O SONHO DOS ESCRAVOS
DE HENRY WADSWORTH LONGFELLOW
L. C. Vinholes
27.10.2024
Voltei a manusear o exemplar da antologia Longfellow´s Poems (Poemas de Longfellow) que aguardavam meu lance final em um leilão dos tantos que, periodicamente, se realizam no Canadá, especialmente nas cidades próximas a Ottawa, onde residi por doze anos.
A publicação com capa de couro, cobrindo toda a superfície externa, tem título impresso em letras maiúsculas em ouro, com 304 páginas, medindo apenas 13 por 9,5 cm. É uma “edição de bolso” da Eyre & Spottiswoode, de Londres, sem data. Na primeira contracapa, escrita à mão, em caligrafia ilegível, lê-se, apenas, 1908.
Nas primeiras 26 páginas, minuciosa e atraente Introdução Biográfica dá a conhecer a vida do poeta antes de fazer contato com seus poemas. No início do texto, lembrando que Longfellow nasce nas vizinhanças de uma cidade portuária, introduz o poema My Lost Youth[i] – Minha Juventude Perdida.
I remember the black wharves and the slips,
And the sea-tides tossing free,
And Spanish sailors with bearded lips,
And the beauty and mystery of the ships,
And the magic of the sea
And the voices of that wayword song
Is singing and saying still:
A boy´s will is the wind´will,
And the thoughts of youth are long long thoughts.
Lembro-me dos ancoradouros e dos cais negros,
E das marés agitadas,
E dos marinheiros espanhóis com lábios barbudos,
E da beleza e mistério dos navios,
E da magia do mar
E das vozes daquela canção de passagem
Está cantando e ainda dizendo:
“A vontade de um menino é a vontade do vento,
E os pensamentos da juventude são pensamentos longos, longos.”
Os últimos parágrafos da Introdução Biográfica, a autora Eva Hope acredita que “alguns dos seus poemas poderão ser esquecidos; mas alguns, inclusive The Song of Hiawatha[ii] e Evangelina[iii] viverão enquanto a língua na qual foram escritos tiver vida, especialmente o escritor será lembrado com amor por todos os corações”. A Introdução termina com:
“He is dead, the sweet musician!
“He the sweetest of all singers,
He has gone from us for ever –
He has moved a little nearer
To the Master of all music,
To the Master of all singing!”
““Ele está morto, o doce músico!
Ele é o mais doce de todos os cantores,
Ele se foi de nós para sempre –
Ele ficou um pouco mais perto
Do Mestre de toda a música,
Do Mestre de todo canto!”
Henry Wadsworth Longfellow nasceu em Portland (1807) e falecido em Cambrifge (1882), nos Estados Unidos da América do Norte, foi o autor, dos conhecidos poemas Paul Reveres Ride, O Canto de Hiawatha (1855) e Evangelina (1847), e o primeiro estadunidense a traduzir A Divina Comédia de Dante Alighieri (1876). Foi amigo de Dom Pedro II, com quem se correspondia e esteve no Rio de Janeiro e Manaus na Expedição Thayer (1865-1866), em companhia de sua esposa, a estadunidense Elisabeth Cary, autora do relato A Journey in Brazil (1868). Notório adversário de Darwin, defendia o “pensamento criacionista cristão.” Recebeu o prêmio da Ordem do Mérito para as Artes e Ciência. Juntando a data de falecimento de Longfellow com a da dedicatória do exemplar da antologia encontrada no Canadá, permite que se afirme que ele, certamente, foi publicado nos últimos 18 anos do século XIX.
Complementando esse artigo segue o texto original do poema The Salve Dream, acompanhado da tradução para o português O Sonho dos Escravos, um dos poemas da série Poemas da escravidão (1824).
HENRY WADSWORTH LONGFELLOW
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HENRY WADSWORTH LONGFELLOW
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POEMS ON SLAVERY
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POEMAS SOBRE A ESCRAVIDÃO
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1842
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1842
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THE SLAVES DREAM
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O SONHO DOS ESCRAVOS
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Beside the ungathered rise he lay,
His sickle in his hand;
His breast was bare, his matted hair
Was buried in the sand.
Again, in the mist and shadow of sleep,
He saw his Native Land.
Wide through the landscape of his dreams
The lordly Niger flowed;
Beneath the palm-trees on the plain
Once more a king he strode;
And heard the tinkling caravans
Descend the mountain-road.
His saw once more his dark-eyed queen
Among her children stand;
They clasped his neek, they kissed his cheeks;
They held him by the hand -
A tear burst from the sleeper´s lids,
And fell into the sand.
And them at furious speed he roda
Along the Niger´s bank;
His bridle-reins were golden chains,
And, with a martial clank,
At each leap he could feel his scabbard of steel
Smiting his stallion´s flank.
Before him, like a blood-red flag,
The bright flamingoes flew;
From morn till night he followed their flight.
O´er plains where the tamarind grew,
Till he saw the roofs of Caffre[iv] huts,
And the ocean rose to view.
At night he heard the lion roar,
And the hyaens scream;
And the river-horse as he crushed the reads
Beside some hidden stream;
And it passed, like a glorious roll of drums,
Through the triumph of his dream.
The forests, with their myriad tongues,
Shouted of liberty;
And the Blast of the Desert cried aloud,
With a voice so wild and free,
That he started in his sleep and smiled
At their tempestuous glee.
He did not feel the driver´s whip,
Nor the burning heat of day;
For death had illumined the Land of Sleep,
And his lifeless body lay
A worn-out fetter, that the soul
Had broken and thrown away!
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Ao lado da elevação não colhida ele jazia,
Sua foice na mão;
Seu peito estava nu, seu cabelo emaranhado
Estava enterrado na areia.
Novamente, na névoa e na sombra do sono,
Ele viu sua Terra Nativa.
Ampla através da paisagem dos seus sonhos
O senhorial Níger fluía;
Abaixo das palmeiras na planície
Mais uma vez um rei ele caminhou;
E ouvimos as caravanas tilintando
Descendo a estrada da montanha.
Ele viu mais uma vez sua rainha de olhos escuros
Entre seus filhos estão;
Eles apertaram seu pescoço, eles beijaram suas bochechas;
Eles o seguraram pela mão -
Uma lágrima brotou das pálpebras do dorminhoco,
E caiu na areia.
E então em velocidade furiosa ele roda
Ao longo da margem do Níger;
Suas rédeas eram correntes de ouro,
E, com um barulho marcial,
A cada salto podia sentir sua bainha de aço
Atingindo o flanco de seu garanhão.
Diante dele como uma bandeira vermelho-sangue,
Os flamingos brilhantes voavam;
Da manhã até a noite ele seguiu seus voos.
Sobre as planícies onde o tamarindo crescia,
Até que ele viu os telhados das cabanas de Caffre,
E o oceano surgiu à vista.
À noite, ele ouviu o leão rugir,
E as hienas gritarem;
E o cavalo-do-rio enquanto ele esmagava as correntes
Ao lado de algum riacho escondido;
E ele passou, como um glorioso rufar de tambores,
Através do triunfo de seu sonho.
As florestas, com suas miríades de línguas,
Gritavam de liberdade;
E a Explosão do Deserto gritava alto,
Com uma voz tão selvagem e livre,
Que ele se assustou em seu sono e sorriu
Com sua alegria tempestuosa.
Ele não sentiu o chicote do condutor,
Nem o calor escaldante do dia;
Pois a morte iluminou a Terra do Sono,
E seu corpo sem vida jazia
Um grilhão desgastado, que a alma
Havia quebrado e jogado fora!
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[i] Minha Juventude Perdida consta das páginas 156 a 159, da antologia aqui apreciada.
[ii] O Canto de Hiawatha consta das páginas 160 a 249, da antologia aqui apreciada.
[iii] Evangelina, longo poema também conhecido por A tale of Acadie – O conto de Acadi, consta das páginas 95 a 159 da antologia aqui apreciada, e Acadi era território francês, em 1713 entregue à Grã-Bretanha passando a chamar-se Nova Escócia.
[iv] Segundo o Google, os colonizadores brancos africanos usavam a palavra Caffre referindo-se à região de maioria preta como de uma raça inferior de origem africana.
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