O manicômio político brasileiro de hoje se parece bastante com o venezuelano
de 1999. Em Caracas, a classe política democrática não soube articular um
pacto razoável para derrotar Hugo Chávez nas urnas e, aos poucos, o coronel
foi-se transformando no candidato dos grupos mais pobres e, depois, dos
níveis sociais médios. Quando as pesquisas de opinião já o davam como
vencedor, surgiu e se expandiu como uma epidemia a "síndrome do
revolucionário bom". Era o início da catástrofe.
O que é a "síndrome do revolucionário bom"? Trata-se de uma curiosa fantasia
que consiste em acreditar que os reformadores sociais delirantes não
tentarão levar a cabo seus loucos projetos. É como a negação da realidade
que certos moribundos costumam experimentar. Já que morrer parece ser uma
experiência desagradável, a maneira de enfrentar esse fato irremediável é
acreditar que uma força mágica impedirá que ele aconteça. Em Cuba foram
legiões a opinar que Castro, sob sua máscara e seu discurso, escondia um
estadista prudente. E, na Venezuela de Hugo Chávez, ouvi exatamente o mesmo:
"Trata-se de um revolucionário verbal, que se deixará guiar pela força dos
fatos."
Agora é a vez dos iludidos brasileiros. Como Lula ultrapassou seu teto
eleitoral e talvez seja imbatível, muitos empresários e membros dos setores
sociais médios - os que primeiro sofrerão as conseqüências nefastas desse
apóstolo do terceiro-mundismo - começam a pensar que esse sindicalista
radical, uma vez instalado no palácio do governo, será possuído pelo
espírito de Tony Blair e se comportará de forma razoável.
Por que esperar essa metamorfose? Lula da Silva, como muitos milhões de
latino-americanos, acredita que a economia de mercado é um sistema injusto
de produção e distribuição de bens e serviços. E acredita que a tragédia dos
80 milhões de brasileiros pobres se deve à ganância insaciável dos 80
milhões que não o são e, de forma muito especial, desses 7 milhões que
constituem os níveis sociais mais altos do País. Para o sr. Lula da Silva, e
para todo o seu círculo de amigos, cúmplices e companheiros de viagem
inscritos no Fórum de São Paulo, a tarefa dos governos é elaborar controles
para fazer justiça mediante a repartição forçada da riqueza criada,
estabelecendo padrões igualitários de consumo, e não a de criar condições
para que a sociedade, livre e espontaneamente, produza quantidades cada vez
maiores de bens e serviços.
O que se há de fazer? O sr. Lula da Silva é um revolucionário
latino-americano. Esta é uma espécie muito prolífica surgida no século 20,
com dificuldade de entendimento e refratária à experiência, alimentada por
graves erros intelectuais e assentada numa cômoda explicação de nossas
desgraças baseada no vitimismo, o que lhe provoca uma fúria moral muito
perigosa. A origem está numa velha bobagem formulada por Marx no século 19 para explicar as relações econômicas entre Inglaterra e Índia. Nós,
latino-americanos, somos pobres porque os poderes imperiais nos exploram -
esses ianques, europeus e japoneses canalhas (ultimamente apoiados por
coreanos e chineses) que nos condenaram à periferia do sistema econômico,
obrigando-nos a vender matérias-primas sem valor agregado, enquanto
compramos produtos manufaturados para glória e fortuna das nações situadas
no centro.
Há 30 anos, Fernando Henrique Cardoso, hoje presidente do Brasil, que na
época pensava como Lula, escreveu o manual da seita: Dependência e
Desenvolvimento na América Latina. Com o tempo e muitas leituras, que Lula
não fez, se curou.
Votar em Lula é uma opção legítima. A democracia não pode excluir ninguém
por estar equivocado. O que constitui um disparate é pensar que Lula, uma
vez no poder, vá respeitar as liberdades econômicas e comportar-se de forma
sensata. Por que trairia suas convicções?
Os revolucionários latino-americanos são dirigistas, protecionistas, têm
aversão aos empresários, detestam as nações desenvolvidas do Ocidente - que
culpam pelas desgraças nacionais - e têm uma idéia cômica da elasticidade
dos orçamentos e da capacidade arrecadadora do Estado. Todos crêem que a
qualidade moral dos governos se mede pela dimensão do gasto público, o que
desemboca na inflação e acaba por destruir a economia. Nenhum deles entende como se cria ou malbarata a riqueza. De Perón a Alan García, passando por Allende, pelos sandinistas, por Fidel Castro e Chávez, à esquerda e à direita do espectro político, os revolucionários latino-americanos são especialistas em arruinar seus países em nome da justiça social.
Se os brasileiros vão eleger Lula, convém saberem o que lhes vai acontecer.
Não existe o revolucionário bom, da mesma forma que não há uma espécie
benigna de caruncho. Acreditar no contrário é só um sintoma da "fase de
negação" que antecede a morte inevitável.
O autor é Jornalista e Escritor cubano, é co-autor do livro Manual do