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Cartas-->A Daniel Carrano Albuquerque e demais colegas -- 23/07/2001 - 13:52 (Alberto D. P. do Carmo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ser ou não ser politicamente correto

Soube de sua carta através de uma pessoa a quem muito prezo, que trabalha no setor público, e me copied/pasted a referida. Embora ela tenha entendido o objeto alvo do texto, pois é óbvio que me refiro aos "maus" funcionários públicos, sua indignação fez-me pensar em duas coisas.
Primeiro, que seria de bom tom um abrir parênteses para abrigar os "bons" funcionários públicos que, certamente, os temos. Vou alterar o próprio nome do texto para "Desfuncionários Públicos", assim creio que cubro o universo desejado, excluo os competentes do balaio de gatos e, de quebra, quem sabe, acabo criando uma denominação mais adequada aos merecedores da alcunha. E são muitos, caro Daniel. Eu estudei na USP, e lá vi muitos professores meia-boca, acomodadíssimos. Minha filha lá estuda atualmente, e sofre com o mesmo dilema, por parte de professores e funcionários. Isso sem falar nos intermináveis chás de cadeira que eu levei a vida toda pelas repartições e outros órgãos públicos. Portanto, ficam excluídos os veneráveis bons funcionários públicos, certo?
Segundo, e mais importante, vamos dedicar um ou dois dedos de texto a refletir sobre o ocorrido. Sua indignação e, como reação, a ameaça de acionar-me, e de quase, por pouco mesmo, xingar minha mãe e meus pimpolhos. Vá lá, você devia estar soltando fogo pelas narinas depois de ler o texto e, desconfio, se cruzasse comigo naquele momento, provavelmente soltaria um pitibul em meu encalço, fazendo-me passar pelo que passam nossos pobres carteiros.
Eu falo sobre o "ser politicamente correto", essa mania moderna que, parece-me, iniciou-se com os ridículos avisos de que o cigarro provoca de câncer a mau hálito, impressos em cada maço. Antes, as bulas já nos davam trocentas explicações, e pedidos de perdões, sobre os colaterais efeitos que seu curandeirismo poderia provocar em nossos frágeis esqueletos. Mas, no caso dos remédios, como as letras dos doutores, não entendemos nada, e nos devem explicações, a nós, leigos.
Já ao falarmos de arte, disso somos, o povo brasileiro, experts, doutorandos. Sabemos ler as entrelinhas. Creio eu que o modo de ser politicamente correto foi criado por algum advogado, para proteger um ou outro cliente, que vendesse gato por lebre.
Atualmente, e João Ubaldo comentou sobre isso em crônica recente, precisa-se tomar cuidado com tudo que se escreve, que se fala, que se pensa, pois poderemos estar ofendendo alguma minoria, no caso, a dos bons funcionários públicos, ou bons políticos (será que os há?), dos irmãos negros, judeus, ciganos, homossexuais, etc.
O resultado? Uma violenta censura sobre todas as formas de comunicação e, pior ainda, uma poda implacável na criatividade. Não é à toa que vivemos anos não tão incríveis, onde todas as manifestações artísticas primam pela superficialidade e pelo caráter morno da expressão.
Os comerciais de xaropes e assemelhados sempre terminam por advertir o doente, para que procure um médico se os sintomas não desaparecerem. Como se a população fosse estúpida a tal ponto, que não soubesse disso. São as drogas milagrosas, que prometem matar a sede de tudo, mas nos avisam para beber alguns copos d água caso a dita não faleça. Ou nos curam da dor de cabeça, mas não se responsabilizam pela diarréia que causam. A presente era é da mais completa hipocrisia e mercantilismo.
Então, corta-se toda possibilidade de raciocínio, entrega-se o prato pronto, sem que o doente, ou telespectador, ou leitor, não tenham chance de mostrar suficiente tutano para distinguir entre o trigo e o joio, e perceber o que, de fato, está sendo criticado.
E as piadas? O que será delas com a foice do "politicamente correto" a ameaçar-lhes a jugular? E os humoristas? Terão eles que dar intermináveis explicações quando contarem um causo de algum "neguinho"? Ou do judeu sovina, do português burro, do campineiro fresco, do pelotense gay, do paulista cdf, ou do carioca vagabundo, e do mineiro desconfiado? Os carecas, os ceguinhos, o surdo, o mudo, o coxo, etc.
O que teria acontecido com Vinícius, quando disse sua famosa "as feias que me desculpem, mas beleza é fundamental", assim de supetão? Além do mais, tudo é relativo, meu amigo. Conceitos mudam com o tempo, e tradições e ditos populares, têm sempre um fundo de verdade. Age-se, e depois, deita-se na fama.
E o genial Noel, ao cantar "e o povo, já pergunta com maldade, onde está a honestidade?" E o "de morrer pela pátria, e viver sem razão", que tanto custou ao Vandré?
- Hoje, você é quem manda, falou, tá falado, não tem discussão, não! - cantava o Chico, numa época que não queremos mais ver, nem de longe.
Da mesma forma com que expressei minha indignação, expresse a sua, levante a bandeira dos que lutam com dignidade. Só a ameaça é que desafinou. Mas, aprendi com o bom Tom, que os desafinados também têm um coração.
Há aspectos folclóricos em nosso país e em nossa cultura. Existem há centenas de anos. Aposto que você tem algum amigo gorducho, que conta piadas sobre obesos, e algum magrinho que faça coisa respectiva.
O nosso povo, do qual faço parte com meu trombone, traz no DNA o bom-humor, a perspicácia, e um saco sem tamanho. Pois só com muito bom-humor não nos deixamos entristecer pelas falcatruas, pela irresponsabilidade, pela indecência que assola nosso país desde o descobrimento.
Portanto, Daniel, se faz parte do colesterol bom da classe pública, não foi a você que me dirigi. Talvez tenha lido o texto literalmente e isso tenha causado sua reação tempestuosa.
Talvez os bons funcionários paguem pela fama dos maus, como sempre ocorreu na história da humanidade. Mas, da mesma forma com que você levantou sua espada, eu levanto a minha, contra a iniqüidade que habita os setores públicos, em todos os escalões e profissões. De senadores a médicos de centros de saúde, de professores a faxineiros de escolas públicas. Em todos esses locais abundam incompetentes e aproveitadores do nosso suado imposto. Foi a essa corja que me referi, talvez com o exagero que as manchetes dos jornais trazem para dentro de nossas casas.
No mais, não leve tudo tão a ferro e fogo. E devo agradecer seu comentário, pois prefiro o novo nome para o texto. Ficou melhor, mais contundente.
As artes estão sempre a falar das imundices e das belezas humanas. E o "Grande Irmão", Deus o conserve bem guardado na orelha do livro de Orwell.
Críticas sempre são bem-vindas, agitam nossas lombrigas.
Um abraço,

Alberto D. P. do Carmo



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