COMO ESCONDER ESCÂNDALOS
L. C. Vinholes
23.07.2025
Que desde muito jovem tenho o costumo de guardar recortes de jornas e revistas e de qualquer outra fonte com informações que suponha relevantes à minha (in)formação pessoal ou para subsidiar algo que venha a tratar, costume que não posso negar ou esconder e que não surpreende a grande maioria dos meus mais próximos, amiga(o)s. Até hoje, não fui diagnosticado de disposofobia, o transtorno de acumulação compulsiva.
Lastimo registrar que nas décadas das minhas muitas mudanças de endereços – e de continentes – muita coisa foi reunida, mas muita coisa também foi extraviada, perdida definitivamente, a maior parte por culpa minha. As vezes tomo cuidados excepcionais, é o caso dos recortes dos jornais japoneses e canadenses, com textos em japonês, inglês e francês, onde encontrei inclusive poesias que traduzi para o português, como prático exercício de aperfeiçoamento dos idiomas.
No Japão o mercado em língua inglesa para notícias é dividido entre os jornais The Japan Times, The Yomiuri Daily New, The Mainichi e o Asahi Evening News. Neste artigo dou destaque especial à coluna deste último jornal chamada Vox Populis, Vox Dei = 天声 人語 = Tensei Jingo = Voz Celestial Palavra do Povo, para nós, simplificando, Voz do Povo Voz de Deus.
Esta conceituada coluna sempre foi de responsabilidade do jornal, nela não são divulgados os nomes dos jornalistas autores dos textos, mesmo que tenham comentários apimentados, sérios e críticas contundentes.
Para que não haja equivoco quanto minha apreciação do Japão, antes de dar prosseguimento ao artigo de hoje, quero, com satisfação, lembrar nomes de Mulheres e Homens - assim mesmo com H e M maiúsculos -, que lá encontrei, com os quais foram construídas amizades duradouras, amiga(o)s de quem sempre me orgulhei, diferentes daqueles previstos no recorte com título Como Esconder Escândalos.
Mais pela ordem cronológica dos primeiros encontros do que por outra razão, registro nomes que guardo na memória daqueles com os quais tive o prazer e a honra de conhecê-los e tenho sempre o prazer de lembrá-los por tudo de válido que foi feito, sem restrição alguma: Gagyu Ueda, Hiroaki Shono, Akira Kado e Juzo Terai, pintores; Hideki Matsumoto, Reiichiro Okamura e Saburo Kawahara prefeito e vice-prefeito de Suzu; Kikuko Kanai, compositora okinawana, Masami Kuni a quem devo minha indicação para a bolsa de estudos que me foi concedida; Haruo e Yoshie Kadoya, diretor da Escola Primária Ohtani; Akiko Naka, Esiyun Tanaka e Shiro Tsudaka ,professores guias dos estudantes da visita a Pelotas em 1992; Ryoukou Tabata e Keizo Osama da prefeitura de Suzu; Katsue Kitasono, Etsushi Kiyohara, Shohachiro Takahashi, Motoyuki Ito, Katsuhiko Okasaki; Iwamoto Shuzo, poeta de vanguarda, líder do Gruo Almée; Seiichi Niikuni, Hiro Kamimura, Yukinobu Kagiya, Fujitomi Yasuo, Toshihiko Shimizu, Shutaro Mukai, Shukuro Habara, Uchida Toyokiyo, Horiuchi Reiko, Kawamura Yoichi, Jyo Yoko, Kobayashi Kunio, Shinoki Kooichi, Horiuchi Reiko, Shimizu Toshihiko, Takemura Kotaro, Uemura Yutaka, Tsuji Setsuko, Kawamura Yoichi, Akira Yutaka, Minamikawa Shuzo, Tesuka Hisako, Shimizu Masato, Uchiyama Tomiko, Kishida Eriko, Fujieda Teruo, Takada Toshiko, Yamada Norio, Yamada Masahiro, Osada Akira, Noguchi Masamichi, Akiya Yutaka e Hiramatsu Mitoe, Masahito Shimizu, Toyokiyo Ushida, Akito Osu poetas dos grupos VOU, ASA, SABI e Almée e poetas independentes; Keigo Kaginushi (1966-1974). Shichiro Kurose (19741981), Matasaburo Tani (1981-1985), Mikindo Hayashi (1985-1996), Osamu Kaizo (1996- 2006) e Masuhiro Izumiya (2006-2014), prefeitos de Suzu; Kaori Michishita, secretária executiva da Prefeitra de Suzu; a estudante Yoshika Tabata; Honji Takase, Michio Taniguchi e Tadao Okamura da prefeitura de Suzu; Kenzo Tanaka e Tadao Taniguchi, projetista e paisagista, parceiros da Praça Jardim de Suzu, em Pelotas; Yukiko Asahina, Kahoru Ootaka, Tetuya Karakawa, Keiichi Kitazato, Uchiro Sumi, Tae Maenaka, Hideyuki Taniguchi, Kiyoshi Hashimoto, Minuro Honda, Yosikazu Fukusima, Katsuhiko Fujiwara e Hideko Fujimori, artistas membros dos Grupos TAO e ISPAA; Kanichi Kasagi, Sueyoshi Abe, Hiroharu Sono e Hisao Tanabe, mestres em “gagaku”, música antiga da côrte japonesa; Miyo Sato, Eizo Nakayama, Inoshi Hiro, Hiromi Yamamoto, Izumi Harumoto, Satoru Ishida e Motoko Nakajima, artistas, galerista e apoiadores do singular Kaoru Kubota, poeta e ceramista criador dos “to””tin” “kan” que descobri e apresentei aos japoneses, mediante artigo ilustrado na Revista Desing n° 5, 1962.
Não só a imprensa do Japão, mas também a do Brasil, não pouparam espaço para noticiar eventos, exposições e atos diversos registrando a seriedade e a repercussão positiva do que fizeram e no que colaboraram os nomes que constam do parágrafo anterior. Às edições em jornais já citados somam-se, entre outros, os Sankei Keizai Shinbun, Hokkoku Shinbun e Nihon Keizai Shinbun, um dos maiores do país.
Graças a circunstâncias muito especiais, tive oportunidade de encontrar um dos jornalistas anônimos. Takeshi Suzuki brasileiro naturalizado, professor catedrático da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie (FAU), de São Paulo, foi a Tokyo reencontra seu ex-colega de curso primário, amigo que há muito não via. Num desses encontros não só conheci ao jornalista, mas aproveitei do seu trabalho para conseguir frequentar o Departamento de Música do Palácio Imperial e ali estudar com os mestres Sueyoshi Abe e Hiroharu Sono. Na mesma coluna acima citada, foi publicado artigo com pedido das providências que eu esperava e que tornariam possível fazer o que me havia comprometido para merecer a bolsa de estudos a mim concedida pelo Ministério da Educação.
Voltando ao que diz o artigo do Asahi Evening News, peço todas vênias para compartilhar por inteiro o que guardei por quase 50 anos, visando mostrar que o lodo e o lixo do mundo político nos extremos do eixo Japão-Brasil era e continua o mesmo. Aqui como lá, os que se acham espertalhões, intocáveis, “imbroxáveis” e insubstituíveis mudam de nome, mas, na realidade, são sempre iguais ao se chafurdarem nos seus “quadradinhos”, não importando seus níveis, seus títulos, patentes e posto. Para eles LIXO é LUXO.
How to hide scandals - Como esconder escândalos
Aqui, compartilho ipsis litteris o texto do jornalista anônimo do Asahi Evening News, acompanhado de uma versão em português.
Original em inglês
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Tradução em português
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Vox Populi, Vox Dei
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Voz do Povo, Voz de Deus
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“Reizo Matsuno, ex-diretor-geral da Agência de Defesa[i], teria recebido cerca de ¥100 milhões de ienes por ano da Nissho-Iwai Co. na época em que havia uma competição acirrada para vender o segundo FX (caça a jato) para a Agência de Defesa. Ele aceitou recentemente um total de quase ¥500 milhões de ienes e não declarou o dinheiro como fundos políticos. A explicação que ele dá agora, "Que esse dinheiro consistia em contribuições puramente políticas", não pode ser aceita como verdade absoluta.
“Embora se diga que "o escopo e a profundidade do escândalo das aeronaves são grandes e muitas pessoas estão envolvidas", os promotores não conseguiram indiciar nenhum político por recebimento de propina. A barreira da prescrição é muito espessa. Surge a pergunta: quando os chamados memorandos Kaifu surgiram, por que os promotores não realizaram uma investigação completa?
“No entanto, o escândalo mais recente nos ensinou lições valiosas sobre como esconder escândalos.
“(1) É necessário ter em mente o alerta de um ex-primeiro-ministro de que "filtragem" inadequada resulta em escândalos envolvendo verbas políticas. Para que dinheiro sujo pareça transparente, o filtro deve ser cuidadosamente verificado.
“(2) Se alguém for suspeito, deve repetir, "Não sei nada sobre o assunto" e, às vezes, recorrer à violência contra os cinegrafistas, reforçando assim a impressão de que a mídia de comunicação de massa é culpada por fazer tanto alarde sobre o assunto.
“(3) Mesmo que os dirigentes de empresas comerciais sejam intimados perante o Poder Legislativo e presos, os políticos devem agir como se o assunto não lhes dissesse respeito e assumir a posição de que os políticos estão fora da jurisdição ordinária. Devem informar ao povo de que o direito especial daqueles que são meramente suspeitos de serem ignorados se aplica apenas aos políticos.
“(4) Políticos, seus secretários e outros envolvidos em escândalos devem preparar com antecedência o hospital em que serão internados e o nome da doença que anunciarão quando forem encurralados.
“(5) Mesmo que seja demonstrado conclusivamente que receberam grandes somas de dinheiro, eles não devem hesitar, mas devem repetir que são "puros" e "inocentes".
“(6) Devem ridicularizar qualquer tentativa de autocrítica dentro do partido e apelos pela reforma da estrutura do dinheiro e do poder político como argumentos adequados para estudantes. Devem opor-se com todas as suas forças à ideia perigosa de que o poder investigativo da Dieta deve ser fortalecido.
“(7) Devem também opor-se a qualquer revisão da Lei de Controle de Fundos Políticos, que aboliria as contribuições políticas de empresas e forçaria políticos individuais a revelar suas receitas e despesas.
“(8) Devem ignorar a opinião pública que pede a extensão do prazo prescricional em caso de suborno de três para dez anos.
“(9) Para que os procuradores não ataquem a corrupção nos círculos políticos, não devem de forma alguma concordar com qualquer aumento do número de investigadores.
“(10) Eles não devem negligenciar a tomada de medidas que aumentem o número dos politicamente apáticos que não se zangam nem se surpreendem, independentemente de quantos escândalos ocorram. (16 de maio).
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"Raizo Matsuno, the former director-general of the Defense Agency, is reported to have received around ¥100 million a year from Nissho-Iwai Co. Around the time there was fierce competition to sell the second FX (jet figther) to the Defence Agency. He secretly accepted a total of nearly ¥500 million and did not report the money as political funds. The explanation he is giving now, “That money consisted of pure political contributions”, cannot possibly be accepted as face value.
Although it is said that “the scope and depth of the aircraft scandal are great and many people are involved,” the prosecutors were unable to indict any politicians for receving bribes. The wall of the statute of limitations is very thck. The question arises: When the so-called Kaifu memorandums appeared, why didn´t the prosecutors make a thorough investigation?
Nevertheless, the latest scaudal has taught us valuable lessons about how to hide scandals.
“(1) It is necessary to bear in mind the warning of former prime minister that inadequate “filtering” results in scandals involving political funds. To make dirty money look clean, the filter should be carefully checked.
"(2) If one is suspected, one should repeat, “I know nothing about the matter,” and should, at times, visit violence on cameramen, thereby strengthening the impression that the mass communications media are at fault or making such a big fuss about the matter.
"(3) Even if trading firm officials are summoned before the Diet[ii] and arrested, politicians should act as if the matter does not concern them and take the position that politicians are outside ordinary jurisdiction. They should inform the people that the special right of those who are merely suspected to be overlooked is applicable only to politicians.
"(4) Politicians, their secretaries and other connected with scandals should prepare in advence the hospital they will enter and the name of the illness they will announce when they are driven into a corner.
"(5) Even if it is conclusively shown that they received huge sums of money, they should not flinch but should repeat that they are “pure” and “innocents.”
"(6) They should laugh off any attempt at self-criticism within the party and calls for the reform of money-power structure of politics as arguments fit for schoolboys. They should oppose with all their might the dangerous thinking that the investigative powers of the Diet should be strenghtened.
"(7) They should also oppose any revision of the Political Funds Control Law which would abolish political contributions from companies and which would force individual politicians to reveal their incomes and expeditures.
"(8) They should ignore public opinion which is calling for the period stipulated in the statute of limitations to be extended in the case of bribery from three years to 10 years.
"(9) So that the prosecutors will not put the knife to corruption in political circles, they absolutely should not agree to any increase in the number of investigators.
"10) They should not neglect taking steps which will incease the number of the politically apathetic who do not became angry and surprised no matter how many scandals occur. (May 16)[iii].
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Finalmente, sou levado a concluir que, como antes, o tempo passa e o lado avesso do comportamento humano continua a desapontar e a produzir o que de pior se possa imaginar e ter.
Recordo que quando, pela segunda vez, cheguei ao Japão, em 1974, se falava sobre as notícias relativas à obstrução da justiça para impedir a investigação do que ficou conhecido como o Caso de Watergate, o pífio envolvimento do primeiro ministro recebendo propina da Lockheed Corporation Traders Gesturing at Tokyo Stock Market, evento que terminaria com a primeira e única renúncia de um presidente estadunidense.
[i] Até 15.12.2006 o que se chamava Agência de Defesa do Japão passou, em 09.01.1007, a ser o Ministério da Defesa do Gabinete do Governo Japonês.
[ii] Dieta Nacional = 国会 = Kokkai) é o poder legislativo bicameral do Japão, composto pela câmara baixa e câmara alta chamadas, respectivamente, Câmara dos Representantes e Câmara dos Conselheiros.
[iii] Esta data consta do final do artigo publicado no Asahi Evening News e corresponde ao dia que o autor entregou seu texto ao jornal, neste caso, véspera da publicação.
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