Há cerca de 15 ou 20 anos, deparávamos com a resistência de alguns pais quanto à presença da televisão em suas casas. Conseguiam ainda "driblar" a vontade dos filhos, não só argumentando sobre os aspectos nocivos, como também mantendo as atividades até então existentes enquanto lazer ou seja, lia-se, conversava-se, fazia-se lição etc..
Atualmente, isto não é mais possível. Digo isto baseada na observação de muitos casais, que intencionavam manter o ponto de vista, lutaram, debateram-se e depois capitularam; não nego que possa ainda haver exceções, com declarações peremptórias: "...na minha casa não entra..." As minhas pontuações são voltadas à maioria que, cedo ou tarde, aprovando inteiramente ou não, passaram a conviver com este tipo de comunicação. Feita esta ressalva, partindo portanto para a generalização, como conviver com este aparelho?
Fazendo uso das palavras comunicação (tornar comum) e conviver
( viver com), podemos refletir sobre alguns pontos:
- Devem os pais fazer lição de casa com os filhos?
Não, pois é tarefa deles, enquanto alunos. No entanto, estar junto, dividir a alegria quando chegam da escola falando sobre o que aprenderam, colocar à disposição material para esta ou aquela pesquisa, tecer comentários sobre a matéria que estão vendo, ampliando-lhes o conhecimento é a postura esperada de pais colaboradores;
- Devem os pais fazer o prato dos filhos às refeições, quantificando a comida por eles?
Não, pois a fome é individual e nada mais desconfortável do que comer o quanto o outro acha que devemos comer. No entanto, fazer refeições em conjunto, em que se expõem idéias, que se conversa sobre o dia a dia, oferecendo padrões de conduta através de modelos, procurando gerar um clima harmonioso é a atitude ideal:
- Devem os pais dar banho, trocar, amarrar os sapatos pelos filhos, quando eles já tem idade para se independer?
Não, pois só experenciando e tentando é que aprenderão. No entanto, estar perto quando esta aprendizagem se inicia, passar-lhe a mensagem de que de fato é complicado, mas que ele tem capacidade para lidar com o cordão do tênis, mesmo que demore mais tempo é o comportamento mais adequado.
- Devem os pais inteferir com o filho do vizinho quando seu filho chega chorando por ter apanhado?
Não, pois terá que, paulatinamente, enfrentar seus problemas sozinho. Mas, traduzir para ele que o entendem e que sabem o quanto isto é penoso para ele, é a continência desejável.
Alinhavando estes quatro simples exemplos: estar em sintonia, ao lado, dividir tristeza, somar alegrias, fazer correspondência, ser continente, é a mais saudável das relações afetivas que se pode ir estabelecendo dentro de uma família. São momentos de suma importância, em que a intimidade aumenta e os vínculos se fortalecem.
Voltando ao tema televisão:
- Devem os pais permitir, ou até incentivar o uso indiscriminado da televisão, com a qual a criança tenta preencher o vazio de horas?
Não, principalmente, estando sozinho. No entanto, assistir junto com a família a programas pertinentes à idade me parece não só saudável, como também não deixa de ser um veículo que pode, sem sombra de dúvida, propiciar, além de momentos de lazer, momentos de união, de bate-papo, principalmente se os adultos induzirem debates, solicitarem e emitirem opiniões. Porque não fazer deste instrumento um objeto de interesse comum, do qual se compartilham idéias, que se pode expandir conhecimentos em relação a um jornal falado, por exemplo?
Estes comportamentos exigem, evidentemente um nível de tolerância grande e disponibilidade interna, nem sempre tão fácil de administrar, principalmente no final do dia, quando a rotina nos estafou. Embora reconhecendo estas variáveis , cito aquilo que julgo ser o mais correto, acreditando que muitos adultos possam estar disponíveis em prol dos filhos.
Diante deste aparelho, polêmicas surgirão, o que computo como saudável, pois é no microcosmo-família que se estabelecem modelos e se fortificam pessoas para que possam enfrentar, na fase adulta, estruturas sociais e conquistar ambientes profissionais.
Nova ressalva quero fazer: não estou afirmando que seja a única estratégia para vivência em família; estou dizendo que é mais uma dentre tantas. Não estou entrando em defesa do aparelho-televisão; estou defendendo o clima que pode envolver esta situação: é tentar tirar desta presença inevitável algo bom e produtivo. É transformá-la em aliada e dela saber fazer uso, dentro do bom senso.
Não posso deixar de pontuar alguns aspectos que, se não forem cuidados, tronar-se-ão prejuiciais, sem dúvida. Deixar uma criança assistir a uma novela ou a um filme sem companhia é, no mínimo, não dar amparo às fantasias que, provavelmente devem estar surgindo. É permitir que ela, ao estar exposta a modelos de valores que não são os da família, desnorteie-se mediante o conflito que certamente gerará. Todos precisamos dividir angústias e preocupações, mesmo que infundadas para quem ouve. Situações muitas vezes bizarras e, porque não dizer, até grosseiras são percebidas pela criança não só como verdades, mas como verdades assustadoras, principalmente dependendo da faixa etária. Qual a diferença entre aquilo que é possível e o que é impossível? Será que isto ou aquilo existe? Como é tênue este divisor de águas e quanto precisamos garantir esta elucidação para as crianças!
Não é sem razão que as histórias infantis desempenharam para uma geração mais velha ( e ainda desempenhariam, se o hábito permanecesse) um papel extremamente importante. Havia bruxa, fada e bicho-papão: havia o perseguido e o perseguidor; havia a diferença entre o bem e o mal, mas, principalmente e sobretudo, havia a presença do contador nas figuras da avó, tio ou mãe, ajudando (mesmo sem saber) as crianças a elaborarem seus medos, seus anseios, suas expectativas.
Embora queiramos crer que, "uma novela é só uma novela" ( até por comodidade), não podemos esquecer de que somos muito mais emoção do que razão e que aquilo que vemos nos atinge profundamente: ficamos com raiva, torcemos a favor ou contra, deprimimo-nos, etc.. Não nos damos conta de que a palavra emitida pelo mundo adulto é muitas vezes, tomada ao pé da letra pela criança. Sem possibilidade desta "tradução" (adulto próximo) a distorção é inevitável, contribuindo para fantasias geradoras de medo e angústia.
Assistir à televisão sozinho, durante horas e dias, é fazer da solidão algo indesejável. O mais interessante é perceber quanto uma coisa alimenta a outra: por tratar-se de um processo inconsciente, quantos adultos, ao chegarem em casa, ligam a TV sem assistí-la? Parece não mais conseguirem ficar acompanhados do silêncio; têem que ter a televisão ligada...
Estar junto, estar em sintonia, acolher e ouvir são posturas que todos deveríamos ter com aqueles que nos rodeiam. O que dirá com nossos filhos?