A CARTA QUE NUNCA MERECEU RESPOSTA
Timor-Leste era a meta
L. C.Vinholes
26.11.2024
Nota: por acaso, passeando pelas pastas da memória do meu velho computados, encontrei uma correspondência escrita há exatos 20 anos e 3 meses e que, até hoje, não mereceu reposta. O pedido que nela formulei era, apenas, o de colaboração para que o trabalho que eu desenvolvia, somado ao que desenvolveriam universitários paulista em benefício da juventude timorense, recém-liberta do jugo do colonialismo e do tratamento espúrio da ditadura do governo indonésio, iniciada em 1975 com apoio estadunidense, tivessem os mais positivos e significativos resultados. Mas desta vez, assim como outros momentos, parecia que um pedido pequeno e despretencioso poderia seriamente comprometer a quem lhe desse ouvidos. Não perdi tempo. Como nunca acreditei em milagres e sempre confiei na determinação sem limites de compartilhar o que, temporariamente, era meu, bati em outras protas que se abriram e foram parceiras exemplares, com resuiltados gratificantes.
Embaixador Jadiel Ferreira de Oliveira
Escritório de Representação do MRE em São Paulo
Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664
Memorial da América Latina
Barra Funda 01156-001 São Paulo, SP
eresp@memorial.org.br
Brasília, 5 de agosto de 2004.
Caro Embaixador,
Há algumas semanas, a caminho de Luanda e Maputo, li nos jornais e tomei conhecimento do seu interesse em incrementar o envolvimento dos universitários de São Paulo na tarefa de cooperar com os timorenses para que eles, jovens e adultos, venham a ter oportunidade de praticar e aperfeiçoar os conhecimentos e os saberes que tem do idioma português que voltaram a paticam desde 2002.
Estive em Díli, em abril de 2004, quando coordenei o Curso de Concepção e Elaboração de Projetos de Cooperação para o Desenvolvimento (CEProDe) para funcionários de instituições timorenses, funcionários indicados pelo Governo daquele país; e lá devo voltar em setembro de 2004 para coordenar o Curso de Análise e Enquadramento de Projetos de Cooperação Técnica Internacional (ProCTI-MAE). Estes cursos são implementados pela Agência Brasileira de Cooperação, do Ministério da Relaçõs Exteriores, com a promoção da Comunidade dos Países de Lingua Portuguesa (CPLP) e apoio do Ponto Focal de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores de Timor-Leste.
Na minha visita de abril, fiquei impressionado com a dedicação e o afinco com que os timorenses se entregam ao trabalho de recuperação do seu passado e da sua auto-estima. É marcante, também, a camaradagem entre eles, cooperando uns com os outros para superarem os diversos obstáculos que enfrentam. Isso se fez patente no momento das apresentações das tarefas que realizaram durante o CEProDe quando alguns dos apresentadores tinham dificuldade de expressão e eram acudidos pelos companheiros com maiores recursos de linguagem.
Tive oportunidade de conversar com participantes ligados à área da educação e ensino e notei o quanto necessitam do nosso apoio. Têm vontade, sabem dos objetivos a serem perseguidos e não poupam esforços, mas lhes faltam recursos básicos. O que mais me impressionou foram os relatos sobre a vida dos alunos das escolas primárias.
Na minha carreira de compositor** (isso talvez o amigo não saiba) dediquei-me exclusivamente à música de vanguarda, mas, por razões muito especiais, abri duas exceções: a) em 1962, escrevi a música para o Hino Escolar da Escola Ohtani, da Cidade de Suzu, na Província de Ishikawa, no Japão, com letra do poeta Iwamoto Shuzo. Foi o primeiro hino escolar composto por um estrangeiro. (Suzu foi a primeira cidade japonesa a celebrar laços de fraternidade com uma cidade brasileira, sendo “cidade irmã” de Pelotas, minha cidade natal); b) em 1969/70, quando lotado no Consulado-Geral em Assunção, organizei um coral misto de crianças que dirigi durante dois anos e que, em função do meu envolvimento com o Consulado de Pedro Juan Caballero, fui obrigado a entregá-lo à maestrina Edith Jimenez. Para este grupo de crianças compus algumas melodias singelas.
Depois de minha primeira visita a Dili, em abril deste ano (2004), comecei a pensar em uma forma de cooperar com a tarefa dos timorenses e dos seus amigos na reconstrução do País. E resolvi abrir uma nova exceção e criar algo para as escolas primárias do Timor-Leste. Durante as férias de 15 dias que acabo de gozar, escrevi a poesia que segue em anexo e compus a música que em breve estará em pauta. É uma canção, com estribilho e estrofes, a capella, para coro misto de meninos e meninas
Caro Embaixador,
Senti-me na obrigação de informá-lo do que estou planejando por saber da sua genuína vontade de trabalhar pelos timorenses. Quando estiver novamente em Díli, provavelmente entre 12 e 18 de setembro próximo, pretendo visitar duas ou três escolas e ensinar aos seus alunos a cantar a melodia que escrevi para Meu Timor-Leste. Estou seguro de que, assim como aconteceu em Suzu, logo os pais, parentes e amigos dos alunos aprenderão a melodia e serão os novos intérpretes desta modesta contribuição, por ser uma melodia simples e alegre, fácil de aprender.
Não sei se seria possível, por seu intermédio, contactar a pessoa responsável pelo grupo de universitário paulistas que estarão no Timor-Leste, e com ela examinar a possibilidade de utilizar Meu Timor-Leste nas atividades que venham a desenvolver naquele País.
Creio que Meu Timor-Leste, além de permitir a prática da língua portuguesa, pode colaborar para o fortalecimento da auto-estima dos timorenses que nele encontrarem alguma razão de apreço.
Com bastante antecedência, provavelmente até o final de agosto, pretendo entrar em contato com os participantes do CEProDe para dar-lhes a conhecer esta minha pretensão de colaboração.
Desculpe a longa mensagem.
Aceite o meu abraço fraterno.
L. C. Vinholes
Para não ficar incompleta a informação que ora deixo à disposição dos leitores, a seguir reproduzo a letra da canção de 24/8/2004, referida no parágrafo sexto da minha carta ao Chefe do Escritório de Representação do MRE em São Paulo.
Meu Timor-Leste
As ondas do mar azuis
Imenso nosso horizonte,
O céu é cheio de estrelas
As águas brotam da fonte.
Timor-Leste, Timor-Leste
Timor-Leste meu País,
Timor-Leste, Timor-Leste
É aqui que sou feliz.
Olhando o verde das matas
Eu vejo nossa riqueza,
Ouvindo o canto dos pássaros
Me encanto com sua beleza.
Pensando no meu futuro
Me sinto forte e capaz.
No dia a dia da vida
Eu quero amor e paz.
Recordando a nossa história
Eu tenho orgulho e prazer,
O povo da minha terra
É cumpridor do dever.
Aqueles com quem eu vivo
São filhos deste torrão,
Sonhamos o mesmo sonho
Temos um só coração.
A nossa escola é o mundo
A nossa casa o abrigo,
Abrimos os nossos braços
P’ra receber o amigo.
Estudamos com afinco
E muita dedicação,
Nós seremos algum dia
Orgulho desta Nação.
**Bibliografia:
NEVES José Maria - Música Contemporânea Brasileira. São Paulo. Ricordi Brasileira, 1981, 1a. Edição, pág. 186.
ELLMERICH Luis - História da Música. São Paulo. Fermata, 1977. 4a. Edição, pág.190.
MARIZ Vasco - Historia de la música en el Brasil. Lima, Peru. Centro de Estudios Brasileños, 1985. 1a. Edición, pág. 307.
MARIZ Vasco - História da Música no Brasil. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 2000.
Enciclopédia da Música Brasileira: erudita folclórica popular. O-Z Apêndices. Art Editora Ltda, São Paulo, 1977.
Internacional Who’ s Who in Music, London, 1977
Dictionary of International Biography, London, 1978.
Marquis Who’ Who, Chicago, Illinois, 4th edition 1978/79.
MAIA Mario de Souza - Serialismo, Tempo-Espaço e Aleatoriedade: a obra do compositor Luiz Carlos Lessa Vinholes. Tese de mestrado do Curso de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da PUCRS. Tese, Porto Alegre (RS), 1999.
Petri Ariane - Obras de Compositores Brasileiros para Fagote Solo - Partituras - Dissertação de Mestrado. Mestrado em Música Brasileira. Programa de Pós-Graduação. UNI-RIO (dezembro 1999).
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