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Artigos-->MESA REDONDA SOBRE POESIA BRASIL-JAPÃO -- 12/01/2025 - 19:13 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

MESA REDONDA SOBRE POESIA BRASIL-JAPÃO[i]

COM MUKAI E HABARA

L. C. Vinholes

12.01.2025

No âmbito do programa da viagem ao Japão, em setembro de 2013, além das atividades na cidade de Suzu e da passagem por Nagasaki, com visita à galeria permanente de obras do singular artista japonês Kaoru Kubota, foi extremamente gratificante o encontro com estudantes do Departamento de Ciências do Desenho da Universidade Musashino, em Tokyo, interessados nos aspectos visuais da poesia da segunda metade do século XX bem como com poetas de vanguarda, dentre os quais cumpre lembrar Hitoshi Kanazawa, Misako Yarita, e com docentes da referida universidade: Akiyo Kobayashi, diretor do referido departamento, e Michiyo Honjo, diretora administrativa do museu e da biblioteca da universidade.

 

O encontro aconteceu em 27 daquele mês, por ocasião da mesa redonda sobre o tema A Poesia Concreta Brasil-Japão da qual participei ao lado dos poetas Shutaro Mukai[ii] e Shukuro Habara[iii], este também como moderador. Na sala repleta, o público estava frente a frente com a parede que servia de fundo aos panelistas, decorada com cinco painéis de 127,5cm na vertical e 35,2cm na horizontal, na forma de “kakemono”[iv], com poemas escritos com a caprichada caligrafia de Habara, tendo o preto da tinta da China 墨 (sumi) sobre o branco característico do papel artesanal japonês 和紙 (washi).

 

Quando entrei na sala do evento fiquei surpreso ao ver meu poema “Suzu no hanataba” (Ramalhete de Suzu) ao lado não só de outros dois poemas resultantes da minha experiência concretista, mas também acompanhando os dois poemas concretos de Mukai. O ramalhete certamente mereceu ser lembrado pelo simples fato de que seus versos sempre terem chamado a atenção dos leitores japoneses pelo ritmo repetitivo e mágico de sua métrica simples e cadenciada e por criarem uma espécie de rima, algo comum na poesia ocidental, mas desconhecido da poesia japonesa.

 

Poemas de Mukai: Kyoku e Ki no hoshi za.

 

O primeiro poema é formado por seis repetições, na vertical, do ideograma 曲 (kyoku = ãよã), melodia/curva, sem data, tendo à direita de cada uma das repetições sua leitura anotada no alfabeto fonético “hiragana”. À direita destas, à margem direita e na vertical, a seguinte sequência:

 

å‘井 周太郎 曲譜 notes of the music 曲 [kyoku] = ãよã [kyoku]= music, curve

ideogramas do nome do autor å‘井 周太郎 (Mukai Shutaro) e do título da obra 曲譜 (kyokufu) composição musical-partitura, escrito com os ideogramas 曲 (kyoku), melodia/curva e è­œ (fu), papel pautado-notas, com sua tradução para o inglês “notes of the music”[v] e, finalmente, o ideograma 曲 com a leitura em japonês romanizada entre [ ] seguida da leitura em “hiragana” também com a leitura romanizada entre [ ], concluindo com a versão em inglês: music, curve[vi].

  

                                               曲

                                                曲

                                                曲

                                                曲

                                                曲

                                                曲

 

Ki no hoshi za, de 1968, com os ideogramas  木 (ki),  æ (hayashi) e 森 (mori), respectivamente árvore, bosque e mata, tendo o ideograma 森, repetido dezesseis vezes, divididas em quatro linhas de quatro ideogramas para criar um agrupamento, uma constelação – “a constalation” como certamente diria Eugen Gomringer -, e os outros dois, 木 e æ alternados, definindo pontos externos, vegetação menos densa do que o aglomerado de dezesseis “mori”, cada um deles formado pelo de ideograma 木 repetido três vezes. Por sua vez, o poema em si parece ser uma grande estrela de oito pontas formas por quatro ideogramas de 木 e quatro de æ.

 

 

   木             æ              æœ¨

 

森   森   森   森

 

森   森   森   森

    æ                             æ

森   森   森   森

 

森   森   森   森

 

   æœ¨                æ              æœ¨

                       

O título do poema 木 㮠星 座 (Constelação de Árvores) é formado pelos ideogramas de árvore 木 (ki), estrela 星 (hoshi) e 座 (za), os dois primeiros ligados pela palavra ã®, correspondente à preposição “de” na língua portuguesa. O ideograma 座 se traduz por assento, cadeira, banco, lugar do assento que com outros ideogramas forma palavras que fazem referência não só ao lugar onde se senta, mas também a locais onde se fica, onde se permanece sentado, onde há aglomeração, reunião de coisas. Exemplificando: almofada 座布団 (zabuton), assento 座席 (zaseki), reunião em mesa redonda 座談会 (zadankai), conta poupança å£åº§  (koza). 星 座 é constelação, o lugar onde estão reunidas as estrelas, ou, no caso do poema de Mukai, as árvores.

Por outro lado, o poema Constelação de Árvores, utilizando, como elemento básico, o ideograma árvore 木, reproduzido nos seus três componentes, parece sugerir uma “leitura de imagem” mostrando, da sua periferia para o núcleo um adensamento do seu corpo e de dentro para fora sua rarefação. O autor que conhece o problema do Brasil e que estudou na Alemanha sabe o que acontece na Amazônia com o desmatamento exploratório e o que resultou na Alemanha em decorrência principalmente do bombardeio e consequentes incêndios da Segunda Guerra Mundial apagando o cartão postal da Floresta Negra. Esse comportamento ocidental foi repetido no Vietnam, no delta do Rio Mekong, com o desfolhar das matas pelo uso do “agente laranja” causador da “Yellow rain”, a chuva Amarela; e no Canadá com o corte desenfreado das florestas em áreas da Província de Colômbia Britânica, na costa do oceano ironicamente chamado de Pacífico.

Nos restantes três painéis que ornavam o evento figuravam, também com a caligrafia de Habara, meus poemas caminhos..., kagenai monokage[vii] e Suzu no hanataba.

 

caminhos

caminho

caminhos

 

Caminhos ... foi criado em 07.11.1957 e exibido na exposição Poesia Concreta Brasileira, no Museu de Arte Moderna de Tokyo, entre 16 e 24.04.1960. Exposição repetida na Biblioteca Morisset e no Pavilhão Simard da Universidade de Ottawa de 04.11 a 02.12.1983, na Biblioteca Roberts da Universidade de Toronto (janeiro de 1985); e na VIII Exposição do Grupo T Zokei, na Galeria Mainichi de 01 a 06.10.1962, em Osaka, com planejamento gráfico de arquiteto Manoel Kosciuszko Corrêa. Foi também publicado pela editora Shin Nippaku, de Tokyo, em cartão postal, em dezembro de 1960; na revista Info Japan Pass-Present-Future, Vol. VI, nº6, p.22, número especial de junho de 1960, com verbetes do vocabulário em inglês e fotografias da mostra de Tokyo; acompanhado por versão-guia em japonês, no Boletim  da Associação Amigos da Espanha, da Casa da Espanha, em 01.07.1960; na  revista de cultura Diálogo n°13, p.64, da Sociedade Cultural Nova Crítica, de São Paulo, em dezembro de 1960; na revista Niigata-ken no Shi (Poesia da Província de Niigata), Japão, n°1, p.7, em 05.05.1963, no bojo do artigo de Kurata Takao  Anotações de uma Visita ao Grupo Poesia Jovem. Em Tokyo, figurou ainda da Antologia de Poesia Concreta Brasileira publicada pela revista mensal Design nº27, p.28, de dezembro de 1961, com layout de parceria com o arquiteto Alex Nicolaeff e no ensaio Poesia Concreta e seus Poetas, de Fukao Sugai, publicado na revista mensal Josai nº 11, p.83, de 30,03,1962.

O poema seguinte é kagenai monokage, escrito e publicado em setembro de 1960 na revista EM e em dezembro de 1961 na Antologia de Poesia Concreta Brasileira da revista Design, acima citada.

                                                                                                                                                     ã‹ã’ãªã„ ã‚‚ã®ã‹ã’

                                                                                                                                       ã‹ã’ãªã„ ã‚‚ã®ãªã„

 

ã„ã‚ãªã„ ã‚‚ã®ã„ã‚

ã„ã‚ãªã„ ã‚‚ã®ãªã„

 

ã‹ã’ãªã„ã„ã‚

ã„ã‚ãªã„ã‹ã’

 

Romanizando, a leitura deste poema é como segue:

 

kagenai  mono kage

kagenai  mononai

 

ironai  monoiro

ironai  mononai

 

kagenaiiro

ironaikage

 

O minúsculo vocabulário nele utilizado consiste das palavras kage = sombra, nai = sem/não tem, mono = coisa e iro = cor.

A versão em português seria:

 

sem  sombra   coisa sombra

sem  sombra   sem  coisa

 

sem  cor   coisa  cor

sem  cor   sem  coisa

 

sombra   sem cor

cor   sem sombra

 

Finalmente o poema que motivou este artigo Suzu no hanataba foi escrito em 26.07.1962, em homenagem à cidade de Suzu, situada na Península de Noto, Província de Ishikawa, Japão, cidade irmã de Pelotas (RS), primeiras entre o Brasil e o Japão a formalizar laços de fraternidade em setembro de 1963. A seguir este poema é apresentado no original em japonês, tendo no centro da página a romanização da sua leitura e, no lado direito, a tradução para o português.

 

                                                     ç æ´²ã®èŠ±æŸ         Suzu no Hanataba          Ramalhete de Suzu

                       ç æ´²ã®æµ·                 suzu no umi                                                                   mar de suzu

                                                              ç æ´²ã®å±±                 suzu no yama                                                    montanha de suzu

                                                             ç æ´²ã®å¤œ                 suzu no yoru                                                              noite de suzu

                                                             ç æ´²ã®æ´ž                 suzu no hora                                                               gruta de suzu

 

                    ç æ´²ã®æœ                 suzu no asa                                                               manhã de suzu

                                                            ç æ´²ã®ç ‚                 suzu no suna                                                               areia de suzu

                                                            夜ã®ç æ´²                                           yoru no suzu                            suzu à noite

                                                            ç æ´²ã®å²©                 suzu no iwa                                                            rochedo de suzu

 

                  ç æ´²ã®è°·                 suzu no tani                                                              vale de suzu

                                                         ç æ´²ã®å·                 suzu no kawa                                                              rio de suzu

                                                         ç æ´²ã®é³¥                 suzu no tori                                                         pássaro de suzu

                                                         ç æ´²ã®ç©º                 suzu no sora                                                                    céu de suzu

 

                ç æ´²ã®æœ¨                 suzu no ki                                                                  árvore de suzu

                                                       ç æ´²ã®è‘‰                 suzu no ha                                                                    folha de suzu

                                                       ç æ´²ã®                  suzu no tane                                                                grãos de suzu

 

                ç æ´²ã®é¢¨                 suzu no kaze                                                             vento de suzu

                                                        ç æ´²ã®å¯º                 suzu no tera                                                            templo de suzu

                                                        ç æ´²ã®é˜                 suzu no kane                                                                sino de suzu

                                                        ç æ´²ã®æ­Œ                 suzu no uta                                                                canto de suzu

 

            ç æ´²ã®å³°                 suzu no mine                                                         cume de suzu

                                                   ç æ´²ã®ç·‘                 suzu no ao                                                                  verde de suzu

                                                   ç æ´²ã®å±‹æ ¹               suzu no yane                                                           telhado de suzu

                                                  ç æ´²ã®å­¦æ ¡               suzu no gakko                                                      escola de suzu

 

        ç æ´²ã®å¤ªé¼“               suzu no taiko                                                          tambor de suzu

                                                ç æ´²ã®å¤§è°·               suzu no Ohtani                                                    Ohtani de suzu

                                                ç æ´²ã®å­ã‚‰               suzu no kora                                                          crianças de suzu

 

Suzu o hamataba foi publicado no catálogo Noto Hanto no Tabi (Viagem pela Península de Noto), em 1963; na revista Design nº 44, p. 32, de março do mesmo ano; em 20.09.1965 na revista ASA nº 1, da Associação para Estudos da Arte, dirigida pelo poeta Seiichi Niikuni (1925-1977), revista dedicada à poesia de vanguarda que marcou os diferentes movimentos da segunda metade do século XX: no Japão com o espacialismo, no Brasil com a poesia concreta e na França com o produção dos poetas que subscreveram o manifesto do Comité Internationele pour la poesie nouvelle[viii] liderado por Pierre Garnier (1828-2014); e, finalmente, no convite da exposição realizada na Galeria Yoseido, em Tokyo, inaugurada em 28.03.1966, com obras do pintor Soroku Wani[ix].

 

Na primeira quinze de maio de 2014 os “kakemonos” aqui comentados foram doados ao Centro de Referência Haroldo de Campos[x] em São Paulo, onde se encontra a maior parte do acervo que pertenceu ao poeta do concretismo.

Chegando ao término deste texto dou-me conta de que nada foi dito sobre as apresentações e os diálogos ocorridos durante a mesa redonda, sem dúvida objeto para ser lembrado em outro momento.

 

 

 

[i] Disponível no sítio desde 9 de junho de 2014.

[ii] Mukai Shutaro designer e poeta, que após cursar a Universidade Waseda, em Tokyo, formou-se em designe pela Escola de Desenho em Ulm, Alemanha, onde foi aluno de Max Bense; posteriormente frequentando o Instituto de Desenho Industrial da Universidade de Hanover. Regressando ao Japão em 1967, criou o Departamento de Ciência do Desenho da Universidade Musashino e, em 2003, depois de presidir o referido departamento, foi nomeado Professor Emérito. Autor de poesia concreta e livros sobre desenho e poesia dentre os quais The Origin of Desing e The Poetics of Form. Foi membro da Associação para Estudos da Arte (ASA), criada em 1965 pelo poeta Seiichi Niikuni.

[iii] Habara Shukuro, designer e poeta, sempre se interessou pela poesia de vanguarda e a ele se deve a publicação das antologias homônimas Poesia Concreta Brasileira nas revistas Design nº 27 de 1961 e Graphic Design nº 18 de 1965.  Introduziu na revista japonesa “SD” (1964-1985), dedicada à arquitetura, à arte e ao design, o método tipográfico “mobile grid” de Karl Gerstner. Divulga grande parte de suas poesias em formato de cartão postal.

[iv] “Kakemono”, literalmente, coisa para dependurar, é uma peça de papel ou pano, geralmente mais longa na vertical do que na horizontal, na qual é pintada paisagem, flores, textos religiosos ou poéticos e caligrafias aprimoradas. Guarda-se formando um rolo, dai o termo inglês “scroll” comumente usado. Como ornamento é dependurado na parede do “tokonoma”, área nobre da sala japonesa.

[v] “notes of music” ou “musical notation” (composição musical).

[vi] Um exemplo do uso do ideograma 曲 com semântica “curva” na formação de palavras é  æ›²ç·š (kyokusen), que significa “linha curva”.

[vii] A sílaba “ge” em japonês é lida como “gue” em gueto.

[viii] Comitê Internacional para a Poesia Nova visando à promoção da “poesia nova”, a poesia “espacial” (poesia concreta, fonética, objetiva, visual, fônica, cibernética, serial e permutacional), com participação de poetas da Alemanha, Holanda, Bélgica, França e Japão (Kitasono Katsue, Shimizu Toshihiko e L.C. Vinholes).

[ix] Soroku Wani (1932- ) formado pela Universidade de Artes de Tokyo foi membro da Sociedade Internacional de Artes Plásticas e Áudio Visuais (ISPAA), com sede em Osaka, Japão, expos nas mostras da ISPAA no Japão, Malásia, Singapura, Hong-Kong, Austrália e Formosa e nas individuais em Tokyo, de 1959-1975. Participou da VI Exposição Internacional da ISPAA, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (1968) e expôs na André Galeria de Arte, de 3 a 10.08.1976.

[x] Centro de Referência Haroldo de Campos, Casa das Rosas, Av. Paulista, nº 37, CEP 01311-902.

 

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