DISTRUIÇÃO E SOFRIMENTO NOS TUFÕES NO JAPÁO
L. C. Vinholes
20.01.2025
Quando era bolsista do Ministério da Educação do Japão, assim como outros bolsistas de outros países, era convidado pela NHK, televisão e rádio oficiais do Japão, para simplesmente ler ao vivo as notícias que transmitiam para o Brasil ou, raramente, escrever sobre alguma experiência pessoal e, oportunamente, apresentar nos programas de rádio.
Guardei até hoje a minuta na qual, como lembrete, escrevi: Para o dia 12 de outubro de 1959. São anotações registrando os cenários deixados pelo Tufão Ida, de 1960, complementadas com dados obtidos em jornais, revistas e na viagem à Região de Kansai para visitar a família de um dos amigos que, com os anos, se tornaria um dos mais íntimos e um dos melhores parceiro que tive nos dois períodos de estada no Japão.
Nos parágrafos seguintes, os leitores tomarão conhecimento sobre o que era o clima no Japão em meados do século passado e as situações adversas daquela época.
Vejamos.
Em virtude da posição geográfica em que se encontra, o Japão é batido anualmente, por uma série de tufões que, em muito, alteram o ritmo normal das atividades humanas neste país. Em geral, a parte mais atingida é aquela no Sul, as Ilhas[i] de Okinawa e as grandes ilhas de Kyushu e Shikoku. Entretanto, não são poucas vezes em que até mesmo Honshu, a parte central do Japão, e Hokkaido, a grande ilha do Norte, sofrem danos incalculáveis.
No ano passado por ocasião de um passeio à Península de Izu, estivemos no forte do Tufão Ida que roubou a vida de 938 pessoas causando prejuízos estimados em 20 bilhões de ienes e tivemos oportunidade de sentir em pelo próprio esta experiência terrível.
Entretanto, por circunstâncias profissionais, viajamos para Kansai pouco depois do Tufão nº 16, o Tufão Vera hoje mais comumente chamado Tufão “Ise Bay”, Bahia de Ise, em virtude dos incalculáveis, não imagináveis e irreparáveis danos por ele causados às zonas que cercam essa bahia, principalmente às prefeituras de Aichi, Mie e Gifu e, em especial modo, à cidade de Nagoya, onde passamos o primeiro domingo deste mês.
Na última vez em que lá estivemos, isso há dois meses, comentávamos numa roda de amigos, o simpático ambiente da cidade, sem traçado, suas ruas largas, seus prédios modernos, enfim, sua recuperação marcante desde o término da II Grande Guerra. E não esquecíamos também a importância da mesma, no comércio, na indústria e economia nacionais.
Quando da nossa meninice, várias chuvas e ventos fortes açoitaram o Sul da América Latina, atingindo de maneira violenta a parte do Brasil, Argentina e Uruguai. Foi marcante a impressão que tivemos e no nosso subconsciente a lembrança ficou gravada de tal modo que ainda hoje lembramos perfeitamente os flagelados e a miséria dos mesmos.
O que vimos em Nagoya, entretanto, superou a tudo que podíamos imaginar de terrível e de possível existir como sofrimento humano.
Vendo as casas destruídas tivemos a impressão de que mãos poderosas, de palmas enormes, incrivelmente impiedosas, arrasaram, sem pema, lares pobres e humildes, jogando por terra o esforço de anos de trabalho e suor. O que antes fora ruas largas, onde um povo alegre circulava, tornou-se canais de uma Veneza de tristeza e dor.
A região de Nagoya e Gifu, entre os paralelos 35 e 36, está a meio caminho de Tokyo e Osaka, na bacia dos rios Hori, Kizu, Hida, Nagara, Ibi e Shonai os quais, tendo o volume de suas águas aumentado de maneira assustadora, saíram de seus leitos, romperam barragens marginais de proteção e alagaram áreas enormes responsabilizando-se assim pelo inundar de 420.023 casas e mais 3.915 levadas por suas correntezas.
Andamos até onde nos foi possível, do hotel em que nos hospedamos, próximo à Estação Central de Nagoya, em direção aos bairros Minato e Minami ou sejam: bairros do Porto e do Sul, respectivamente. Aí encontramos centenas de pessoas em blocos aflitos, numa tentativa primeira de salva a si próprias e depois, o tanto que fosse possível do quase nada que restava dos seus bens.
São 333.787 famílias, num total de 1.480.765 desabrigados. São 32.759 casas destruídas e outras 95.801 semidestruídas. São 17.693 famílias. São 900 ainda os que não foram encontrados e são 4.253 os corpos retirados ou das superfícies das águas ou das ruínas e escombros.
Os japoneses ainda tinham bem vivo na lembrança o Tufão Muroto que em setembro de 1934 vitimara 3.066 pessoas.
Um homem de 62 anos com quem conversamos, com voz cansada disse-nos: “Naquela vez, perdi meu pai e meu irmão, agora perco uma filha” e completava sua triste declaração com uma frase ingênua, mas por demais significativa: “O próximo tufão achará por certo que ainda sofremos pouco”.
O porto de Nagoya, quase totalmente destruído, iniciou suas atividades dia 6 recebendo um navio por dia e no próximo dia 15 quando se acredita que estejam adiantadas as obras de recuperação, passará a receber, diariamente, 3 navios.
As brechas em barragens na parte Sul já foram em grande parte recuperadas; o Centro de Providências para Desastres no Japão Central, resolveu construir, com urgência, 10.000 casas nas três prefeituras mais atingidas: Aichi, Mie e Gifu; a Dieta[ii] espera aprovar, na secção extraordinária a realizar-se na última semana do corrente mês, um orçamento extra de 20 milhões de yenes[iii], para o Fundo de Reabilitação; os jornais, organizações particulares, a indústria, associações várias, representações diplomáticas, altas personalidades estrangeiras, a Cruz Vermelha em suas secções nacionais e internacionais, o povo em geral e a Rádio que neste momento os amigos ouvintes estão sintonizando, manifestaram sua tristeza e lastimaram o doloroso desastre da noite de 6 de setembro, e não tem poupado esforços no sentido de levar a todos que necessitam o apoio moral e financeiro
Apenas para informação dos nossos ouvintes, acrescentamos que, até agora, somente foi completado um terço das reconstruções dos danos causados pelo Tufão Ida no ano passado.
A agência competente informou calcular em 69 bilhões de yenes, ou sejam 100 bilhões de dólares o prejuízo total das indústrias.
O número de órfãs alcança cifras elevadas e em virtude da destruição de prédios ou aproveitamento dos que não foram atingidos para abrigo dos flagelados, grande é o número de crianças que por mais de 10 dias tem suas atividades escolares paralisadas. Providências foram tomadas a fim de se realizar o mais de pressa possível o suprimento de material escolar.
Um menino que recebia vacina - providência tomada pelo serviço de saúde pública contra epidemias – disse-nos com ar muito responsável: “Tenho bastante o que ajudar papai e mamãe e não terei tempo para pensar em estudo durante vários dias”.
Ouvintes do Brasil e demais países da América Latina, temos a certeza de que com a proverbial tranquilidade, paciência, persistência e força de ser, esta gente, duramente atingida, terá em breve, com ânimo erguido, o mesmo sorriso, a mesma disposição para enfrentar os segredos irrevogáveis que o futuro reserva.
[i] Além das ilhas de Okinawa, o Japão tem as grandes ilhas de Hokkaido, Honshu, Shikoku e Kyushu.
[ii] Dieta é o sistema bicameral do Poder Legislativo japonês.
[iii] Na época, Y360 valiam US$1.
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