Escrevo-te uma carta breve.
Muito tão breve que quase nem valeria a pena escrevê-la.
Escrevo-te para escriturar uma preocupação. Não pequena. Nunca nenhuma preocupação é pequena. Se fosse pequena não era preocupação.
Escrevo-te sem imaginar o teu endereço. Afinal o que te escrevo já não pode ser carta. Não há, obviamente, carta sem endereço. É um escrito e pronto. Aliás o importante é escrever-te. Tu apanhas tudo em qualquer sítio e em qualquer língua. Tu estás sempre, antes e depois. Tu já eras e ainda serás....
Continuo apaixonado por ti, pela tua contraditória leitura das coisas: tu olhas tudo às avessas. A erva do prado verde pode ser uma ópera de Verdi, assim como um concurso televisivo pode ser o jogo da cabra cega.
Tu, Fernando, nunca podes ter um homem dentro de ti. Tens que ter dentro de ti muitos homens: uns grandes outros anaozinhos. Ou então, simplesmente, uma mulher. É nessa oximórica mulher que estou fixado. Mais do que fixado: filado nela com intuitos comestíveis....
A tua sorte é andares perdido e eu não te encontrar. E toma cautelas porque não estarei só nesta procura obceciva. Conhecerás tu uma Rita na tua peugada? Não a Ferro, a Rita Ferro, já demasiado descoberta. É uma outra. Mais pequenina. A Rita Sá. Toma cuidado Fernando, Eu sei
que tu és um azelha com mulheres. Essas cartas que esreves à Raquel Queirós não se mostram a ninguém. Tu não tens juizo. Não se exibem as partes íntimas. Essas cartas são partes íntimas de nós.
Mas eu gosto das pessoas sem juizo. Muito juizo tinha a minha mãe era uma vespa. Já a mãe do Almodovar era uma mãe sem juizo com um encanto que chegava ao outro mundo. Mas tu, além de não teres nenhum juizo és Pessoa. Estás, por isso mesmo, duplamente exposto. Julgo mesmo
que a decifração dos heterónimos tu sempre a iludiste. Particularmente quando os quiseste explicar àquele maricas do Montalvor. Andas para aí a espalhar heterónimos com forma de fugir às responsabilidades. E é por causa dessa dispersão que nem eu, nem a Sónia, nem a Maria César, nem o
Bruno sabemos de ti.
Olha, Fernando, escreve para Usina de Letras e combinamos um encontro. Aposto que ninguém se importará de ir beber uns bagaços contigo a qualquer lado. E tem que ser a qualquer banda.
Porque o Martinho já não existe.
Um grande abraço do teu sempre amigo