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Artigos-->LEITURA COLETIVA DE PARTITURAS DE VENTO FOLHA E RUA SOL -- 05/01/2025 - 12:28 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

LEITURA COLETIVA

DE PARTITURAS DE VENTO FOLHA E RUA SOL

L. C. Vinholes

04.01.2025

 

Em medos de 2007, colaborando com a professora Lilia de Oliveira Rosa que redigia sua monografia sobre o processo de indeterminação em minhas obras, especialmente nas peças Tempo-Espaço XIII e XV (1978), ofereci comentários sobre o trabalho que realizei com os poemas “vento /folha”, de Pedro Xisto (1901-1987), e “rua/sol”, de Ronaldo Azeredo (1937-2006), comentários que, agora, revistos, disponibilizo aos que possam por eles ter interesse.

 

O poema “vento/folha”

 

Pedro Xisto criou o poema concreto com as palavras vento e folha lado a lado intercaladas, usando minúsculas e destacando apenas o vocábulo folha em negrito:

 

ventoventoventoventovento

ventofolhaventofolhavento

folhaventofolhaventofolha

ventofolhaventofolhavento

folhaventofolhaventofolha

ventofolhaventofolhavento

folhaventofolhaventofolha

folhafolhafolhafolhafolha

 

Este poema com oito linhas foi publicado na antologia haikais & concretos (1960), da Livraria Martins Editora de São Paulo. O texto tem as seguintes características: são 8 linhas paralelas, com a palavra vento repetida 5 vezes na 1ª linha e a palavra folha também presente 5 vezes na 8ª linha; na 2ª, 4ª e 6ª linhas a palavra vento aparece 3 vezes intercalada pela palavra folha 2 vezes; na 3ª, 5ª e 7ª linhas a palavra folha aparece 3 vezes intercalada com a palavra vento 2 vezes; e nas 8 vento e folha aparecem 15 vezes. Note-se que as linhas permitem serem lidas de trás para diante, em “caranguejo”[i] sem que mude sua estrutura linear. Esta estrutura do poema mostra que no seu início há apenas vento e que no seu final somente folhas. A eventual leitura vertical das colunas formadas pelas duas palavras, mostra também que há predominância de vento no início da leitura e de folha no seu final. Sem vento ou quando o vento para, as folhas caídas ficam no chão.

Leitura coletiva

 

Convidado pelo poeta Tatsu Okunari (142-2015), líder do Grupo Shinjinryugaku (Nova antropologia), para participar da reunião/evento programado para 19.12.1961, no espaçoso auditório do Hibiya Mistui Hall, em Tokyo, decidi aproveitar a ocasião para continuar a mostrar aos amigos poetas japoneses maneiras de utilização de textos poéticos. Foi com este intuito e visando, mediante a utilização de vozes, que decidi explorar a movimentação sugerida na disposição das palavras que compõem este poema e que preparei o que, por apresentar afinidade com a linguagem da escrita musical, se pode chamar de “partitura”. Com a participação entusiasmada de centenas de pessoas, ficou demonstrada a possibilidade de leitura coletiva de determinados textos (concretos), Além do texto de “vento/folha” utilizei também o do poema “rua/sol” de Ronaldo Azeredo. Inicialmente, dividi a plateia em dois grupos e depois em quatro e apoiei a leitura “regendo” a entrada de cada grupo, tendo como resultado formal algo que se assemelhava com a estrutura contrapontística de um “cânone”[ii]. Nem mesmo a dificuldade dos japoneses em pronunciar com clareza as palavras com sílabas iniciadas com a letra “v”, sempre foneticamente por eles substituída pela letra “b”, e nem mesmo a sílaba final de folha com duas consoantes, estrutura inexistente no painel fonético das sílabas do idioma japonês[iii], foram empecilho à boa realização da experiência. Dado o entusiasmo da platéia, sugeri - e foi imediatamente aceito -, retomar a leitura da primeira “partitura” fazendo a tradução das palavras vento e folha para o japonês 風 = “kaze” e 葉 = “ha”, respectivamente. O resultado foi igualmente gratificante, notando-se, apenas, que o fonema “ha” resultava auditivamente mais forte do que o de “kaze”. A visão de uma paisagem de outono onde o vento promove o baile das folhas e as leva ao repouso junto ao solo ficou clara para os que apreciaram o texto do poema, assim como Pedro Xisto escreveu e assim como tornei possível mediante leitura coletiva. Cheguei a imaginar que estava sendo pintada uma paisagem com sons. Não pode ser deixado sem registro o fato de que os diferentes timbres de vozes (masculinas e/ou femininas) da plateia, a intensidade na emissão das sílabas, decorrente de maior ou menor entusiasmo dos participantes, dava, à cada vez que se usava a “partitura” um “colorido” diferente. A novidade da leitura coletiva de texto por uma plateia que não fora adrede preparada, foi motivo de comentário do poeta Fukao Sugai na revista Josai nº 11 (março/1962), p. 81 e seguintes, no artigo “Zenenshi to sono shijintati” (Poesia Zen e seus poetas).

 

A partitura de “vento/folha

 

Para visualmente simplificar e, assim, facilitar para a plateia japonesa a leitura do poema “vento/folha”, criei uma “partitura” com a abreviação dos Vs e Fs maiúsculos e espaçamento entre as linhas, conforme reproduzo a seguir, o que, surpreendendo-a todos, resultou eficiente e gratificante:

 

               V  V  V  V  V

 

               V  F  V  F  V

 

             F  V  F  V  F

 

               V  F  V  F  V

 

               F  V  F  V  F

 

                V  F  V  F  V

 

F  V  F  V  F

 

F  F  F  F  F

 

 

O poema “rua/sol”

A outra experiência foi com o poema ‘rua/sol” de Ronaldo Azevedo, poeta que participou da I Exposição Nacional de Arte Concreta no Museu de Arte Moderna de São Paulo (1956) e no saguão do Ministério da Educação no Rio de Janeiro (1957).  Também em 1956, lançou a antologia Mínimo Múltiplo Comum e seus poemas figuraram da publicação organizada pelo Serviço de Propaganda e Expansão Comercial da Embaixada do Brasil em Lisboa (1962). Azeredo é autor dos livros Panagens (1975), Labirintexto (1976), Armar (1977), Sonhos Dourados (1982) e Noite Noite Noite (1990), entre outros.

 

 

r u a r u a r u a s o l

r u a r u a s o l r u a

r u a s o l r u a r u a

s o l r u a r u a r u a

r u a r u a r u a s

 

Este poema foi publicado pela primeira vez na revista Noigandres Nº 4, e, novamente, no Nº 5 da mesma revista e com ele promovi, com o público de Tokyo, a “leitura” das suas cinco linhas nas quais predomina a palavra rua (14 vezes no singular e uma vez no plural) vis-à-vis a palavra sol, presente apenas 4 vezes. Dividi o público em quatro grupos que começavam a “ler” independentemente um dos outros. No final da “leitura”, os grupos repetiam a palavra ruas o quanto quisessem ou até que lhes fosse dado um sinal para parar. Parecia que fora criado um mini filme de um lugar qualquer onde, no início, o sol iluminava as ruas e que, no final, faltando o sol, ficavam apenas as ruas, no escuro. Convém notar que, desde o início do poema, como prenúncio do final, na primeira, segunda e terceira linhas bem como na passagem da terceira para a quarta linha, surge a palavra rua no plural, quando na junção de si mesma com a primeira letra de sol. O curioso é que comparando com o modo como terminava a “leitura” da partitura de “vento/folha” o de “rua/sol” entusiasmava mais os participantes que davam mais potência às suas vozes. Registre-se que, assim como em “vento/folha”, nenhuma orientação foi dada ao público quanto à intensidade, agógica, etc. O público agindo espontaneamente criou muita coisa, mais do que o esperado.

 

 

[i] Em música, na técnica do contraponto, usa-se a expressão caranguejo quando se toca uma melodia ou frase musical de fim para o princípio.

[ii] Cânone ou cânon é um gênero musical em que uma mesma melodia é tocada ou cantada por vozes diferentes com uma defasagem temporal, sobrepondo as vozes e gerando uma polifonia.

[iii] \no japonês romanizado existem apenas as sílabas Tsu. Shi e chi (lê-se ti).

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