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Artigos-->QUESTIONÁRIO DA ENTREVISTA A RAFAEL KIDO -- 02/02/2025 - 20:32 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

QUESTIONÁRIO DA ENTREVISTA A RAFAEL KIDO

 

L. C. Vinholes

03.02.2025

Confesso que, com surpresa, encontrei o questionário que me foi apresentado por Rafael Kido e por mim respondido em 29 de março de 2019. Não tenho a menor lembrança desse trabalho e não consegui descobrir o meu interlocutor.

 

Li o que está escrito, concordei com o que escrevi há cinco anos e resolvi tornar público, compartilhando com os leitores que acessem o site www.usinadeletras.com.br.

 

Respeitando a meu entrevistador, reproduzo o texto das perguntas sunlinhado, numeradas de 1. a 5., assim foi por ele redigido e por mim recebido, cada resposta, para não haver dúvidas, iniciando com meu nome, no padrão que costumo usar, L. C. Vinholes, e por ele escolhido, reservando-me o direito de ser conservador na apresentação do texto das minhas respostas, especialmente respeitando as maiúsculas nos lugares em que costumam aparecer.

 

 

Perguntas e respostas

 

1.

em 1957 você parte para o japão para estudar o gagaku. além de seu interesse pela música oriental, você já tinha conhecimento da poesia da vanguarda japonesa? 

você nos contar um pouco como começou esta aventura?

 

L. C. Vinholes – Nos meus quatro anos de São Paulo, não ouvi falar da poesia de vanguarda japonesa, mas, em compensação, tive oportunidade de conhecer bastante a respeito de uma das formas mais clássicas da poesia tradicional do Japão: o haikai. Uns três anos antes de embarcar para Tóquio, fui regente de um coral formado por familiares de funcionários do consulado japonês na capital paulista e dos economistas e bancários Carlos Yoshiyuki Kato e Kunito Miyasaki (1889-1977) fundadores do Banco América do Sul (Nambei Ginko), em São Paulo (1940), e renomados haikaistas na comunidade japonesa. Miyasaka desenvolveu atividades empresariais - pesca no Chile e no Peru e produção de vinho do Paraguai. Como poeta conhecido por Ikubeshun, foi o gestor do pseudônimo Kashimoto Hakuseki para o concretista Pedro Xisto, um dos maiores haikaistas em língua não japonesa. Foi no ambiente da casa da Rua Bahia que ensaiava canções do folclore japonês e, concomitantemente, descobria parâmetros e termos que pavimentaram meu caminho no mundo da poesia do Japão: as sílabas da estrutura do haikai 5 - 7 - 5, as makurakotoba (palavras travesseiro), etc. Por outro lado, a década de 1950 também foi o tempo de experiências igualmente válidas: as aulas, audição de discos e conferências de H. J. Koellreutter, diretor da Escola Livre de Música (ELM) da Pró Arte, compartilhando as experiências da viagem de 1952 ao Japão; em 1954 a vinda da compositora e musicóloga okinawense Kikuko Kanai, delegada do Japão ao VII Congresso Internacional de Música Folclórica, realizado no âmbito das comemorações do IV Centenário da capital paulista, chamando a atenção para a singularidade das escalas modais da música das Ilhas Ryukyu e das atividades dos noro, médiuns femininos interpretando o misozoru ou alocuções divinas dos deuses; em abril de 1955, a Semana de Arte Japonesa promovida pelo Departamento de Cultura do Grêmio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, com palestras e eventos sobre História e Cultura, Literatura e Arte, Música, Arquitetura, Cerimônia de Chá e Arranjos Florais; em 1957 as aulas práticas e palestras do filósofo e coreógrafo Masami Kuni, mentor da então nascente “creative dance”, desenvolvendo conceitos relativos às tensões entre corpos que se aproximam e se afastam; o recital comentado da música instrumental japonesa por Tomie Iwami, koto, e Baikyoku, shakuhachi; e, ainda em 1957, a exposição na ELM que, de parceria com José Luiz Paes Nunes, organizamos  com primeiras obras abstratas de Tomie Ohtake, pintora que surgia com uma nova visão do espaço da tela, marcando, de maneira indiscutível, seu lugar nas artes plásticas do Brasil. Por falar inglês, Koellreutter colocou-me a disposição de Kikuko Kanai e Masami Kuni durante suas estadas em São Paulo, o que facilitou proveitosa aproximação. Entre os eventuais frequentadores não-alunos dos eventos promovidos pela ELM chamavam a atenção, notadamente, Haroldo e Augusto de Campos, Décio Pignatari, Dora Vasconcelos e Pedro Xisto. Hoje posso registar que, naquela época, nem Haroldo conhecia Kitasono que foi por ele contatado pela primeira vez, por carta de 07 de novembro de 1957, acompanhada de exemplar da revista Noigandres III, de dezembro de 1956.

 

2.

como você conheceu kitasono katuê?

 

L. C. Vinholes – Conheci Kitasono em encontro casual, em meados de 1958, no café-confeitaria Fugetsu-do (Salão Vento-lunar), situado na Namikidori, no Bairro Shinjuku, onde, nos finais de semana, sob a égide de Chambre de la poèsie et musique, informalmente reuniam-se poetas e músicos. Ali, entre outros, conheci a Shuzo Iwamoto, parceiro de Kitasono na criação do grupo e da revista VOU, e Yasuo Fujitomi, Toshihiko Shimizu, Masato Shimizu, Reiko Horiuchi, Kazuko Shirashi, Takahashi Shohachiro, seus “discípulos” e/ou simpatizantes. Tradução para o português, por Haroldo de Campos e José Santana do Carmo, do poema Monotonia do espaço vazio (tanchona kukan), de Kitasono, publicada no Suplemento Literário do jornal O Estado de São Paulo de 10 de maio de 1958, despertou minha curiosidade. Quando tive em mãos exemplar da antologia Reta da Fumaça/La droite de la fumée (kemuri no chokusen, 1959), reunindo poemas de Kitasono, inclusive o tanchona kukan, decidi encarar sua tradução, trabalho que terminei a tempo de apresentar para leitura bilíngue na Exposição Internacional de Poesia Concreta (1964), no auditório Sogetsu Kaikan, em Tokyo, onde contei com a colaboração da jovem poetisa Kyoko Torisawa. A tradução desta antologia foi o caminho que me permitiu ter uma melhor percepção da linguagem de Kitasono. Os eventos mensais no Fugetsu-do eram divulgados em um simpático boletim de uma folha de apenas 25,5x 11,5cm, dobrada ao meio, trazendo um poema; anunciando a exposição do mês; relacionando discos LP selecionados para a audição na noite da última segunda-feira de cada mês, com comentários do compositor de vanguarda, poeta e crítico musical Akiyama Kuniharu; e, eventualmente, incluindo filmes de 16mm apresentados no reservado mezanino. Certa ocasião, assisti filme produzido por Kitasono. Os citados boletins foram publicados de janeiro de 1961 a dezembro de 1962. O boletim n° 2, de fevereiro de 1961, exibiu o único poema de autor estrangeiro, meu poema concreto de . a . (1960), por sugestão de Kitasono e com comentário de Masato Shimizu. Outro gesto que me surpreendeu e que, mais uma vez, mostrou certa abertura de Kitasono para com a poesia concreta, foi o de abrir as páginas da Revista VOU, Nº 95, de junho/julho de 1964, para acolher sua tradução para o japonês do Plano Piloto da Poesia Concreta. O interesse dos poetas japoneses e as dúvidas sobre a tradução de Kitasono, levou a Seiichi Niikuni a apresentar a nova tradução publicada na Revista ASA nº 3 (1968), valendo-se do texto em francês que Pierre Garnier produziu e publicou na Revista Le Lettre nº 31 (1963) e cotejando com o original em português, com minha colaboração esporádica.

 

Embora percebesse que meu relacionamento com Kitasono tenha sido cultivado em clima amistoso e cordial, sempre me dei conta de que ele era um homem introvertido, de pouca conversa e extremamente reservado. Mas nosso contato, embora esporádico, foi sempre o suficiente para despertar interesse e confiança mutua. Haja vista sua disposição de colaborar com um texto a ser exibido em painel na Exposição da Poesia Concreta Brasileira no Museu de Arte Moderna de Tokyo, em abril de 1960. Esse texto foi reproduzido na miniantologia publicada na revista Design nº 27 (1961). Inúmeras vezes, por cartão postal, dele recebi convite para as reuniões que promovia com os poetas do seu grupo quando, enquanto se tomava uma xícara de chá ou café com torta black-forest ou apple pie, eram apresentados e selecionados textos e poemas para a próxima edição da Revista VOU.

 

Às vésperas de minha transferência para o Canadá, em 1977, fui despedir-me de Kitasono indo até seu local de trabalho, a biblioteca da Faculdade de Odontologia. Conversamos um bom tempo, quando foi lembrado Haroldo como “nosso amigo comum”, nas palavras de Kitasono. Agradeci sua sempre valiosa manifestação de apreço pelo trabalho dos poetas brasileiros e dele recebi exemplar da antologia Shiro no Danpen (白ã®ç ´ç‰‡, 1973), Fragmentos brancos, com a dedicatória “à monsieur Vinholes, en hommage sympatique. Kitasono Katsue le 28 juillet 1977”. Dalí saímos para o terraço do prédio - Kitasono escolheu o local -, onde sua assessora e poetisa Setsuko Tsuji tirou a foto do nosso aperto de mão e última despedida. Dela ganhei a Ame no Techo (雨ã®æ‰‹å¸–, 1963), Apontamentos da Chuva, antologia com poemas de 1959 a 1961.

 

 

3.

quando, no japão, ouvimos pela primeira vez o poema “espaço monótono” lido por nosso amigo Takeshi Yazaki, nos chamou atenção a beleza sonora da poesia de kitasono. também a forma como ele dispõe os caracteres na página em seus livros, privilegiando o espaço vazio, nos parece possibilitar uma leitura rítmica, musical, em um sentido minimalista da palavra. como você, em sua posição privilegiada de poeta e compositor, vê o som na poesia de kitasono.

 

L. C. Vinholes – É conhecido o fato de que os japoneses escrevem seus textos de cima para baixo e da direita para esquerda. Estudos especializados tratam desta singularidade, comum também ao chinês e coreanos. É a forma de ligar o Céu à Terra e Deus ao Homem, a partir da Razão para o Coração. No Japão, a quase totalidade dos poetas de vanguarda produzem seus textos seguindo esses parâmetros de caráter quase ontológico. Neste particular Kitasono não se afastou da tradição japonesa, apesar de exceções, como no poema é»’ã®æ•™ä¼š = kuro no kyokai = Igreja do preto, na Revista VOU, de outubro de 1956. A meu ver o que Kitasono tem de singular – e que pode ser visto também em poemas daqueles que simpatizaram com suas ideias -, é a presença de verdadeiros leitmotif que chamam a atenção e que, como objetos, criam não só um forte chamado visual, mas também uma sonoridade perceptível e amalgamante. Refiro-me ao uso frequente de determinados substantivos e adjetivos que ditam um certo ritmo. Como exemplo, destaco:

 

四角 = shikaku = quadrado,

三角 = sankaku = triângulo,

晶 = suisho = cristal;

 

e

 

白ㄠ= shiroi = branco,

黄ㄠ= kiroi = amarelo,

é»’ã„kuroi = preto,

 

presentes, por exemplo, em poemas das antologias Kemuri no chokusen = Reta da Fumaça (1979), já mencionada, e Blue = Azul (1969) que ora me ocupa com sua tradução.

                                   

Para mim, o que chama a atenção nos poemas de Kitasono é a força dos versos curtos, econômicos, individualizados, suspensos no alto da página, indiretamente destacando o restante, o proporcionalmente imenso espaço branco. A meu ver, Kitasono é poeta da linearidade e não espacialidade. Na leitura de poemas de Kitasono sempre chama minha atenção o ritmo criado pela preposição ã® = no = de, da e do, tendo caráter aglutinador.

Quanto a sonoridade dos seus versos, apreciando as páginas dos seus poemas, se é que escuto alguma coisa, é o silêncio valorizado pela economia de palavras, em um ritmo quase mágico na repetição cuidadosa do que é lido. A exploração do espaço da página e dos recursos gráficos que se tornaram disponíveis foi tarefa experimentada pela geração dos poetas que se consolidaram na segunda metade do século XX. É mister lembrar a Seiichi Niikuni, com sua pioneira antologia 0 音 = ZERO ON = SOM ZERO (1963), com seus poemas de 1960 a 1963, de texto econômico e com a dispersão das palavras, cria uma espécie de constelação no espaço branco da página, decididamente aproveitado. Desta antologia, traduzi para o português os primeiros nove poemas: “em favor do equilíbrio das flores”, “o castelo das crianças”, “o templo horiuji”, “o lago”, “mulher”, “sobre a harmonia das nuvens e do céu”, “parte do espaço”, “os degraus do vento” e “a segunda mão do relógio”. O poema “o lago”, em espanhol, foi publicado no Uruguai, na Revista Cormoran e Delfin nº 3 (1966), sendo a primeira publicação de poema de Niikuni nas três Américas.

 

4.

sua geração derrubou as barreiras entre as disciplinas e as culturas, e podemos hoje navegar por formas diferentes de ver e construir o mundo. nosso trabalho transita entre palavra, imagem, som, mas só podemos realizar isso hoje graças ao trabalho que vocês construíram ao longo do século 20. como você analisa as mudanças radicais que a arte, a poesia e a música passaram ao longo desse tempo. como em seu trabalho você harmoniza as diferentes disciplinas e culturas pelas quais navegou?

L. C. Vinholes – As duas perguntas que aqui se formulou não serão respondidas separadamente, uma vez que, a meu ver, no correr do tempo tudo se entrelaça e se completa. Era jovem quando comecei a envolver-me com música, como membro do coral da Catedral São Francisco de Paula de Pelotas. Ali, os ofícios religiosos, missas, novenas, trezenas, etc., eram celebrados em gregoriano, linguagem que nunca fez parte da grade de matérias dos conservatórios e escolas de música do Brasil. No gregoriano a palavra sustenta os sons e com ela os sons têm uma ligação direta, uma simbiose, um completando o outro. No Japão encontrei paralelo com o que aprendi nos meus estudos, o gagaku, música tradicional da corte e dos templos xintoístas, com afinação peculiar dos instrumentos e a vocalização enriquecendo a notação quando cantada. No Japão consolidei a liberdade que descobrira no gregoriano e, embora assimiladas, as dualidades do pensamento dualístico, nas artes e na música de matriz europeia deixaram de ser empecilho. Parece que se amalgamaram. O trânsito nos dois mundos, o dos dualismos e o da superação destes conceitos, foi que me permitiu criar a técnica de composição tempo-espaço (1956), ainda com válidos resquícios do passado, e, olhando para o futuro, vislumbrar os parâmetros que viabilizaram a criação das primeiras músicas aleatórias (1961) brasileiras. Com base no respeito à diversidade, embora tema as especializações fragmentadoras, desde muito cedo, mesmo fazendo escolhas, acreditei no diálogo, na convivência harmoniosa e na validade do denominador comum. A diversidade e o equilíbrio são os ensinamentos permanentes que podemos apreciar nas formas livres e na pluralidade das cores da natureza que nos cerca.

 

Como desafio e com ousadia, experimentei colocar uma nova poesia na paisagem urbana quando criei o “poema-escultura” e o “poema-jardim”, ambos de novembro de 1962. Previstos para serem construídos no jardim do Palácio Internacional dos Congressos, às margens do Lago Ashi, em Hakone, Japão, projeto do arquiteto Wilson Reis Netto. Estes poemas acompanhados de texto, foram publicados, em Tokyo, na Revista Info Japan Pass-Present-Future, Vol. IX, nº 5 (1963); na revista ASA nº 2 (1976), da Associação para Estudos da Arte, do grupo liderado por Seiichi Niikuni; e, ainda, na revista sueca OEI #60-61 (2013), depois que seus representantes Cecilia Grönberg e Jonas Magnusson viram o exemplar da Revista Info na mostra realizada no Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, na Casa das Rosas, em São Paulo, em abril de 2013, comemorativa aos meus 80 anos.

 

 

 

O “poema-escultura” ou “poema-sol” utiliza as três letras da palavra s  o  l -  símbolo presente no nome e na bandeira do Japão -, repetida 12 vezes - 12 raios de sol -, todas elas tendo em comum a letra “l” com 10 m de altura, figurando como eixo de um mecanismo disciplinador das horas do dia e dos meses do ano. Na face externa da letra “s” seriam gravados em bronze os 12 símbolos do zodíaco oriental. Os doze “s” com cerca de 5m e os doze “o” com 7m de altura, sendo dispostos como os 12 números do mostrador de um relógio. A parte inferior das letras “s” e “o” – formadoras do “so” de solidão -, servindo de banco, construídas de ferro e concreto, convidando ao descanso e ao diálogo entre seus frequentadores e permitindo a integração física do “poema-escultura” com o espectador e vice-versa; e os 12 espaços triangulares criados entre estas letras, servindo de área de recreação para crianças. Assim se concretizando a simbiose entre o feito e o feitor. Não seria demasiado lembrar também as 12 matrizes das cores, as 12 notas da escala musical diatônica, os 12 apóstolos de Cristo e que na “mitologia japonesa o Criador está sentado sobre 12 almofadas sagradas e na tradição coreana o mundo está divido em 12 regiões.

 

 

 

 

 

No “poema-jardim” oujardim-de-palavras” utilizei os fonemas æ„› “ai”, 人間 “ninguém” e ç˜ “nada” que em português e japonês têm semânticas opostas (“ai” = expressão de dor x amor; “ninguém” = nenhuma pessoa x ser humano; e “nada” = ausência de qualquer coisa x mar aberto, fonte/base/porto de/para tudo). Os ideogramas japoneses e as letras romanas correspondentes aos dois primeiros fonemas, construídos em concreto, formando grandes bancos, teriam seus intervalos preenchidos com areia servindo de playgroud para crianças. Tais bancos repousariam sobre o piso de lajotas com desenho do ideograma e das letras de “nada”. Todos os demais espaços da área do “poema-jardim”, inclusive os entre as lajotas, receberiam pedras roladas de cores escuras, para contrastar com a areia da praia e com o branco das nevadas que ocorrem naquela região. Sobre este último poema, registro que no artigo No Ring Vienense da Poesia Concreta, do poeta Pedro Xisto, publicado na revista Cavalo Azul nº 4 (São Paulo, 1965), depois de citar a afirmação de Mike Weaver de que “The possibility of an integrated city-culture is not unrealistic”, constante do artigo “Concrete and Knectic: the Poem as Functional Object” (Revista IMAGE, Londres 1964), acrescenta: “o brasileiro L. C. Vinholes já realizara boa parte disto com seu poema-jardim da praia de Shirahama em Hakone, Japão”.

 

Por razões econômicas e políticas no Japão, o projeto do Palácio Internacional dos Congressos não saiu do papel. Ganhou o da Província de Nara, perdeu o da Província de Kanagawa, perderam o “poema-escultura” e o “poema-jardim”. Também perdi.

 

Ao longo do Século XX as mudanças radicais pelas quais a arte, a poesia e a música passaram foram consequência da evolução quase que paralela do pensamento e do conhecimento humano em todos os campos das ciências. A conquista do espaço, graças ao homem navegando em capsulas, criou um Novo Mundo, o sideral. A comunicação fácil e rápida da internet eliminou as distâncias e aproximou os distantes. As diferenças, quaisquer que sejam, estão sendo superadas. Ter consciência de que os tempos são outros e que os projetos do cotidiano devem ser cotidianamente novos, é o oxigênio indispensável ao futuro de todos nós. Mas a maioria das soluções buscadas para os problemas hodiernos são paliativas; a riqueza material e o poder econômico ainda ditam o comportamento dos que tem e dos que almejam ter. Os ciclos e as eras se repetem e o(a)s nosso(a)s estão seguramente chegando ao fim. As massas assim como as elites não se dão conta de que a cada minuto se aproxima o minuto em que tudo chega ao fim e só permanece sendo história; e que a cada momento chega um novo momento que dá início a algo que, em algum momento, também se tornará história. Se a educação renovada e universalizada não se tornar realidade não haverá caminhada, com novos passos, por aqueles, poucos, que farão a diferença.

 

5.

além de seu trabalho transdisciplinar, você também teve um papel importante na divulgação da arte brasileira no exterior, organizando exposições como a de poesia concreta brasileira no museu de arte moderna de toquio em 1960 e o festival internacional de poesia concreta no sogetsu art center em 1964 entre outras, em um momento bastante distinto do atual. se por um lado, a circulação da informação era mais restrita, o mundo se abria, como você vê a situação atual, onde o processo parece se inverter? 

 

L. C. VinholesNão jogo búzios nem tenho bola de cristal e não me atrevo a acreditar ser capaz de tecer considerações a respeito da pergunta proposta. Pretendo apenas registrar o que nos últimos tempos, de maneiras diversas, chama minha atenção. Quando fui para o Japão a viagem durou trinta e três dias e hoje leva menos de dois dias. Em meados da década de 1950, quando a serviço da Escola Livre de Música da Pró Arte em São Paulo, os contatos telefônicos com a Universidade Federal da Bahia eram feitos com hora marcada com antecedência de vinte e quatro horas, na loja da Western, na Rua 7 de Abril, em São Paulo, e hoje, de qualquer lugar para qualquer lugar, as ligações são instantâneas. Entusiasmado assisti aos primeiros programas da TV Tupi (1957) e hoje me envergonho de ser contemporâneo da quase totalidade do que se vê na Tvê. No período em que fiquei no Japão de 1957 a 1967, os telegramas e a correspondência postal levavam semanas e hoje são apenas horas ou dias ou são perfeitamente dispensáveis. Nas décadas do século passado, com as máquinas de escrever disponíveis, as cópias eram tiradas com papel carbônico e hoje os computadores não só guardam os textos em suas memórias, mas também, valendo-se das impressoras acopladas, reproduzem quantas cópias forem necessárias. O sistema bancário se modernizou, acabando com o cheque e as intermináveis filas, substituídas por unidades de autoatendimento e pagamentos e transferências on-line. Nas eleições presidenciais, pelo menos do Brasil, o sistema eletrônico dispensa as cédulas em papel e os resultados são conhecidos em poucas horas. Na minha meninice e juventude, com disciplina e respeito, se valorizava aos mestres e se estudava e aprendia, inclusive o latim, e hoje não se estuda, não se aprende, se desrespeita aos mestres e não se está preparado para os prementes desafios do dia a dia. As gerações parecem não mais ter faixas etárias e correspondente códigos de convivência. Generalizando, temos ainda a onda conservadora, tacanha, alimentando marcha retrógrada, talvez resultado da globalização e do mau uso dos meios e comunicação. Os robôs eficientes, substituem aos homens que não sabem o que fazer com o ócio. Como prever e justificar até quando as vanguardas de ontem e de hoje terão validade? Qual a leitura que as gerações futuras farão da herança que a elas acreditamos estar deixando como legado? A Europa e o Ocidente que a seguiu durante séculos continuarão a ocupar o senário do saber, da cultura e das artes ou novos atores do mundo dito em desenvolvimento ou subdesenvolvido, dos quatro quadrantes do nosso planeta, surgirão e passarão a ocupar espaço que, há muito, por eles espera? Passando para o que a nós neste momento mais nos interessa, registro que até meados da década de 1950 os poetas brasileiros de vanguarda, incluindo os concretistas, não sabiam da existência dos poetas de vanguarda do Japão, e hoje não só se conhecem mutuamente, mas também estudam o que resultou em suas origens e o que fizeram com suas novas ideias e deixaram como legado. Há ainda muito o que fazer. Há esperança que se faça. Eu mesmo o que farei daqui em diante? Mãos à obra.

 

 

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