Apesar da "adolescência" já ter sido objeto de muita discussão, muito estudo e, consequentemente, muitos registros (livros e artigos), parece estar aflorando no panorama social um comportamento até então inusitado ou pouco mencionado, vindo a público apenas recentemente. Trata-se da "delinquência" na classe média.
O fato de trabalhar na área fez com que eu fosse coletando narrativas, descrições e chegando a algumas hipóteses, que aqui transcrevo.
Primeiro: não é raro ouvir de muitos pais de adolescentes a pergunta: "... mas o que lhes falta...? " após exaustivas tentativas de acerto, mediante atitudes que não são aprovadas socialmente. Continuam o discurso, desabafando: "... eles têm de tudo... na minha época, para conseguir ir a um cineminha... para ir a uma festa e chegar mais tarde... ai que sufoco..." e como a comprovar estas colocações, enumeram os diversos atrativos a que os filhos tiveram acesso: tênis de marca "X", calça da marca "Y", jogos eletrônicos, carro emprestado rotineiramente, etc.
Eu lhes devolvo a pergunta com um aparente jogo de palavras, mas que a meu ver define toda a situação: "O que lhes falta? Eles têm de tudo...? Pois o que lhes falta é, exatamente a falta!!
Oriundos muitas vezes (evidentemente, nem sempre) de uma classe "média-média" , onde a maioria teve que lutar muito, os pais sentem-se orgulhosos (inconscientemente) de poder satisfazer seus filhos em todos os seus desejos, quase que a suprir aquilo que lhes foi difícil obter na própria juventude. Afeto, carinho, proteção, zelo são justificativas (também inconscientes) que lhes asseguram estar no caminho certo. Evidentemente, não nego que somado a isto existe o modismo e os estímulos de consumo que outrora não havia mas, é à oferta exagerada, à aquiescência dos pais totalmente disponíveis para atender às solicitações dos filhos, que me atenho.
Minha intenção não é absolutamente criticar pois tenho certeza plena da boa vontade de todos em acertar, mesmo porque, além de terapêuta, também sou mãe de quatro filhos e sei o quanto desafiante é a missão de educar. Exponho, portanto, apenas constatações e conclusões, numa tentativa de colaborar de maneira reflexiva. Não sou dona da verdade e receita pronta também não tenho.
Aliás, se pararmos para pensar em cima das palavras grifadas acima, podemos perceber o quanto elas se aproximam da lei de mercado que, normalmente é traduzida pela lei da oferta e da procura.
Se fizermos esta relação, será benéfico estarmos repensando e fazendo paralelos entre a falta e o excesso e o que isto representa em termos de educação; já é do conhecimento de todos que, na maioria das vezes, a abundância traz a banalidade, a vulgarização, o desprestígio, enquanto a raridade traz a valorização, o empenho, o desejo mais aguçado; o preço cai ou sobe portanto, mediante a quantidade oferecida, no que tange à área comercial.
Embora não possamos mensurar temas subjetivos, principalmente no que concerne às emoções, creio que poderíamos transpor estas definições para a educação, revendo algumas posturas que nós, os pais, temos adotado.
Todo espaço vazio ( que corresponderia à falta) tende a ser preenchido. Façamos com que nossos filhos percebam este espaço e se mobilizem para buscar, investindo no "como" e "com o que" preencher; que desenvolvam habilidades para obter o que desejam; que aprendam a sentir o sabor da espera; que desenvolvam a criatividade, montando estratégias para alcançar objetivos, mesmo que se trate de algo que para nós, adultos, não tenha tanto valor (peças de vestuário, objetos importados, etc.) pois, por se tratar das primeiras experiências isto, sem dúvida propiciará uma representatividade bastante significativa ao enfrentarem barreiras na vida adulta. Ao exacerbarmos nossos oferecimentos ao adolescente, "barateamos" simbolicamente sua capacidade de luta; ao contrário, se a oferta for minimizada seu custo aumenta ou seja, ele passa a valorizar mais e a se empenhar mais nas conquistas.
A necessidade da presença da falta urge entre os adolescentes pois, embora com muita vontade de acertar, os pais impediram que se desenvolvesse entre os jovens a capacidade da busca, aumentando sobremaneira a oferta.
Não nos esqueçamos de que até a exigência escolar, por haver diminuído significativamente nos últimos anos, permite que nossos jovens tenham períodos do dia totalmente inativos pois, basta frequentar a escola e, "estudar" dois ou três dias no mes ao se depararem com as provas.
O segundo ponto que não posso deixar de mencionar é o quanto os pais de adolescentes desta geração estão fragilizados e perdidos quanto ao rumo que devem dar à relação com os filhos fato que, se não inédito, surgia muito mais raramente nas gerações anteriores; isto não significa que, antes tivessem fórmulas mágicas e atualmente não; significa apenas que eram casais imbuídos daquilo que consideravam verdade, verdade aliás que, com raras excessões, constituia um denominador comum de conduta. "O pode - não pode, o certo - o errado, o pune - não pune", embora permeado de radicalismo, era assim e...pronto.
Vejo que, se não era o ideal (e o que é ideal?), pelo menos as mensagens eram claras, explícitas, estando os pais seguros nas suas atitudes; não havia titubeio. No momento estão temerosos, questionando-se sobre tudo que diz respeito à educação, colaborando para que todo o clima familiar se torne desorganizado, havendo inclusive linguagens dicotomizadas não só entre o casal, como também na tentativa de "segurar" e não mais conseguirem.
Vejo este movimento como consequência de alguns fatores que começaram a exercer forte influência entre nós:
- a psicologia no Brasil, por ser nova (década de 60) e consequentemente não ter tradição, foi recebida pela maioria como ciência mas, também muito confundida nos seus conceitos fundamentais pela população, sendo paulatinamente assumida pelos pais, muito na base de: "...ouví dizer que...não se pode reprimir, não se pode frustrar...como ficará a cabeça dele..."
- agrego esta visão ao fato de ser mais fácil dizer sim do que dizer não principalmente pela vida cada vez mais agitada e difícil; os adultos "se obrigaram" a trocar muitas horas de lazer antes vivenciadas dentro do núcleo familiar; estafados do dia-a-dia, muitas respostas positivas creio terem sido dadas como fecho mais cômodo naquela determinada situação, sem visualizarem a consequência maior.
Ora, se nós, os adultos, necessitamos de limites, se toda a sociedade só consegue organizar-se dentro de regras estabelecidas, se ao sairmos de casa atemo-nos ao relógio como premissa básica para nossos compromissos, como não estabelecer esses mesmos critérios no microcosmo que é a família?
Rebatendo a conceitualização deformada que foi interiorizada, creio que há necessidade destas "verdades" serem revistas pois a frustração, a busca, "os tombos", a depressão fazem parte da vida, assim como as coisas boas que ela nos reserva: a alegria, a conquista, o sucesso. Conviver não só com as satisfações mas também com as perdas, oferece oportunidade para que o indivíduo busque o equilíbrio e, ao contrário do que se imagina, fortifica e amadurece.
O "não" na maioria das vezes foi engavetado, sendo usado apenas em casos extremos (no auge do desespero, quando os pais percebem que não mais controlam a situação), ocasião esta que não conseguem atingir o objetivo, por não ter o adolescente o hábito de aceitar a negativa.
Perdidos, com dificuldade de lidar com estas contradições que surgiram (pois estes pais receberam muitos "nãos" e agora não "devem" proceder da mesma maneira), fez com que a grande maioria se afastasse desta problemática, delegando para frases como "...estes adolescentes são assim mesmo...está tudo diferente...este modernismo...o que se há de fazer... no meu tempo...", a responsabilidade da formação.
O fato é que ninguém, nenhum de nós, ao defrontarmo-nos com alguma situação difícil, que exija troca de opinião, vai procurar este auxílio em pessoa frágil, indecisa; ao contrário, busca-se aquele que tem mais domínio, aquele que inspira maior segurança; ninguém gosta de se aproximar do fraco pois somente encontrará benevolência, palavras açucaradas, aceitação, desacompanhadas de atitude e ação. Não será certamente nos pais permissivos, que sempre atuaram em nome de uma exacerbada compreensão, que a filha grávida vai encontrar uma posição firme que a ajude ou que o filho iniciado na maconha vai entregar-se nesta relação de ajuda.
É necessário que os pais se revejam e novamente conquistem o direito que lhes foi usurpado. Embora querendo desesperadamente acertar, estão se atolando em areia movediça. Não se trata de um retrocesso ao autoritarismo ou de não olhar o direito do outro mas, de manter o próprio e imbuir-se novamente da responsabilidade, como estrutura básica em que o filho apoiar-se-á para futuras conquistas.
O não é salutar. Além de tudo, age como um incentivador ao pensante, obrigando o indivíduo a buscar novos recursos, novos argumentos, fazendo-o sair da passividade para a luta.
O sim tem um significado de responsabilidade que nem sempre a criança ou o adolescente tem condições de assumir, o que significa delegar ao outro a necessidade de assumir consequências; é crucial percebermos até que ponto estão nossos filhos prontos para este compromisso final.
Esperar que, sozinha, uma adolescente de 14 ou 15 anos decida sobre seu comportamento sexual por exemplo, é oferecer-lhe uma posição de mando para a qual ainda não está preparada. O "você quem sabe", "a vida é sua", "aqui estão as pípulas para evitar gravidez" são frases destituídas de, no mínimo, bom senso.
Muitas vezes, sinto que o não deixa de ser estabelecido por temerem a perda do afeto. Isto é irreal e fruto da fantasia. Ombro de pai e mãe foi feito exatamente para servir de depósito e, com isto, amenizar as frustrações e as impotências que eles sentem.
É muito mais tranquilizador a menina responder a um suposto namorado que não dorme com ele porque os pais não permitem, do que ter que optar sozinha entre o sim e o não, mesmo que externalize comentários agressivos, tais como: "... minha mãe é antiga...meu pai é um chato... não me entendem..."
Termino como iniciei: são constatações que fui fazendo e hipóteses que fui levantando, embora saiba que outras variáveis também estão presentes em muitos casos. Convido os leitores a pensar... principalmente os pais...