MONUMENTO DE MARY VIEIRA AOS PRACINHAS
L. C. Vinholes
08.02.2025
Entre 1996 e 1999, como responsável pelos assuntos culturais e de informação do Consulado-Geral do Brasil em Milão, acompanhei o trabalho da escultora Mary Vieira na confecção das peças que formariam o monumento por ela criado em homenagem aos soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e os tramites para celebração do contrato com a firma italiana a ser escolhida para sua construção.
Em 4 de abril de 1997, em nome do Consulado-Geral do Brasil em Milão, visitei a região de Gaggio Montano, Província de Bologna, para entregar ao advogado Francesco Berti Arecovaldi Veli carta do presidente Fernando Henrique Cardoso agradecendo o terreno por ele doado para a construção do monumento “Libertação: Monovolume e Ritmos Abertos”, da mineira Mary Vieira.
Naquela visita, o relato do advogado que mais me impactou foi quando ele se referiu à cena nas proximidades de sua casa dizendo que “certa manhã, os soldados brasileiros nas várzeas de Gaggio Montano, local de uma das mais sangrentas batalhas e de fortes nevadas, foram encontrados abraçados, em círculo, mortos pelo frio”. Meu anfitrião lembrou também que, inúmeras vezes, os soldados brasileiros compartilhavam o farnel que recebiam com as crianças que deles se aproximavam.
Anos depois, lendo a série Arquivos de Guerra, publicada no Correio Braziliense, de 24 a 28 de agosto de 2008, encontrei o que lembrava o marechal Mascarenhas de Morais: “não só a inaptidão dos recrutados, mas também os sacrifícios passados pelos pracinhas com o frio intenso nos campos de batalha e a coragem e bravura nos momentos cruciais.”
No Dicionário Histórico do Centro de Pesquisa e Documentação (CPDOC) de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), encontrei, no verbete da biografia de Mary, informações que mereciam correção. Rezava que o monumento teria sido erigido em 1999, e não em 1995, em Gaggio Montano, Província de Bologna, quando, na realidade fora em Monte Castelo, Província de Perugia. Entrei em contato com o CPDOC/FGV[i] e solicitei a devida correção.
Em 1 de fevereiro de 2006[ii] recebi mensagem da equipe daquele Centro, informando que o verbete não constava da obra por mim indicada. Ato contínuo, atendendo ao pedido recebido, dia 2 do mesmo mês e ano, esclareci que minha intervenção tinha apenas intenção de colaborar e reiterei os termos de minha mensagem anterior, reconhecendo que me equivocara, mas ponderando que o tema Os Anos JK está na News Letter nº 33, de 12.01.2006, tinha biografias[iii], inclusive a de Mary Vieira.
Em e-mail de 6 de fevereiro, a equipe do CPDOC formalizou pedido de colaboração: “Caso o Sr. conheça algum site especializado que reúna os dados biográficos de Mary Vieira, agradeceríamos se puder nos sugerir.” Respondi com uma minuta, resumindo a biografia da artista, citando que as fontes utilizadas foram o material que nos últimos 40 anos recebi - a conheci no Japão em 1962 -, catálogos de suas mostras e informações que figuram no site CCBB do Banco Central e de tantos outros que encontrei via Google. Concluí manifestando minha esperança de ter colaborado para o valioso trabalho da prestigiosa instituição.
Ainda em fevereiro de 2006, no Boletim de Notícias Verde Oliva, Ano XXVII nº 165, encontrei os mesmos equívocos e agi da mesma forma, revendo a menagem que encerrou nosso proveitoso diálogo: “Muito obrigada pela sua valiosa contribuição sobre a biografia de Mary Vieira. Sua intervenção é muito bem-vinda, pois o CPDOC está sempre preocupado em disponibilizar ao público somente informações de caráter fidedignas. Agradecemos a atenção e esperamos que as suas visitas ao portal sejam bastante frequentes e possam lhe render bons frutos.”
Mary Vieira e suas obras
Mary Vieira nasceu em São Paulo em 30.07.1927, foi educada em Minas Gerais onde, desde muito cedo, dedicou-se às artes plásticas sendo hoje considerada uma pioneira da arte cinética. De 1943 a 1947, foi colega de Amilcar de Castro e Farnese de Andrade Neto nas classes do escultor neoconcretista Franz Weissmann e de Alberto da Veiga Guignard, criadores da escola de arte moderna em Belo Horizonte, em 1948. Desde 1951, viveu em Milão (Itália) e em Basiléia (Suíça) onde estudou com Max Bill e veio a falecer em março de 2001. Em 1952, iniciou sua participação no movimento concretista do Grupo Allianz, em Zurique (Suíça). Seu primeiro "multivolume" foi exibido em Sabará, Lambari e Poços de Caldas (MG), entre 1944 e 1946. Na XXXIV Bienal de Veneza, exibiu a retrospectiva com seus "polivolumes" criados entre 1948 a 1968. No Brasil, sua obra mais significativa é o Polivolume Ponto de Encontro (1970), com 230 lâminas de alumínio que permitem interação do espectador, em exibição permanente no Saguão do Palácio Itamaraty, em Brasília, sobre o qual Rubens Richter fez documentário para ser apresentado na Bienal de Veneza. Em 1953, recebeu na II Bienal de São Paulo o Prêmio Escultor Brasileiro do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; e, em 1966, o Prêmio Internacional Marinetti para Pesquisas Plásticas de Expressão Cinevisual, parte das celebrações do 20º aniversário da fundação dos Salons des Réalités Nouvelles, no Museu Municipal de Arte Moderna de Paris. Em 1957, casou-se com o crítico e poeta de vanguarda italiano Carlo Belloli com quem desenvolveu intenso trabalho intelectual e esteve no Brasil em 1996, sua última visita. Mary dedicou-se também ao desenho e à questões urbanísticas. O logos do Banco Central do Brasil é de sua autoria. Dentre seus trabalhos destacam-se Intervolume Flexibéton (1975), em concreto armado, situado nos jardins do Hospital Municipal da Basiléia (Suíça); Polivolume: Conexão Livre (1953), homenagem a Pedro de Toledo, erigido no Parque do Ibirapuera, em São Paulo; Polivolume: itinerário hexagonal, metatriangular de comunicação táctil (1968), na Biblioteca da Universidade da Basiléia, onde foi professora da Kunstgewerbeschülle; e o aqui citado Libertação: Monovolume e Ritmos Abertos. No Brasil, suas obras estão nos acervos do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - Coleção Gilberto Chateaubriand -, Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado e Museu de Arte Moderna de São Paulo.
A placa de bronze
Em 7 de outubro de 1996, pouco antes de retornar ao Brasil, em companhia de Mary Vieira e do Cônsul-Geral do Brasil em Milão, Guilherme Leite Ribeiro, visitei o monumento de Mary Vieira em Gaggio Montano no qual está afixa a placa de bronze com as armas do município e os seguintes dizeres, em italiano:
COMUNA DI GAGGIO MONTANO
1845 – 1993
AL GLORIOSI SOLDATI DELA
“FORÇA ESPEDICIONÁRIA BRASILEIRA”[iv]
NEL ANNIVERSARIO DELLA BATAGLIA DI
MONTE CASTELLO
LA POPOLAZION GAGGESE RICONOSCENTE PER
LA RICONQUISTATA LIBERTA
APRILE 1995
Visita ao IBRIT
Em 15 de abril de 1999, Mary Vieira e seu esposo Carlo Belloli[v] visitaram o Instituto Brasil-Itália (IBRIT) onde, com paineis, publicações e documentos, se realizava a exposição de poesia concreta brasileira.
Último encontro
Em 12 de setembro de 1999, véspera de terminar minha missão no Consulado-Geral em Milão e do retorno a Brasília, visitei ao doutor Berti, tive oportunidade de, mais uma vez, subir os degraus da escada de pedras que leva ao segundo andar, rever sua herdada biblioteca de publicações antigas, ricamente encadernadas, e ouvi-lo, saudoso, recordar momentos por ele vividos nas suas viagens a São Paulo.
[ii] . Registre-se que em 2006, já aposentado, encontrava-me no Brasil.
[iv] A guisa de homenagem, na placa e italiano, o nome da FEB, está em português.
[v] Carlo Belloli (19022-2003), poeta crítico de arte, pertenceu à última geração de poetas futuristas.
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