quem foi adido cultural do Brasil em Paris, entre os anos 1964 e 1969, tendo, inclusive, criado, na embaixada, a Galeria Debret, para, financeiramente, facilitar a divulgação da cultura e da arte brasileira.

 

Como tenho como vício incurável o desejo de compartilhar o que sei e o que tenho, simplesmente, desta vez, transcrevo, ipsis litteris, as duas cartas mencionadas acima, intercaladas pela minha manuscrita de 11.12.1978.

 

 

Carta de Paris, 18 de dezembro de 1967.

 

 

Caro amigo Vinholes,

 

Há dias estou para responder a gentileza de sua carta; acontece que várias expedições para encontrar objetos históricos pertencentes à família imperial (e que serão despachados para os museus brasileiros) me levaram a diversas viagens – a Eu e Ruão[i] -, Agora, de volta, espero o Natal; e depois irei novamente a EU, para empacotar as coisas e remeter ao Brasil (entre elas um quadro de Debret, a coroação de Pedro I, e a mesa em que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea). Com isso, acaba minha missão em Paris; volto ao Rio em abril - e desde já me coloco ao seu inteiro dispor.

 

Sinto-me orgulhoso de ter a nossa “Raposa” incluída na antologia japonesa; devo-a a você e ao nosso Jun Shimaji, preciosa criatura que generosamente decidiu descobrir o Brasil. Por favor, mande-me um exemplar da obra. E diga-me: querem vocês uma outra comédia. A editora Civilização Brasileira publicou-me as “Quatro peças de assunto grego”. Se as desejar, por favor peça-as ao Ênio Silveira, Editora Civilização Brasileira, Rua Sete de Setembro, 97, 3º, Rio.

 

Minhas felicitações pela sua atuação como intérprete real; disseram-me que havia no séquito um brasileiro douto em japonês, um assombro. Parabéns. Se passar por Paris procure-me; se for direto ao Rio, mande-me seu endereço. Votos de felicidade pelo Natal e Ano Novo, e mais amizade do seu agradecido.

 

Guilherme Figueiredo

 

 

 

Minha carta de 11 de dezembro de 1978

 

Nota: Esta carta é manuscrita com caneta bic em papel personalizado, com apenas meu nome impresso no centro do alto da página. Nela serão encontradas as citações que aparecem nos parágrafos do artigo A Antologia de Teatro e a Cartas de Guilherme Figueiredo. Vejamos o que ela diz.

 

 

Caro professor Figueiredo,

 

Leio novamente sua carta de 18.12.1967 quando dialogávamos sobre a antologia de peças brasileiras a ser publicada em Tokyo, incluído A raposa e as uvas. Em Paris o caro amigo indo a Eu e Ruan, providenciava o retorno ao Brasil de objetos históricos dentre os quais um quadro de Debret, a Coroação de Pedro I e a mesa em que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea.

 

Onze anos passaram.

 

Sai do Japão para o Paraguai sem ver a antologia pronta. Fiquei entre os guaranis até abril de 74. E em um mês depois estava novamente em Tokyo, tratando, outra vez, da antologia que, finalmente, saiu em meados do ano passado, pouco antes de eu vir para Ottawa.

 

Por Jun Shimaji, tive notícia de que o senhor visitou o Japão. Fiquei muito contente e lastimei não ter esperado um pouco mais.

 

Tenho ido anualmente ao Brasil, mas sem visitar o Rio. Em 6 de janeiro vindouro, passarei pelo Rio a caminho de São João Del Rei onde participarei do 8º Curso Latino-Americano de Música Contemporânea, na qualidade de docente convidado. O curso dura até dia 21, mas como sei se terei dias livres, tentarei entrar em contato com o senhor na manhã do dia 6, para cumprimentá-lo.

 

Feliz Natal! Feliz 1979!

Um grande abraço.

 

 

Carta do Rio de Janeiro, Páscoa, 1996[ii]

 

 

Meu caro Vinholes.

 

Os médicos e dentistas franceses tem o mau hábito de apresentar suas contas profissionais por ocasião do Natal, o que evidentemente buleversa[iii] todos os orçamentos caseiros. Não adquiri tais hábitos ao morar na França; mas aproveito a minha imperdoável lentidão postal com o pagamento de contas por ocasião das Páscoas, pois assim apresento meus melhores votos. Creia-me que foi o que me atrasou a resposta à sua carta de 29 de fevereiro[iv], onde vejo sua alegria de confraternizar com tantos parentes, amigos, paisagens, depois de tantos anos fora do Brasil e longe de tantos abraços. Mando-lhe minha inveja, acrescentada com a de saber de sua ida para Milão, onde andei em breve passagem que me deixou saudades.

 

Infelizmente o projeto de ir a Tóquio, obra de conspiração sua e do amigo Jun Shimaji, não se realizou. Alba minha mulher não está em condições de viajar, nem de permanecer sozinha no Rio. Meus dois filhos casados, cheios de compromissos, não lhe poderiam dar as vinte e quatro horas de atenção que sua saúde requer: meus afazeres na biblioteca da Universidade, ainda que em período de férias, exigem minha presença, porque, após oito anos de reitor, sou presentemente um aposentado, contratado para tomar conta de livros, quase todos de doação minha, mas com o risco de perder essa atividade quando substituírem o atual reitor. Isto se dará em junho, mas desde agora trava-se uma furiosa batalha em disputa do lugar que ocupo. Para sobreviver depois disto, aceitei escrever minhas memórias, que um editor acredita sejam úteis. Resultado: umas dez ou doze horas de trabalho em computador e consultando papelada. Praticamente, o texto das memórias está pronto: e isto me transmite a estranha sensação de me ter tornado uma espécie de zumbi a me contemplar num incômodo espelho côncavo-convexo onde me vejo definitivamente como uma árvore torta e desfolhada. E, até curioso, foi dentro desta sensação que escrevi o poema Hiroshima[v] que o Jun Shimaji me pediu que eu mandasse em inglês, para ser traduzido para o japonês, isto é, emagrecendo-o a finas pinceladas com o esqueleto da cidade morta. O passado é muito mais perigoso do que o futuro.

 

Recebi breve carta do nosso Jun Shimaji, anunciando que me foi mandada a antologia através do Itamaraty. Isto talvez signifique uma remessa para Brasília, e de lá até o Rio, o que, em termos brasileiros, é mais longo do que uma vota ao mundo. Veremos.

 

Não sei se mando estas linhas para Brasília, onde você talvez ainda esteja ou para Milão. Decido-me por Milão, que fica mais perto; o bife à milanesa já é conhecido no Rio e ainda não chegou à mesa de Brasília. Tudo aqui é desesperadamente assim ... Imagine se Cabral mandasse as proas das suas caravelas em direção ao Norte ao ter saído do Tejo, entrado no golfo de Biscaia, enveredando pelo Sena e hoje seríamos todos franceses; se, voltando-se para o Sul entrasse por Gibraltar, iria pelo Mediterrâneo, e hoje talvez fossemos todos romanos. Os portugueses nunca foram fortes em geografia. Colombo que era genovês, mais esperto, descobriu a América.

 

Até o mais breve possível. Grato por tudo. Conte-me como encontrou Milão, a Última Ceia já restaurada, o Scala cheio de gente canora. Abraço agradecido, votos de felicidade para todos os seus. Não deixe de espiar de vez em quando um sebo existente na galeria do Duomo: lá, de vez em quando, aparece um volume de poemas de Murilo Mendes, com ilustrações de De Chirico, uma joia.

Seu

(assinado) Guilherme

 

 

 

 

[i] Ruão, cidade medieval francesa, atual capital da Normandia e do departamento do Sena Marítimo.

[ii]  Carta em papel timbrado personalizado, tendo o endereço Rua Souza Lima 178 – 601, Rio de Janeiro, com envelope carimbado com a data da postagem 10.04.1996, recebida em Milão em 20.05.1996.

[iii] Expressão típica de quem vivei em Paris e que significa agitar, desarrumar, alterar.

[iv] Nos meus guardados não encontrei cópia desta carta.

[v] Junto à correspondência com Guilherme Figueiredo, encontrei uma folha datilografa sobre a saga de Hiroshima e o nome de Vinicius de Moraes, mas não acredito em tentativa de plágio, mas sim e muito provável em brincadeira orquestrada pelo amigo Figueiredo. É sobejamente conhecida a letra da canção Rosa de Hiroshima, de Vinícios de Morais e Gerson Conrad, interpretada por Ney Matogrosso.

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