CARTA POR ENTRE AS BRUMAS DA DESOLAÇÃO... Escrevo-te na esperançada espectativa de que me leias e absorvas no íntimo das palavras como se fossem frutos que teu paladar entenda e se apraza a saborear entre a confusa amálgama que me deprime os dias e intenta apedrejar covardemente a alma. Plantado em arenoso deserto pleno de cactos ressequidos e vorazes répteis, derradeiro oásis de mim mesmo, não vislumbro sequer visão idílica que a alucinação produza para me sustentar o alento que sonha alcançar o maná tranquílo e simples dos viços naturais. Os coiotes macerados pelo agreste tórrido, esfomeados e sequiosos, uivam lástimas e agonias predativas sem remissão, comandados por uma hiena tresloucada em impetuosos cios impossíveis, devoram a carcaça fétida do espaço enquanto escouceiam e se debatem com a cova que vão escavando, onde a sucção do tempo lhes diluirá os ossos. As palavras secam vergadas em depaupério a desfazer-se em partículas que me inundam os olhos de opróbrios cegos e virulentos. No horizonte não se divisa uma só verdura para onde valha a pena apontar rumo. A desolação cobre as dunas a encresparem-se tumefactas, rigídas, e delas vem o estertor de um fantasmagórico banquete surreal onde gargalham abomináveis duendes em festim inóspito sem noção humana. Se me leres, ergue-te de palmeira amena para que eu possa sonhar a sombra que me acene, me cubra de ternura e benfazejo frescor, amainando-me o sentido da revolta e extinguindo a indignação que me enegrece os dias e adensa a insónia que me rouba as noites. Alegra-me e sacia-me o coração com uma concha cheia de apetitosa água límpida a borbulhar palavras cristalinas. Serás capaz de fazer isso surgindo do tempo como dádiva inesperada? Torre da Guia
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