Rita se debruça sobre o parapeito da janela do casarão da rua São João nº 5 e observa atentamente o fluxo do final do dia. Junto ao antigo portão de ferro, lê-se na placa: Rita Faz Fita – costureira especializada em fitas e vestido de noiva”.
Ansiosa, aguarda os passos do sinistro homem do sobretudo cinza que ao cair da tarde desfila sob sua janela.
O chapéu é sempre colocado de forma a camuflar-lhe a face esquerda. Não tem certeza se sorri, se acena com os olhos ou se os encolhe. Estranho personagem a mexer com os seus sentidos!
Rita trabalha em casa. As encomendas começam a rarear. A ameaça da abertura de lojas de vestidos de noivas torna-se concreta. A cada pouco, uma é inaugurada na Rua São Caetano.
O tempo, se alonga tanto quanto seus devaneios. E como a ociosidade é o mais terrível instrumento do diabo, ele aproveita a “deixa” e começa a tecer os seus maléficos fios.
Rita se esmera cada vez mais, para acotovelar-se na janela, conforme a prática da época. E sonha com a possibilidade de conquistar um marido.
Ao entardecer, o homem maduro anuncia sua presença ao dobrar a esquina, quando uma repentina descarga d’água cai sobre seu pesado casaco exatamente no momento em que passa debaixo da janela da costureira.
Ele olha meio desconfiado para aquela figura dependurada, quase a lhe tocar.
Pousando-lhe um lânguido olhar, Rita Faz Fita diz:
- “O senhor me perdoe. Estava distraída trocando as flores, quando o vaso escorregou de minhas mãos.”
-“ Mas veja como estou?” Retrucou ele, escondendo parte do rosto.
- “O senhor não deseja enxugar-se?” Por favor, insiste ela, ao mesmo tempo em que se enrola nas fitas.
- “Não posso. Temo assustá-la.” Reforça timidamente, num tom de voz quase inaudível.
-“ É o mínimo que posso fazer para retratar minha desatenção.” Rita vira os olhos e faz fita. Não entende bem, o significado das palavras expressas por ele.
Ambos se confrontam à beira da porta de entrada da casa.
A luminosidade não favorece maiores detalhes. Rita alonga sua fita e seu corpo de maneira esquisita. O homem do sobretudo foge às regras da etiqueta, não tira o chapéu. Joga-o mais ainda sobre a face esquerda.
No momento em que a sala se ilumina, Rita quase perde a fita. O “seu” candidato a marido não tem rosto! Apenas um lado se configura como tal. Contudo, seu único olho brilha e enxerga muito bem.
Tudo fica claro como o dia!
-“A costureira não tem uma perna! Por isso vive pendurada na janela!” Conclui o sujeito que deixa escapar um sutil sorriso de cumplicidade.
Rita joga a fita do charme que aprendeu na escola da janela. Seu entusiasmo a faz esquecer por completo aquele pequeno detalhe de seu homem misterioso.
Com mãos delicadas, começa a enxugar o sobretudo do homem sisudo.