A M O R
L. C. Vinholes
22.07.2025
Há algum tempo, às vésperas de encerrar suas atividades em pequena cidade do sul da Bahia, a profissional amiga decidiu pedir que escrevesse algo para ser lido na reunião de despedida dos seus colaboradores. Perguntei se tinha algum tema específico e a resposta foi rápida: “não, não tenho, mas gostaria que fosse algo que todos possam entender”.
Não creio que todos possam entender, mas são muitos os que se vêm frente a frente com o tema ao qual dei preferência.
Acontece que o tempo passou, a justificativa para o pedido que me foi feito perdeu razão de ser, quem fez a encomenda mudou de endereço e os que com ela trabalharam se esparramaram por outros estados. Dias destes, encontrei a minuta do que havia escrito e que, agora, sem dúvidas e perda de tempo, compartilho com quem se dispuser a ler esse texto que ficou sem título, mas com o tema que escolhi. Vejamos.
Não sei se me pediram ou se foi algo que imaginei ser possível, ou seja, escrever sobre amor.
Não há nada mais simples do que o que está nestas quatro letras, mas, ao mesmo tempo, nada mais difícil e complicado do que nelas é implícito.
Amor não é produto que se compre ou venda, se troque ou se guarde. Amor é algo que está ao nosso alcance, ao nosso, redor, na nossa vida, no dia a dia.
O amor anda sempre à procura de quem possa ser seu repositório, até que o encontro se concretize. Às vezes é busca sem fim.
Parece-me que sobre amor não se fala, não se escreve, o amor só se vive quando se pode. Às vezes à sós, às vezes aos pares, outras de forma plural, entre os que nos amam, que nos apoiam, que nos seguem, que não nos abandonam, os parceiros, a família, os colegas, os jovens, a prole.
Amor do amanhecer, do fim de tarde sombria, à luz de velas, em cima do papelão, ao luar, no quarto vazio e único da periferia.
O amor se vive quando se tem alguém, objeto do nosso amor. Às vezes o objeto do amor não aprendeu a amar e não sabe que é amado. O amor espera por nós.
Todos nós, indiferentes ao gênero, à cor, ao saber, à classe, sem ainda ter dado recebemos amor desde os nossos primeiros momentos. E quem doou? Foi aquela quando ofereceu seu seio aos lábios inocentes do seu primeiro rebento.
O poeta registra a vivência do amor não em quatro letras, mas sim em quatro versos:
Saber se te quero bem,
Se tu me queres de fato,
É saber se a fonte vive
Separada do regato.
Terminado o texto do artigo que nunca foi lido, registro que escrevi essa quadra quando era rapazola, em data que não recordo, mas posso afirmar que é a última das Treze Quadras que estão com a data de outubro de 1952, à página 104, do mono exemplar artesanal da antologia Retrato de Corpo Inteiro, na qual reuni o que poetei de 1957 a 2007.
Respeitando o direito dos curiosos, não deixo sem plateia as dez que ficaram sem público.
I[i]
É tão bom ter um amor
Que nos ame e queira bem,
É o ramo ter uma flor
E a flor um ramo também.
II
A covinha do teu rosto
Olhando fico encantado,
Hoje eu queria morrer
Se nela fosse enterrado.
III
Nas ondas do teu cabelo
Meu olhar morre afogado,
Na covinha do teu rosto
Junto serei sepultado.
IV
Todo o amor é como a vida,
Uma passagem somente
Onde a mulher mais querida
Brinca de amar com a gente.
V
O coração é um tesouro
Por muitos não cobiçado
Que, em troca de prata e ouro,
O deixam sempre de lado.
VI
A lua nasce pras[ii] trevas
E a fonte pro mar também
E tu nascestes, parece,
Para mim e mais ninguém.
VII
A solidão é um encanto
Que os sábios gostam de ter,
Para ouvir a voz e o canto
Da consciência e do saber.
VIII
Nosso amor é uma pedrinha
No cofre do coração
Que se ganha com carinho
E se dá por gratidão.
IX[iii]
Três rosas e três sorrisos
Três perfumes sedutores,
Fizeram de ti, meu bem,
A rosa dos meus amores.
X
Do merlo[iv] o doce trinado,
No romper da madrugada,
Não tem a mesma doçura
Do cantar da minha amada.
[i] As onze quadras reunidas em uma só data, foram pulicadas em 1952 em dias e meses diferentes, conforme segue: I (21.09), II (08.10), III e IX (09.10), IV (06.09), X (10.10) e V, VI, VII, VIII (em datas não registradas).
[ii] Junção da preposição para e o artigo as, de uso informal
[iii] A quadra IX foi publicada no jornal A Opinião Pública, de Pelotas, em 21.11.1952
[iv] Merlo ou pássaro preto, da família Turdidae, conhecido por seu canto mavioso.
|