Via de regra, ao nos depararmos com esta pergunta, reportamo-nos quase sempre a contextos escolares, programações acadêmicas, o ir ou não ir bem na escola, esquecendo-nos completamente da aprendizagem mais ampla, daquela que nos alicerça na vida, cujos primeiros fundamentos são ministrados dentro da estrutura familiar. Apesar de tão pouco lembrada, é a partir justamente desta aprendizagem que vamos nos estabelecendo como pessoas, firmando nossa identidade, fortalecendo ou não nosso autoconceito.
Aliás, esta aprendizagem é responsável não só pelo crescimento e desenvolvimento destes aspectos pessoais, como também por tudo aquilo que diz respeito à cultura e à sociedade, incluindo as emoções e os sentimentos. Se gostamos de feijoada, é porque aprendemos a saboreá-la; se o jovem "se liga num rock", é porque aprendeu a gostar deste tipo de música. O próprio conformismo mediante a má sorte que persegue os nordestinos por exemplo, fazendo-os conviver de perto com a perda de dois ou três filhos, é outro sintoma que fala a favor da aprendizagem, atingindo a área emocional.
A partir destes exemplos, podemos seguramente generalizar e perceber o quanto a aprendizagem faz parte do nosso dia a dia, numa relação conjunta com o meio externo, que sem dúvida estará nos dando feed-back o tempo todo, sobre nossos acertos e desacertos, fazendo com que nos dirijamos por este ou por aquele caminho.
O interessante é notar que, muitas vezes, os objetivos claros e explícitos acabam passando para o segundo plano (sem esta intencionalidade), ocorrendo uma aprendizagem muito mais advinda do subjetivo do que daquilo que se gostaria de ter ensinado.
Busco um exemplo dado pelo professor Lindgren, que reputo como bem apropriado como ilustração: imaginemos que determinada mãe, por considerar-se presente e zelosa, além de ter chegado à conclusão de que seu filho é o "mais inteligente do mundo", tenha resolvido iniciar o treino das fraldas. Sempre que achava que ele estava com vontade de urinar ou evacuar, oferecia-lhe o famoso "piniquinho"; sempre que ele sujava as fraldas, ela o repreendia e sempre que ele urinava ou evacuava corretamente, ela o aplaudia. Isto aconteceu por meses e meses. Paulatinamente, Joãozinho foi se sujando menos e sua mãe ficando mais satisfeita com seus progressos, embora tivesse lançado expectativas de que seria um processo mais rápido. Finalmente, por volta de um ano e oito meses, um ano e nove meses, ele começou, rotineiramente, a fazer uso adequado do pinico, tendo galgado portanto, o sucesso. Com isto, dona Maria se congratulou pelo trabalho intenso que havia feito, colhendo agora os frutos de tanto esforço.
Pois bem, mesmo considerando a vitória, o que Dona Maria não sabia era que teria conseguido o mesmo intento, num tempo muito mais curto e com menos desgaste, se tivesse começado a agir mais tarde pois, por uma questão de imaturidade fisiológica, a criança só consegue o controle dos esfincteres a partir de 18 meses. No início, nas ocasiões em que Joãozinho correspondeu à expectativa materna, tratou-se, na verdade de uma aprendizagem dela (mãe), que aprendeu a reconhecer os intervalos da eliminação. Na verdade, o garoto não estava ajustando seus processos físicos às exigências da mãe; ela é que estava ajustando suas próprias exigências ao ritmo do processo físico do filho.
Isto quer dizer que não houve aprendizagem por parte do Joãozinho? Houve, houve sim: ele aprendeu que a mãe ficava ansiosa quanto ao funcionamento do seu intestino; ele aprendeu que a mãe o olhava, o observava, agitava-se ao seu redor; ele percebeu que algo ligado à eliminação desenvolvia um quadro característico no ambiente.
Não mencionarei a ótica psicanalítica, em relação aos distúrbios que poderão ocorrer ou o significado que isto tem, mediante este exemplo (controle esfincteriano), por não achar pertinente, tendo em vista ter sido usado apenas como um exemplo de aprendizagem.
Esta é uma descrição típica do que acontece no nosso cotidiano, principalmente em relação à infância e à adolescência. Aliás, somos muito mais susceptíveis à internalização de fatos que nos são passados subliminarmente, do que daqueles com intuito claro. Pergunto: quantos de nós conseguem recordar-se do conteúdo ministrado na segunda ou terceira série? Praticamente ninguém; mas, não é difícil relembrar a figura doce ou severa, rígida ou tênue, da professora que ministrava as aulas.
É óbvio que não se podem negar as características genéticas de cada um, biologicamente estabelecidas, chamadas por alguns autores de temperamento. No entanto, o que se deve levar em conta é como a criança vai reagir ao ambiente e como este ambiente está agindo sobre este indivíduo; esta relação, que vai fundamentar também os aspectos emocionais, é que se chama de aprendizagem. Não se deve perguntar por que a criança bate o pé mediante o "não" à bolacha e sim observar como a criança reage ao lhe ser negado o alimento; será através da "leitura" que a criança faz da aprovação ou reprovação que ela vai se apropriando dos conceitos que fazem dela, formando passo a passo sua auto-imagem.
Muito mais perceptiva do que nós, os adultos, a criança vai reagir exatamente de acordo com as expectativas que lançamos, fazendo o seu jogo particular: ao querer agradar, atua no sentido de colher aprovação; ao querer irritar, atua com sabedoria impar com os aspectos negativos, pois com certeza aprendeu a selecionar as atitudes com muita precisão.
Não são raras as vezes em que atuamos incoerentemente e mais uma vez afirmo que o que se capta com muito mais rapidez é o que subjaz à fala ou seja, gestos, expressão facial, tom de voz, etc.. O pai pode dizer "não pode bater na mamãe" e isto repercutir como aplauso, apesar do "não" estar inserido na frase, caso o tom de voz seja ameno, o olhar seja de cumplicidade e o sorriso de aprovação, "achando graça".
Apesar de existirem excessões, na maioria das vezes, é o ambiente e as pessoas que rodeiam a criança que "ensinarão" a ela ser mais ou menos peralta, mais ou menos agressiva, aluno mais ou menos disciplinado. É através das expectativas que lhes são lançadas que a criança vai reagir, de um jeito ou de outro. Se o pai acha "lindo" o filho ser extremamente peralta, agirá de forma a incentivá-lo, chegando mesmo a fazer comentários na sua presença: "Ah! Este menino é muito danado...!" Sem dúvida, a criança desenvolverá atitudes que correspondem literalmente a este atributo. O mesmo acontece ao ser considerado ótimo aluno: necessitará ter sempre notas altas para não falhar.
Por serem os pais, geralmente, figuras muito fortes, se esta correspondência entre a expectativa e a ação não ocorrer, poderá surgir o sentimento de culpa; sendo assim, a evitação a este quadro é a grande propulsora para que as expectativas se cumpram: não vou decepcioná-los; se vivem dizendo que ninguém me aguenta... que sou burro...etc., realmente assim serei.
Receita pronta não temos e a teorização ou conselhos são muito simples de serem formulados ou oferecidos; sendo assim, meu intúito é apenas um convite no sentido de repensar quanto as mudanças que poderão ocorrer, mediante a possibilidade de resposta à pergunta: até que ponto minhas reações não estão enraizadas em desejos meus e, mediante este reconhecimento, ponderar se será isto benéfico para ele ou não.
Não estou destituindo pais e educadores do direito de terem metas e objetivos; no entanto, como chegar lá e como acoplar suas necessidades culturais e/ou pessoais às peculiaridades da criança, eis a questão pois, repito: muitas das chamadas "características pessoais" foram fruto de aprendizagem.
E é difícil aprender? É, quando há incoerências, quando há distorções, quando há aplausos na tenra idade e punição em idade mais adiantada, para uma mesma atitude.
É difícil aprender quando, para satisfação do mundo adulto, a criança tem que atuar deste ou daquele jeito...
É difícil aprender quando não somos aceitos pelo que somos...