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Artigos-->Terra de Zé ninguém -- 11/06/2002 - 09:22 (Haroldo Pereira Barboza) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Poucos Zé s e muitos marcos.



Dizem as más (e as boas também) línguas que este é o país dos Zé s. Desde Alberto até Zenóbio (passando por Mané) temos milhões de José s como precedentes. Não é difícil comprovar este fato. Basta uma contagem ligeira nos cartórios do país.

Já a contagem de "marcos" (José Marco não é difícil de encontrar) será mais difícil de contabilizar. Temos o sentimento de que a menção desta palavra vem de muito antes do arroto do Ipiranga. A cada evento que mexia com os sentimentos do povo, uma personalidade pronunciava esta palavra com ênfase e emoção, dando a impressão de que a partir daquele instante, o sentimento de civismo seria forte o suficiente para unir o povo numa cruzada em busca da dignidade pisoteada pela falta de caráter de seus dirigentes.

Até onde nossa memória permite, eis alguns "marcos" recentes (com menos de 10 anos de vida) que tendem ao esquecimento até mesmo pelos que sofreram diretamente com o evento que provocou seu "nascimento" (José Nascimento também é um nome comum).

1) Quando derrubaram Collor, afirmaram que ali estava o marco de uma nova era em nossa administração pública, com o fim da corrupção no governo federal. E como resultado, aqui estamos lamentando o aumento da falência de todas as áreas sociais em função da corrupção que se alastrou em todas as esferas de governo a céu aberto.

2) Quando o plano Real foi lançado afirmaram que ali estava o marco de recuperação da economia de nossa pátria. Que finalmente o povo passaria a ter meios de viver de forma digna, com redução da miséria em função do aumento da produtividade. E como resultado, aqui estamos em segundo lugar no índice de desemprego mundial (só perdemos para a Índia), com a suspeita dívida externa 12 vezes maior do que há 8 anos.

3) Quando o Bateau Mouche afundou com mais de 100 personalidades a bordo, afirmaram que ali estava o marco no tocante à segurança da navegação brasileira, nos rios e em nossas costas. E hoje, continuamos de costas para o problema. Não só no que se refere às viagens sobre as águas, mas no desleixo em relação às viagens por estradas, segurança contra incêndio e limpeza de hospitais.

4) Quando um laboratório colocou comprimidos de farinha contra a gravidez (ao preço do original, claro) afirmaram que ali estava o marco de uma nova era na fiscalização da saúde em geral. E como resultado, temos venda de camisinhas furadas, aumento desproporcional de medicamentos, compras ultrafaturadas de remédios pelos hospitais públicos e abuso por parte dos planos de saúde que deixam morrer pacientes com um dia de atraso na mensalidade.

5) Quando o Palace II (à base de areia e cola) de Sérgio Naya desabou na Barra da Tijuca matando 8 pessoas afirmaram que ali estava o marco da construção civil. E hoje, o autor da proeza continua solto sem ter quitado todas as indenizações devidas, assim como outros pilantras do mesmo quilate que continuam construindo armadilhas de baixa qualidade que desabam periodicamente.

6) Quando a P36 da Petrobras afundou matando 11 petroleiros patriotas afirmaram que ali estava o marco que determinaria uma nova conduta de qualidade dentro das empresas públicas. Mas o processo de desmantelamento das mesmas continua no sentido de desvalorizar seu preço para a ocasião do leilão-doação.

7) Quando o índio Pataxó foi covardemente queimado em Brasília por filhotes da elite afirmaram que ali estava o marco da recuperação da Justiça desmantelada. A condenação dos criminosos representaria um exemplo de que ela trata com vigor aos pobres e aos ricos. Acreditamos que o juiz Lalau deve estar recuperando seu vigor para em breve arquitetar novos desfalques nas contas públicas.

8) Quando o Prefeito Daniel foi barbaramente executado afirmaram que ali estava o marco para impulsionar as forças da Lei no sentido de combater o crime que já havia esticado seus braços sobre os gabinetes das autoridades de nossa terra. Outros Prefeitos, líderes de entidades e comunidades já foram eliminados e os gabinetes continuam comandando trânsito livre de armas e drogas por nossas fronteiras.

Agora, o corajoso Tim Lopes foi executado cruelmente. E alguém já disse que este é o marco que vai determinar a liberdade não só da imprensa (que não se rendeu nem à ditadura) como de toda a nação, que está começando a considerar normal ser comandada pelos criminosos de armas de fogo – já está acostumada com os que usam a caneta.

Até o momento só deu para perceber que este fato abafou o caso do cantor Belo. E que tende a ser esquecido logo com a ênfase que a própria imprensa dará ao final da novela Clone, aos "comoventes momentos" do Big Bobo Brasil e aos candidatos às eleições, que a partir de agora começarão a abraçar idosos, beijar criancinhas de rosto sujo e a montar em jegues mancos.

E de marco em marco, vamos afundando no charco.





Haroldo P. Barboza – Matemático, Analista de computador e Poeta – Maio / 2002

e-mail : hpbchacra@bol.com.br e hpbflu@terra.com.br

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