Anos antes, no Memorial de Chambrieh, da família Treifforthine...
- Mamãe... Estás a me dizer que ela virá, então...? -O jovem Turrieh escovava seus cabelos negros, enquanto se mirava no espelho de sua penteadeira. Os perfumes estavam espalhados pelo balcão pomposo, seus olhos azuis e calorosos fitavam o próprio reflexo. Aparência de anjo, lábios de demônio, o mais belo e jovem herdeiro da fortuna dos Treifforthine, mas o filho mais moço, depois de Edgard.
- Sim, Turrieh... Marrieh deve estar aqui logo pela manhã, não demorará... Não sei o que há...
- Do que fala? -Turrieh se virou, girando seu corpo sob a cadeira macia com assento de veludo vermelho. Sua mãe, uma mulher bela, de meia idade, estava sobre a cama a ler alguns livros. Assim que ele o fez, ela o fitou vagamente. Transparecia uma certa impaciência.
- Filho adorado... Tu estás tendo algum envolvimento amoroso com sua prima? -Ela foi direta, mas ainda o fitava. Turrieh não acreditava que pudesse chegar a tanto.
- Mãe...! O que é isso... -Ele fingiu não se enrubescer, mas os olhos de sua mão não o fariam mentir... Talvez omitir. Era fato de que Marrieh morava longe... Eram vizinhos, mas não era o caso da moça visitá-los constantemente, e logo depois de estar frente a frente com o belo Turrieh... Também era verdade que Marrieh e ele ficavam sozinhos pelo campo, e era fácil encontra-los, a própria senhora Treifforthine já os viu em contato, um contato suspeito.
- Turrieh, tu estás apaixonado por Marrieh? Diga-me...
- Não acho que seja realmente necessário isso, minha mãe. -Evasivamente ele se virou para o espelho, mas ainda a via no reflexo.
- Eu temo que seja... Já que não me parece algo oficial, exijo uma retratação de sua parte.
- ...
Turrieh poderia dizer de todo aquele sentimento que tomou conta de seu jovem coração, agora, duas semanas atrás ou mesmo seis meses atrás, quando a viu pela primeira vez. Seu rosto delineado pelos cachos louros e embebido em brilho, suavidade e elegância. Uma boca jovem e meiga, rosada e muito doce, tanto quanto o mel. Ela tinha o encanto de uma sereia, parecia olha-lo como a ninguém mais.
- Turrieh, estás me ouvindo? -Perguntou sua mãe ainda deitada sobre a cama.
- Como? -Ele saiu do transe, havia se fixado demais nas lembranças.
- Estás então apaixonado, como imaginei. -A senhora Treifforthine disse, lamentosa.
- Mamãe, não ponha palavras em minha boca. -Ele terminou de escovar seus cabelos e deitou a escova sobre a penteadeira. -Está sendo por demais incestuosa.
- Incestuosa? Minha pessoa? Turrieh, tu pensas em sua prima como a mais bela criatura da face da terra, e que mal à nisso? Não há qualquer pecado, mas deve se retratar.
- Não pode simplesmente exigir uma retratação por algo que imagina.
- Então é apenas imaginação? -Ela se apoiou sobre o punho e ergueu-se na cama, levantando-se e indo em direção ao rapaz, segurando no encosto da cadeira. Os cabelos de Turrieh percorriam os entalhes da madeira polida e tocavam nos dedos macios de sua mãe. Ela respirou fundo e tocou a cabeça dele com seu queixo, pesando um pouco. -Filho... Por favor,... Tu sabes, deve haver uma retratação antecipada. Não desejo que se casem sem antes proclamar um noivado... Ou ainda pior do que isso, ela se case acompanhada do filho que vocês possam ter.
- Mamãe!! -Ele exclamou indignado. -Como pode dizer isso?!
- Meu filho, eu tenho o dever de educar para que não ocorra um escândalo. Seu pai tem algumas encomendas de soja e isso pode atrapalhar.
- ... A soja... -Ele disse insólito... Soja era tudo que importava naquela família... Mas estaria tudo bem por ele, já que amava Marrieh, estaria disposto a dizer a todos os pulmões, mas ela não desejava... Ela queria esperar uma certa data que parecia distante... Tinha segredos em relação à isso, mas por mais que fizessem, Marrieh nunca deixou que ele dissesse que estavam enamorados. O porquê era um mistério...
O dia estava calmo e ensolarado, Turrieh havia recebido Marrieh, todos na casa haviam saído para a caçada à raposa e felizmente ele se encontrava a sós com a dama mais uma vez.
Os criados abriram o estábulo para que a charrete se instalasse. Marrieh domava o único corcel que movimentava o transporte, logo que parou Turrieh a estava esperando na entrada do lugar. Os criados haviam saído sorrateiramente.
- Marrieh... Que bom que está aqui. -Ele sorriu brandamente, apoiando-se na porta velha de madeira.
- ... Parece que estás sempre a me esperar, Turrieh. -Ela sorriu doce, deixando o chapéu felpudo em cima do banco. Sem mais, desceu, colocando os pés precisamente onde devia. Logo deixou seus sapatos de veludo tocarem o feno que impermeabilizava o assoalho... Correu na direção do primo e o abraçou calorosamente, agarrando-o com seus braços finos. Entre dois amantes não há limites.
- Pra sempre te esperarei, meu amor. -Ele a agarrou pela cintura, sentia os dois corações batendo muito perto um do outro.
- Turrieh... -Ela olhou em seus olhos, pedindo que a beijasse.
- Marrieh, eu te amo. -Ele a beijou vigorosamente, deixando-a amolecida em seus braços juvenis. Em pouco tempo estavam se embolando nas pilhas de feno, deixando que seus corpos se sentissem sem se importar com as roupas, com o desconforto ou com o que quer que fosse. Estava se amando como sempre, e sentiam que tinham que viver cada emoção desses encontros furtivos.
Pelo menos ele sentia isso...
Depois de sentirem todo o fervor da carne, se deitaram e relaxaram da forma que podiam, sobre Marrieh estava Turrieh, a observando como se ainda fosse a primeira vez.
- Tu és linda.
- Diz a verdade ou só estás me agradando? -Ela tocou em seu rosto, brincando com as pontas dos dedos.
- Não mentiria nunca pra ti.
- Não?
- Nunca... Tens minha honra. -Ele a beijou no canto dos lábios. -Meu desejo...
- Fale... -Olhava o horizonte atrás de Turrieh, aplainando pela porta aberta do estábulo.
- Desejo retratar nosso amor.
- Nós temos um amor retratado...
- Eu digo, publicamente. -Falava docemente e pausado... Era um amante cálido, mas tinha no coração uma infantilidade ingênua.
- Publicamente? Eu já havia lhe dito o que penso a respeito...
- Não desejo isto só... Mamãe me disse a respeito...
- Turrieh, eu lhe disse que prefiro esperar.
- O que devemos tanto esperar, que será mais importante que isto?
- ... -Ela o olhou nos olhos. Ficou esperando um tempo.
- ... E então? -Olhava-a nos olhos igualmente, aflito.
- Eu desejo esperar a maioridade Turrieh... -Soou falso.
- Maioridade? Isto só ocorrerá pra mim e pra ti em três anos!
- Temos de esperar...
- Mas qual o motivo?
- Não desejo perder algumas propriedades da minha família. -Disse seriamente, poderia ser verdade. Embora... Mesquinho.
- Tu não se casarás comigo, há de esperar três anos para ter terras?
- Tu me entendes.
- Embora há de convir que... Por Deus, Marrieh! -Ele se ergueu e se postou de pé, cruzando os braços. Seu coração batia forte. Marrieh parecia distante agora.
- São apenas três anos... -Ela disse vagamente, arrumando os cabelos louros com as mãos. -Se tu não me esperar eu nunca mais amarei novamente.
- ... Então isso é sério...? -Ele se virou para fitá-la.
- Minha família há de me mandar com seu irmão mais velho para Londres. Eu farei companhia, embora tenha que tratar de terminar meu ensino. Edgard cuidará de assuntos financeiros para titio.
- Eu sabia que ele iria, mas não sobre ti.
- Decidiram a pouco. Mamãe propôs que eu findasse o curso de piano. Tu sabes o quanto é distante. Devo ficar um ano sem ver-te.
- Primeiro me diz que são três anos sem poder me retratar com meus familiares, viveres de mentira, e agora estás a me dizer que nesse intervalo vai estar viajando... Que quer que eu pense, sinceramente Marrieh.
- Não sei... Mas se entregar seu amor à outra pessoa eu o mato.
- Está louca? -Ele arregalou os olhos.
- Eu não estou a brincar. -Ela caminhou seriamente para a charrete, segurando-se nos apoios e subindo corajosa.
- Marrieh... Eu entrego meu amor pra ti todas as noites, mas estás a me dizer que me matará... -Ele riu sem graça, forçado.
- Entenda da forma que desejar, primo. Eu estarei partindo hoje à noite. Diga-me adeus... Só me verá em um ano. Portanto... Seja preciso. -Fria como sempre.
- ... Marrieh... -Ele se aproximou dela, tocando em seu vestido volumoso. -Te amo. Volte para mim, e eu juro que nunca deixarei de te amar.
- Tenho que voltar então para que continue me amando? -Ela sorriu, mas parecia séria no que dizia.
- Eu te amarei eternamente.
- Turrieh... Espere. -Ela tateou suas roupas e logo encontrou um pequeno pacote feito em veludo, preso com um barbante. Pôs nas mãos de Turrieh. -Eu quero que use isto. Sempre.
- Do que se trata? -Ele abriu e ficou surpreso. Era uma espécie de anel, mas não metal. Era formado por um emaranhado de gravetos flexíveis, era muito curioso.
- Coloque em seu dedo... -Ela olhava, sua pupila brilhava... Parecia muito interessada.
- Estou agradecido, Marrieh. -Ele colocou o anel, que deslizou com um pouco de dificuldade ao longo de seu dedo fino. Logo estava perfeito.
- Não me agradeça... -Ela sorriu.
- Senhor! Parece uma bruxa me passando um encanto! -Ele brincou.
- Pare de brincadeiras sem graça! -Ela ficou irritada, impulsionando o cavalo com um agitar nas rédeas. A charrete deu de ré, deixando Turrieh solitário no estábulo. Logo, ele não via mais Marrieh, havia desaparecido no horizonte.
Turrieh não conseguiu entender onde sua querida Marrieh queria chegar. Para ele, a doce garota era a perfeita dama, sua princesa eterna. Mas... Aquele anel era por demais estranho, como diabos ela havia o feito?