Os anos passaram arrastando-se numa lentidão terrível para o jovem Turrieh... Seu coração preso a um amor distante...
Turrieh caminhava pelos corredores, era manhã e ele buscava um pouco de luz naquele inverno severo. Julho estava sendo realmente atroz, o frio das pradarias se acolhia nas casas do alto da colina. O Memorial de Chambrieh ficou como um bloco de gelo e lá dentro estava ele e seus pais... Os criados os acompanhavam, mas na mesa do jantar sempre se davam pela falta de Edgard.
Ao passar por uma cortina de veludo, Turrieh escutou um som de risos. Ele não sabia de onde vinha o som, e ele também não lhe era familiar a muito tempo. Começou a seguir assim que se deu pelo caminho a seguir, e trilhando vagarosamente, ele deu-se conta de estar indo em direção do escritório de seu pai. Sem muita pressa, ele aproximou os ouvidos da porta e deu-se a escutar do que se tratavam aquelas gargalhadas, que de uma hora pra outra cessavam.
- Não... Oh, por favor... -Era uma voz feminina.
O rapaz arregalou os olhos quando imaginou se tratar de alguma relação amorosa. Era nítido... Não era apenas imaginação... Logo ele escutou as risadas pararem, e sons de desejo se seguiram, alguns sussurros que calaram o corredor. Seriam dois criados, e estavam utilizando os aposentos dos Treifforthine para suas safardanas pobres. Turrieh arrumou os cabelos com as mãos, eles eram amarrados nas costas com uma fita vermelha, e assim estavam habitualmente. Respirou fundo e tocou na maçaneta. Pensou... Deveria girar e entrar de supetão, porque haveriam de tentar desmenti-lo. Assim, fez como pensou. Colando o ombro na madeira, logo que deixou a peça ceder entre seus dedos forçou a entrada. A porta se abriu e ele entrou sem muito equilíbrio, suas botas negras tocaram o assoalho forrado de carpete delicado. As cortinas fechadas, o ambiente se aquecia pela lareira. Em cima da mesa central, onde deveriam se tratar de negócios, estavam Lucile, uma copeira corpulenta e o Sr. Treifforthine, ambos entregues a uma paixão ardente.
- Deus! -O senhor de meia idade, Hilbert Treifforthine cobriu a mulher com o vestido que cedia pela cintura.
Turrieh não conseguiu pensar em muita coisa naquele momento, a não ser em sua mãe e em seu irmão. Era uma cena tão ridícula e terrível, mas acabaria com o coração de ambos como acabou com o dele próprio. Ele não conseguiu dizer coisa alguma, seu pai veio em sua direção rapidamente. A moça escorregou-se pelo aposento indo se sentar num sofá isolado. Ele não conseguiu olhar para seu pai quando ele lhe dirigiu a palavra.
- Turrieh, isso não foi nada... Você não entende de nada... -Ele tocou o rosto do filho, mas foi o suficiente para rejeitar o toque. Virou o rosto com tanto desprezo que seu pai virou os olhos para a escrivaninha.
- ... -Turrieh baixou a vista fitando o chão. Estava doendo muito em seu peito. Ele conseguia escutar a respiração de seu pai, e até a da moça.
- Filho amado... Perdoe seu pai.
- O que o senhor pensa afinal... Não entendo. -A tristeza tomou sua face naquele momento, os olhos muito vivos tornaram-se rasos d’água.
- Não pode entender... Somente...
- Contarei tudo à minha mãe. -Disse resignado, levantou a cabeça e olhou nos olhos de seu pai.
- Não... -Hilbert falou aquilo quão sério pôde.
- Eu farei isso! -Turrieh gritou um pouco alto, mas foi o suficiente pra que seu pai deixasse todo o peso de sua mão cair no rosto do filho. Tanto poderosa, que fez com que o esguio rapaz cedesse e caísse sobre o chão, sentado. Os lábios róseos se tornaram vermelhos com o sangue que os inflou, entre os dentes brancos pareciam um pecado. Levou a mão à boca sentindo o calor da própria vida escorrendo entre as pontas de seus dedos. Manchou um pouco o babado do punho da camisa. Apenas se levantou e observou o pai friamente. -Eu tenho vergonha do senhor.
- Não diga isso ao seu pai. -Ele levantou a mão novamente, ameaçando um novo golpe.
- Não me dirija a palavra nunca mais em sua vida.
- Vai contar a tua mãe?
- ... -Turrieh empurrou o pai, dando de encontro com o ombro no dele. Passou ao lado do homem corpulento como se o arrancasse definitivamente de sua vida. Olhou para o rosto da mulher por algum momento e depois se retirou. Não escutou sequer um sussurro de ambos dentro do aposento. Turrieh decidiu correr um pouco pra espraiar seus pensamentos, e após algum tempo se encontrava no saguão do Memorial, aos prantos...
A carta de Edgard e Marrieh chegou numa manhã chuvosa enquanto Turrieh e a Sra. Treifforthine estava lendo na sala de jantar...
- Senhora... Chegou uma carta do Sr. Edgard e da Sra. Marrieh. -Lucile a copeira traidora, entregava o envelope nas mãos de sua patroa. O olhar de Turrieh a cercou até onde pôde, o segredo estava como uma bomba após duas semanas de confinamento. O Sr. Treifforthine, muito esperto, foi viajar a negócios.
- Obrigada, Lucile... -Disse a Sr. Treifforthine com um sorriso doce nos lábios. Assim que Lucile os deixou a sós, fechando a porta, a senhora se virou fitando seu filho. -Turrieh...
- Sim, mamãe. -Ele voltou-se novamente para o livro, a literatura da bíblia estava o interessando naqueles dias de tédio.
- E quanto a tu e Marrieh?
- O que tem mamãe... -Lembrou-se imediatamente do anel de gravetos em seu dedo. Ainda estava lá.
- O que houve... Pensei que estivessem em romance... Mas ela partiu. Já faz um ano que estão fora ela e seu irmão e desde eu não escuto-te pronunciar o nome dela dentro dessa casa. -Ela tateou sobre a mesa, pegando delicadamente a espátula de abrir cartas, utilizando-a vigorosamente no envelope.
- Eu lhe disse que não havia romance algum, mamãe. -Disse ele sem se preocupar em dar muita credibilidade. Afinal só o fato de não estar mais com ela naquele momento lhe dava uma distância incrível. O mais particular disso era o anel, pelo qual ele sempre se lembrava dela e vice-versa.
- Mas estive pensando, já tem dezesseis anos.
- O que tem isso mamãe... -Ele virou a folha lentamente, sem desviar os olhos da leitura.
- Deveria cortejar alguma moça. Uma boa moça.
- ... Estive pensando em estudar um pouco.
- ... Veja Turrieh. -Ela abriu a carta por completo, desdobrando.
- O que? -Ele permitiu-se um pouco de atenção, marcando o livro com um dedo e fechando. -Alguma novidade?
- Sim... -Ela parecia um pouco surpresa.
- Leia a carta de uma vez mamãe... -Turrieh estava já um pouco mal-humorado desde que seu pai o fizera aquela humilhação.
- Sim... Claro.
“Sr. E Sra. Treifforthine.
A alguns dias eu e Marrieh tomamos uma decisão e finalmente achamos certo contar à família. Afinal, vocês devem saber o mais rápido possível. Durante esse um ano que passamos juntos na mesma casa nos conhecemos muito bem e agora vamos nos casar. Nós voltaremos mais cedo, provavelmente na metade do ano que vem. Marrieh está esperando o nosso filhinho e logo os avós vão estar com ele nos braços. Marrieh enviou uma carta a família dela também, espero que façam uma confraternização. Nós amamos muito todos vocês.
Edgard e Marrieh Treifforthine”
- ... Edgard e Marrieh Treifforthine. -Terminava de ler.
Turrieh rapidamente levou a mão ao anel de gravetos, tentando tirar inutilmente. Ele parecia enrolar-se e agarrar cada vez mais em sua pele, como uma couraça. Seu desespero foi tão intenso que decidiu sair correndo sem pensar no que poderia acontecer... Ou no que sua mãe fosse pensar... Simplesmente abriu a porta e correu para fora da casa, mas estava chovendo. A única coisa que conseguiu foi chegar na grande varanda, onde a chuva castigava a construção. Trancando a porta atrás de si, ele se recostou na madeira, sentindo a chuva bater em seu peito. Suas lágrimas misturavam-se com as gotas me machucavam seu rosto, tão forte eram. Seus cabelos negros e compridos perderam-se da direção, escorrendo como a água, pelo ombro e pela testa. Seus olhos azuis agora eram um mar de tristeza...
- Maldita... Porque... -Turrieh levou as mãos ao rosto, chorando a plenos pulmões. O anel lhe apertava o dedo, deixando-o quase latejar.