À moda dum prólogo, esclareço : é bom convivermos num Website e ir registando algumas anotações que nos enriquecem, para mostrarmos aos cibernautas que neste âmbito virtual, não se desfaz com sucesso a praga dos Chats que muito tem vitimado a Internet, e cria no leitor a ideia que trabalhar num micro-computador se reduz à banalidade e a pesquisas de Biblioteca. Detesto esses chats horrorosos que por aí se expandem com uma ligeireza de espantar, onde se agride, namora à socapa, linguareja com calão e língua deturpada. Será esta uma maneira de reduzir a linguagem a abreviações mecânicas, criptas, a uma nova forma sincopada aferética apostrófica de estabelecer relações? Sem os instrumentos e meios necessário ao belo relacionamento?
Começo então por dizer que a arte não precisa de ser triste. Falamos da sua génese.. A arte precisa é de ser. Simplesmente ser. Triste ou alegre ou simplesmente contida, ela tem que ser acima de tudo. Ela não tem destino, mas cada temperamento adopta sintonizando a sua potência mais íntima… Não há leitores para um único tema ou acorde e há fãs que não se misturam. E o próprio autor também tem momentos alegres e tristes, e neles dá-lhes um pendor e traduz o que pensa ou finge fugir-lhe na e da alma. Já aqui falámos anteriormente do fingidor.
Se houver por cá algum fermanófilo, delicie-se com este extracto de Fausto de Goethe, explicando depois, o sentido do que transcrevo:
Ach, dass die Einfalt, dass die Unschuld nie
Sich selbst und ihren heil’gen Wert erkennt!
Dass Demut, Niedrigkeit, die höchsten Gaben
Der liebevoll austeilenden Natur …
Nesta tirada de Fausto dialogando com a Margarida, estamos em presença dum texto que mostra bem o aproveitamento dos grandes sabedores da natureza humana, em relação às pessoas que vivem na sua santa ignorância ou na obscuridade. As pessoas simples. A humildade e a obscuridade associadas seriam para Fausto os bens mais preciosos da natureza benfazeja. Benfazeja para ele, está bom de ver. A simplicidade e a inocência não devem nunca conhecer, diz o sedutor, nem saber apreciar a sua santa dignidade! Santa para Fausto, que avança pela conquista do coração vulnerável e indefeso.
Também Gil Vicente trata com simpatia a simplicidade, nos seus Autos, nestes poucos se salvam e vão para o Céu, mas o parvo (parvo naquele tempo queria dizer o simplório – sem esta carga semântica, que se costuma dar na actualidade), tem sempre lugar ao lado de Deus, porque é aproveitado pelos espertos para perpetrarem e conseguirem os seus fins mais depredadores. Por habilidades, especulações, fingimentos, perícias contabilísticas os exploradores do trabalho e das riquezas da Terra fazem com que os parvos sejam excluídos do banquete, e só o proveito e o lucro estejam destinados aos espertos que armazenam quase todo o lucro. O destino de Margarida é morrer na peça, ela não se defende das investidas que tendem a aprisioná-la numa redoma de particulares interesses que lhe limitam o espaço e a emoção. E como não se desprende, e não se torna viva e liberta e capaz de impor igualdades, o seu fim é lógico, a sua salvação é a morte. Tem de morrer pela mão de Goethe e pela falta de espaço na tecitura da peça, porque o seu raio de acção e a sua energia são diminutos. É lógico que seja o narrador a matar a sua personagem porque ela se morre de asfixia na ambiência textual. A verdadeira dimensão da liberdade e da libertação no caso para que foi criada, é mesmo a morte.