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Artigos-->SOBRE OS MINI-POEMAS DE MENINA SÓ -- 05/02/2025 - 15:11 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

SOBRE OS MINI-POEMAS DE MENINA SÓ

L. C. Vinholes

04.02.2025

Desde meados da década de 1950, fui apreciador das coisas pequenas e simples, inicialmente em música e depois na pintura, literatura e nas artes plásticas.  Pequenas no seu corpo, no espaço ocupado e simples na sua concepção, na sua estrutura, no seu resultado final. Por isto, cheguei a declarar que acreditava na possibilidade de um som que valesse uma sinfonia e de uma sinfonia que estivesse enclausurada em um som. No campo da poesia, sem dúvida a prática da leitura e feitura das quadras e tercetos tradicionais da literatura ocidental e as incursões pelo mundo dos haicais, principalmente o dos publicados na monumental antologia de 1936, Obras primas da poesia antiga e moderna, de Asataro Miyamori, despertaram meu interesse pelas cousas concisas.

Durante muitos anos, estudei a fundo o haicai japonês e aqueles escritos em português, inglês, francês e espanhol. Quanto a estes cheguei à conclusão de que, por mais que pretendessem ao mundo que almejavam e embora muitos fossem trabalhos de exemplar beleza e de indiscutível valor, nada tinham da originalidade do haicai nipônico, não apenas na forma, mas também no conteúdo. Minha vivência no Japão e meus conhecimentos da língua não me permitiam tentar escrever em português aquilo que, com o passar do tempo, acreditei ser possível apenas quando escrito na língua que lhe deu origem.

Esta minha convicção, que vem desde a década de 1960, não deve ser confundida com a aceitação ou a não valorização daqueles haicais que os não japoneses escreveram em seus idiomas. Pelo contrário, apreciei trabalhos de inúmeros autores como, só para exemplificar, o ex-presidente da Academia Brasiliense de Letras Antonio Carlos Osório que, cuidadosamente, chama seus mini-poemas de Quase Hai-Kais (1992); e, confirmando minha posição, iniciei os lançamentos da Editora Shin Nippaku que criei no Japão para divulgar a cultura e as artes brasileiras, com a pequena brochura 8 Haikais de Pedro Xisto[i] (1960), autor que dedicou a este gênero literário todo seu saber, erudição e habilidade. Dele tenho cartas manuscritas[ii] das quais constam preciosos originais de alguns dos seus haicais mais conhecidos.

Como sempre fui interessado em formas econômicas, minimalistas, encontrei na beleza e forma dos nomes femininos japoneses, o arcabouço formal de estrutura poética pequena. Os primeiros resultados desta experiência, com mini-poemas de quatro linhas, foram divulgados em modesta publicação datilografada e com cópias mimeografadas intitulada A Gui(n)za de Despedida, com doze páginas e oito mini-poemas, distribuída pouco antes de deixar Tokyo pela segunda vez (agosto/1977) rumo a Ottawa. Foi a maneira que encontrei para fazer registro daquilo que durante tanto tempo foi objeto de meus interesses.

 

Cumpre registrar que quando compus a peça Tempo-Espaço VIII, em 1974[iii], intercalei os cinco versos de um dos meus mini-poemas nos interválos das seis partes que a compõe:

                                                          rio das pedras

                                                          ilha redonda

                                                          pequena ilha

 

                                                                         o fruto

 

                                                           menina irmã

 

Mesmo em terras canadenses, sem nunca diminuir meu interesse pela cultua japonesa, continuei a produzir meus mini-poemas que resultaram na publicação do polievroma - amalgama de poema e livro -, menina só pela Massao Ohno Editor, com o apoio da Aliança Cultural Brasil-Japão de S. Paulo. Embora a boneca do menina só estivesse pronta em 1981, só em 27 de outubro de 1994 saia da Gráfica Palas Athena a edição de 1.000 exemplares.

O lançamento dessa publicação deu vida ao trabalho de pesquisa que realizei durante muitos anos em busca de uma forma poética pequena que me desobrigasse a seguir o mesmo caminho de tantos outros poetas. Nela, um por um dos mini-poemas, estão sempre nas páginas da direita que são intercaladas por páginas que exibem uma nuvem densa, inicialmente formada pelo monossílabo repetido 26 vezes, e que, a medida em que se prossegue na leitura, vai se dissipando até chegar ao isolado que conclui o polievroma. As páginas da esquerda, dos mini poemas é a dos sós, sempre com espaços vazios que fazem parte da estrutura total, ícones de um silêncio que permite preparar ao leitor ao acesso à próxima leitura.

                                                                                                                              Escolha dos nomes

A escolha dos nomes femininos para servirem à criação das estruturas dos mini-poemas foi feita de maneira aleatória, sem uma escolha com parâmetros pré-concebidos, mas simplesmente aproveitando aqueles que encontrava nas informações do dia a dia veiculadas pelos jornais, pelas rádios e televisões, bem como em todo material impresso ao qual tivesse acesso.

Os nomes são escritos com ideogramas variados e ricos em forma e conteúdo, compondo um universo singular. Além disso, os predicados e valores pessoais das portadoras dos nomes adrede selecionados constituem ingrediente adicional somado àqueles do significante.

 

Como exemplos, temos aqui os nomes de uma dançarina, de uma tradutora de surdos mudos, de uma atriz e de uma vítima de assassinato, romanizados como se romaniza no Japão:

 

                                         Matsusaka Yoshiko (dançarina)

                                         Yamawaki Yumiko (tradutora de surdos mudos)

                                         Shimakura Chiyoko (atriz)

                                         Haraoka Hoshiko (recepcionista)

                                         Miyata Sanae (moça assassinada)

 

Note-se que três destes quatro nomes terminam com a sílaba ko (kanji) procedimento padrão comum na grafia de grande percentual dos nomes femininos. No Japão medieval não era comum ser utilizada a terminação kimi (kanji). Durante meus 14 anos de Japão, conheci apenas uma mulher com o nome terminando em kimi, uma gueixa idosa trabalhando em famoso restaurante na região de Shizuoka.

 Para dar um exemplo de como iniciava a construção de um mini-poema, segue a análise, do ponto de vista semântico, de cada um dos ideogramas do nome de Matsusaka Yoshiko:

 

                                               Matsu = pinheiro

                                               Saka = ladeira ou descida

                                              Yoshi = feliz

                                              Ko = menina, filhote

 

que resultava em um mini-poema como este:

 

                                                                    o pinheiro

                                                                    a ladeira

                                                                     a dança

 

                                                                              menina alegre

 

 

Nos mini-poemas construídos depois, como os que compõem o menina só, acrescentei um verso a mais, entre o terceiro e o quarto versos, resultando em um mini-poema de cinco versos. O verso acrescentado dizendo respeito a algo que de singular, de específico, de característico, de icônico na vida da mulher portadora do nome escolhido. Exemplo desta nova fase é o mini-poema utilizado na composição Tempo-Espaço VIII, já citada.

 

polievrome

De onde saiu a palavra/adjetivo/substantivo ou coisa que o valha “polievroma”? Na realidade é simplesmente o intercalar das sílabas das palavras que formam “poema” e “livro”, conforme mostra o gráfico seguinte.

 

po   e       ma

li   vro

                                                                                                                                                  polievroma

Foi a maneira pela qual pretendi qualificar a reunião destes pequenos poemas que vão fluindo intercalados à nuvem de sós que os representa e que se dissipa à medida em que se adentra a própria obra. Não se trata, apenas, de uma coletânea de pequenos poemas, mas de um encadeamento de mini-poemas que se confundem com a própria estrutura do livro, todos eles tendo como linha condutora ao seu final esta mesma nuvem de sós que, no fundo, são os próprios mini-poemas isolados, ou cada uma das meninas sós nas suas realidades, em cada uma das suas páginas individuais.

                                                                                                     O que dizem Moacyr Cirne e Álvaro de Sá

Aqui, gostaria de lembrar o que diz artigo de Moacyr Cirne a Álvaro de Sá[iv], mencionando as preocupações que diferenciaram as três correntes da poesia de meados da década de 1950.

                                      1) “A simbólico-metafísica, cujo principal representante foi Ferreira Gullar, e que desembocaria no neoconcretismo”, tendo como preocupação “a expressão”;

2) “A de rigor estrutural, compreendendo os integrantes do grupo Noigandres - atuando dentro do concretismo - e seus continuadores”, preocupando-se com “a construção”;

) “A de linguagem matemática, apresentada por Wladimir Dias-Pino, precursora do poema/processo”, preocupando-se com “a função”, tendo como “primeiro exemplo AVE... elaborado a partir de 1954 e lançado em abril de 1956”.

egundo Cirne e de Sá, esta seria “a base com que as três correntes atacaram o problema do livro, sendo a primeira vez no Brasil considerado como uma parte inseparável do trabalho intelectual, e que é, em última instância, a diferença existente entre a poesia-livro, o poema-livro e o livro-poema”.

Ainda conforme estes autores, “A poesia-livro é a incorporação do livro como elemento de expressão às palavras que compõem o poema”. Citando Ferreira Gullar em artigo no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (SDJB), de 22.03.1959, os autores transcrevem o seguinte “nessa experiência, poema e livro mantêm entre si uma relação meramente circunstancial, mas estão de tal modo integrados que é impossível distinguir-los: poema e livro nascem num só e mesmo ato, uma vez que o impulso que determina as palavras e sua posição na página determina também o formato da página e os cortes. O uso preferencial que fazemos do verso da página é determinado pela necessidade de apresentar palavra sucessivamente, mas também acumulando-as no presente: um presente feito de camadas de tempo”.

E continuando, “Já “no poema-livro o livro é subordinado à estrutura do poema e isto se prende à conceituação que se faz do espaço gráfico: O espaço a que nos referimos é o espaço de organização do poema. O campo gráfico, aquilo que Mallarmé chama de o branco da página, conforme Haroldo de Campos no SDJB, em 27.10.1957. O fato de o poema ter o livro como suporte é secundário, conforme podemos ver pela falta de referência ao problema em toda a Teoria da Poesia /concreta. Acresce ainda que é conhecida a posição dos poetas do grupo Noigandres de afirmação de que o livro está no seu fim, segundo o pensamento de McLuhan. Subordinando-se à estrutura, os peões noigandres cogitam de diferentes veículos para seus poemas.”

, finalmente, “O que caracteriza o livro-poema é a fisicalidade do papel como parte integrante do poema, apresentando-se como um corpo físico, de tal maneira que o poema só existe porque existe o objeto (livro)”. E continuam “A intenção do livro-poema não é a produção de um objeto acabado, mas, através de sua lógica interna, formar o poema durante o uso do livro, que funciona como um canal que, no seu manuseio limpa a leitura fornecendo a informação, possibilitando assim um novo explorar em nível já de escrita sobre o livro limpo: recuperação criativa dos dados informativos (versão)”.

Não vejo e nem tenho a pretensão de encaixar meu menina só em uma das três categorias do que resulta dos conceitos acima transcritos. Razão pela qual criei a expressão polievroma que um jovem escritor gaúcho que conheci em Milão chegou a acreditar tratar-se de uma palavra grega para definir algum tipo de criação literária clássica. Talvez o poli das duas primeiras sílabas desse “neologismo” possa, perfeitamente, ter sido por ele tomado como o radical grego designando diversidade, pluralidade.

 

A ilustração

Desde que nos conhecemos em agosto de 1957, Kenzo Tanaka e eu tínhamos o costume de compartilhar ideias e discutir proposições as mais variadas. Quando ele viu pela primeira vez a boneca do menina só por ocasião da visita que fez a Ottawa (março de 1978) e tomou conhecimento do processo de sua criação, propôs ilustrá-lo com sumie do ideograma ko (å­), mas na sua grafia fonética (ã“) em hiragana[v].

 

Logo surgiram as cinco propostas, uma das quais serviria para a capa da publicação.

 

 

       

       

       

 

 

Mas, em 1985, na visita que fiz ao Japão, discutimos a possibilidade de utilizar não apenas uma das propostas, mas sim quatro delas nas capas e contracapas. Uma deveria ser eliminada e determinadas quais ficariam nas capas, quais nas contracapas. Esta tarefa coube a Michiko Tanaka[vi] que decidiu eliminar a que figura a seguir:

 

 

 

 

 

 

Porque tanto tempo da concepção ao lançamento

 

Dois motivos fizeram com que o lançamento de menina só, demorasse tanto tempo. Primeiro, porque, durante minha estada no Canadá, não vi nenhuma razão que justificasse o lançamento do meu trabalho em um ambiente onde o conhecimento da realidade brasileira é por demais insuficiente e o da língua portuguesa se resume quase que totalmente ao da colônia luza no Oeste do país. Segundo, porque, desde que Kenzo Tanaka foi envolvido no resultado final do polievroma, com as ilustrações que gentilmente ofereceu, eu decidira tornar público o menina só, em uma ocasião na qual ele estivesse presente. E isto foi planejado para setembro de 1996 quando ele visitaria Brasília. Meu artigo “Lançamentos de menina só tem os detal

 

[i] The Rengo Press Ltda. The Japan Biographical Resarch Department. 09.09.1960. Pedro Xisto Pereira de Carvalho (Limoeiro PE 1901 - S. Paulo SP 1987), formado em Direito, publicou seu primeiro haikai no Diário Nippaku de S. Paulo (1949). Ensaísta e poeta, autor de Poesia em Situação (1960), haikais & concretos (1960), caminho (1979) e Partículas (1984).

[ii] Todas essas cartas, mais as da correspondência entre Pedro Xisto e Genaro Muciollo, num total de 89 itens, foram doadas ao então Centro de Referência Haroldo de Campos para Poesia e Literatura, da Casa das Rosas, em São Paulo.

[iii] Tempo-Espaço para flauta, piano, violão, caixa de madeira, gongo (pequeno e grande), tam-tam, pratos suspensos e voz composta entre agosto e setembro de 1974. Primeira audição em 24.09.1974 no OAG Hall do Instituto Geothe, em Tokyo. Concerto de Música Nova: Noite de Música de Vanguarda. Flávia Magalhães (flauta e voz), Yoichi Misaka (violão), Awami Goro (piano) e Tanaka Yasunori (percussão).

[iv] Publicado na revista Vozes, ano 65, nº3, de abril de 1971, p. 33-44, da Editora Vozes, reproduzido em 1977, no livro Vanguarda-Produto de Comunicação, de Álvaro de Sá, da mesma editora.

[v] Hiragana, um dos dois silabários fonéticos usados na grafia do texto em japonês.

[vi] Michiko Tanaka (1925-1993), professora de chyanoyu - cerimônia do chá -, da escola Ura-senke, esposa de Kenzo Tanaka.

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