Machado de Assis já dizia, em Esaú e Jacó, que o olho do homem serve de fotografia ao invisível.
Não sei até que ponto essa máxima "machadiana", se é que pode ser considerada assim, é procedente ou não, o caso é que ela se fez verdadeira.
Ora, quem mora em São Paulo - terra de encantos e desencantos mil - ou em volta e meia vê pessoas vendendo doces e toda sorte de bugigangas nos
semáforos e esquinas da vida.
Ele dirigia seu carro e ia pelo mesmo caminho que eu. Paramos emparelhados no semáforo, onde havia um homem numa cadeira de rodas prestes a nos dar
uma lição, e das mais dignas.
Eu não comprei as balas, nem as outras bugigangas que me foram oferecidas, a propósito são raras as vezes que compro alguma coisa no farol. As vezes
que fiz isso foi mais por compaixão do que por vontade de consumir o tal produto. Tenho comigo que muitos, uma grande maioria, faz o mesmo.
E ele abriu o vidro e estendeu uma nota de dez reais. O vendedor notou a mão estendida e foi prestar seus serviços - forçando os braços para mover a cadeira - no corredor da avenida deixado por tantos carros.
O dono do carro deu o dinheiro e disse que não queria as balas.
O vendedor disse: "Estará ajudando mais se pagar 1 real pela mercadoria"
Mas não quero as balas?
"Obrigado por sua ajuda, mas o senhor precisa entender que eu estou trabalhando. Se quer ajudar compre meu produto".
O dono do carro cedeu: "Tá bom, quero comprar"
"O senhor não tem trocado? Não tenho troco para dez?"
"Não, eu não tenho"
"Então pode levar: depois o senhor passa aí e paga"
Meus olhos fotografaram, como na frase de Machado, a alegria de quem sabe o que é necessário fazer para vencer.