GIL NUNO VAZ E AS OBRAS PARA O POEMA ES TU DO ES TU DO
L. C. Vinholes
31.05.2025
Em correspondência datada de Santos, de 21.02.2007, o compositor Gil Nuno Vaz e eu recordávamos quem fora nosso elo de ligação no início da década de 1960. Lembramos de Luzia Helena Carlos de Oliveira, sua colega de trabalho na promissora fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo (SP), empresa da qual se desligaram em 1983. A arquiteta paulista fora minha contemporânea em Tokyo, na época em que fomos bolsistas do Ministério da Educação do Japão.
A mesma correspondência teve continuidade com parágrafo sucinto sobre assunto que tratávamos há algum tempo e que foi o objeto de nossos interesses que aqui compartilho com os leitores.
Os comentários e observações de Gil Nuno Vaz sobre suas obras permitem perceber a dedicação e a minuciosidade do seu trabalho como compositor.
“Com relação à partitura de es tu do es tu do[i], datada de 1979, talvez valha a pena fazer algumas observações:
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e s t u
e s t u d o
e s t u d o e s
e s t u d o e s t u
e s t u d o e s t u d o
“Esse seu poema já me levou a escrever cinco peças”.
“Três delas (1976, 1979 e uma cuja data não assinalei, mas acredito que foi entre esses dois anos) estabelecem ligações com o sistema de doze tons[ii], por um lado (estudo estudo são 6 letras x 2 vezes), e por outro lado com os procedimentos de espelhamento / retrogradação de tons. Essa à qual v. se refere propunha ao(s) intérprete(s) construir(em) a(s) sua(s) parte(s). Nesse sentido, a pauta vazia era só uma referência. Uma parte de piano precisaria de mais espaço gráfico. Realmente, a partitura não trazia muitas instruções. Apenas a sugestão de duas possibilidades de interpretação: o A e o B, conforme a leitura do poema começasse do alto ou da esquerda. Cheguei então, na época, a fazer algumas recomendações à parte (também não muito didáticas). Não sei se você tem essas instruções”.
“Nesses dias de descanso[iii], entretanto, me deu vontade de me colocar na posição de intérprete (canto e piano) e busquei escrever uma possível aplicação das instruções. Resultou em um “es tu do es tu do” (1979, rev. 2007)”.
“A segunda peça (1976) eu reescrevi recentemente (em janeiro), após remexer em minhas partituras antigas. Como a parte vocal é dificílima de afinar (não há pontos de apoio de fácil referência), resolvi transformá-la em uma fala entoada, deixando apenas a indicação das alturas como referência de ondulação melódica. E confiei a melodia antes atribuída ao canto a um instrumento de sopro (flauta, preferivelmente)”.
“A terceira peça, sem data, é um jogo de cancrizans[iv] e espelhamento, algo que considero uma curiosidade”.
“As duas outras, das cinco peças, foram escritas respectivamente em 1990 e 1996. Nelas, procurei associar trechos do poema com períodos históricos da música ocidental. As duas composições foram apresentadas pelo Madrigal Ars Viva, e a segunda está gravada no disco Música Nova para Vozes (2000), do Ars Viva. Achei que a primeira ficou muito complexa, complicada, e a segunda fiz com a intenção de achar uma solução mais concisa, mais enxuta”.
“Enfim, o seu poema me acompanha já por mais de 30 anos, e a companhia continua me agradando”.
[i] Poema de 1961, publicado na capa da Revista Sem Nº 3, de 12.06.1961, de Kobe, Japão, dirigida pelo poeta Ken Yamaguchi (1956-2011); figurou da Antologia de Poesia Concreta Brasileira da revista Design nº 27, p. 30, de dezembro de 1961, em Tokyo, com layout de parceria com o arquiteto Alex Nicolaeff; foi exibida na Exposição na Biblioteca Morisset e no Pavilhão Simard da Universidade de Ottawa, de 04.11 a 02.12.1983, e na Biblioteca Roberts da Universidade de Toronto, em janeiro de 1985.
[ii] O dodecafonismo é a técnica criada por Arnold Shoenberg (1874-1951).
[iii] Referência ao período do Carnaval de 2007.
[iv] Termo musical que significa "cânone de caranguejo" ou "cânone retrógrado.
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