RECOMENDAÇÕES PARA ESCONDER ESCÂNDALOS
L. C. Vinholes
25.12.2024
O povo brasileiro, na sua maioria, está esperançoso de entrar em 2025 respaldado por medidas discutidas e aprovadas pela Câmara e pelo Senado, mas, ao mesmo tempo, continua preocupado com o que pode acontecer, de uma hora para outra, graças às espúrias habilidades daqueles que, sem escrúpulo e moral, preferem ver o barco pegar fogo. Nos dias de hoje, a insegurança não é só no Brasil, mas aconteceu no passado e acontece hoje em todos os cantos do planeta. Os veículos de informação e as facilidades técnicas disponíveis para grande parte da população mundial dispensam-me de relacionar, de citar nomes e de comentar eventos escabrosos.
No momento as notícias do rádio e da televisão informam que um juiz porreta do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a tramitação de dezenas de “emendas parlamentares” inconsistentes e irregulares, movimentando mais de 4 bilhões de reais.
Transtorno de acumulação compulsiva
Acho que uma das enfermidades mais singulares me afetou durante a vida e me afeta ainda nos dias de hoje. Essa enfermidade é conhecida por Síndrome de Diógenes e, na maior parte das vezes, é o “transtorno de acumulação compulsiva”, seguida por “muita dificuldade em descartar e se desfazer de posses”. Não acredito que esse diagnóstico possa ser aplicado no meu caso, pois nunca me senti dono de coisa alguma e sempre me considerei “depositário fiel temporário” daquilo que, durante décadas amealhei e esteve sob minha guarda. Há muito, levado pelo que sempre pensei fazer, pouco a pouco entreguei tudo que possuía aos acervos do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo e à Discoteca do Centro de Artes, ambos da Universidade Federal de Pelotas (UFPel); ao Museu do Colégio Municipal Pelotense; à Casa das Rosas de São Paulo; à Fundação H. J. Koellreutter, da Universidade Federal de São João Del Rei, e à Biblioteca Comunitária do Condomínio Mansões Entre Lagos, de Sobradinho (DF). Produzidas no Brasil, minhas doações tem origem em países do Oriente, da Europa, das Américas e da África, incluindo pinturas, xilogravuras, gravuras em metal, desenhos, colagens, cerâmicas, esculturas, mapas, antologias, manuscritos, publicações diversas, folhetos, cartas, cartões, convites, cartazes, programas de eventos de poesias, documentos pessoais, partituras, objetos de arte decorativa, pedras, instrumentos musicais, discos, equipamentos de som, totalizando mais de 3.000 itens, recebidos ou adquiridos por décadas de escassos recursos.
Aragaki e a Coluna Voz Populi, Vox Dei
Por um golpe do destino, em dezembro, mês no qual foram aprovados os documentos indispensáveis para à futura governança do Brasil, encontrei nos meus guardados e tenho em mãos recorte da conceituada coluna Vox Populi, Vox Dei, do jornal Asahi Evening News, de Tokyo, com texto escrito em 16 de maio de 1979 e publicado em 17 do mesmo mês e ano. A coluna traz o artigo How to hide scandals, Como esconder escândalos, “tratando de manobras escusas entre figuras de destaque da Agência de Defesa do Japão”. Seu autor é o jornalista Aragaki, um dos mais severos críticos da imprensa japonesa da década de 1970, amigo do arquiteto brasileiro Takeshi Suzuki, autor do projeto do Consulado-Geral do Japão em São Paulo. Em 1979, coincidentemente, Takeshi Suzuki e eu estivemos em Tokyo.
Os desmandos de parte dos políticos japoneses daquela época, descritos por Aragaki, muito tem a ver com o praticado por políticos brasileiros de hoje. Essa semelhança das antípodas faz com que o recorte por mim guardado não seja uma peça resultante de “transtorno de acumulação compulsiva”, mas um objeto interessante, qualificado e oportuno.
A propina de 100.000.000 de ienes[i] mensais
Segundo consta do recorte, o Diretor-Geral da Agência de Defesa japonesa teria, por cinco anos recebido da companhia Nissho Iwai Co. 100 milhões de ienes, quando envolvido na concorrência da venda do segundo exemplar do caça a jato FX. O político negociante teria “secretamente aceito um total de 500 milhões e não informado que o dinheiro era para fundos políticos”. A justificativa foi que “o dinheiro era pura contribuição”. Segundo a mesma fonte, “os promotores não conseguiram indiciar nenhum político por receber propina”.
Aragaki não foi apenas um dos mais severos crítico do seu tempo reconhecendo que esse “último escândalo nos ensinou lições valiosas sobre como esconder escândalos”. Terminou seu artigo redigindo uma bula de dez mandamentos que, em tradução livre, disponibilizo a quem tiver curiosidade de saber o que são os dez conselhos de “como esconder escândalos”:
01 -É preciso ter em mente o aviso de um ex-primeiro-ministro de que "filtragem" inadequada resulta em escândalos envolvendo fundos políticos. Para fazer dinheiro sujo parecer limpo, o filtro deve ser cuidadosamente verificado.
2 - Se alguém for suspeito, deve repetir: "Não sei nada sobre o assunto" e, às vezes, recorrer à violência contra os companheiros, reforçando assim a impressão de que os meios de comunicação de massa são os culpados por fazerem tanto alarde sobre o assunto.
3 - Mesmo que os funcionários de uma empresa de negociação sejam convocados perante a Dieta e presos, os políticos devem agir como se o assunto não os preocupasse e assumir a posição de que os políticos estão fora da jurisdição ordinária. Eles devem informar ao povo que o direito especial daqueles que são meramente suspeitos de serem negligenciados é aplicável somente aos políticos.
4 - Os políticos, seus secretários e outras pessoas ligadas a escândalos devem preparar com antecedência o hospital em que serão internados e o nome da doença que anunciarão quando forem encurralados.
5 - Mesmo que fique demonstrado conclusivamente que receberam grandes somas de dinheiro, eles devem anotar o que foi dito, mas devem repetir que são "puros" e "inocentes".
6 - Eles devem rir de qualquer tentativa de autocrítica dentro do partido e apelos pela reforma da estrutura de dinheiro-poder da política como argumentos adequados para estudantes. Eles devem se opor com todas as suas forças ao pensamento perigoso de que o poder investigativo da Dieta deve ser fortalecido.
7 - Eles também devem se opor a qualquer revisão da Lei de Controle de Fundos Políticos que aboliria as contribuições políticas de empresas e que forçaria os políticos individuais a revelar suas rendas e despesas.
8 - Devem ignorar a opinião pública que pede que o prazo estipulado no estatuto de limitações em caso de suborno seja estendido de três para dez anos.
09 - Para que os promotores não ataquem a corrupção nos círculos políticos, eles não devem concordar de forma alguma com qualquer aumento no número de investigadores.
10 - Eles não devem negligenciar a tomada de medidas que aumentem o número de politicamente apáticos que não ficam
irritados e surpresos, não importa quantos escândalos ocorram.
[i] Em 1979 ¥100 milhões de ienes equivalia a US$555.000 e ¥500 milhões de ienes valia US$2.778.000.
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