Se eu me escondesse no olhar tristonho do peregrino,se eu voasse nas asas combalidas da ave que atravessa o céu em busca de outro clima,se eu estivesse nas entranhas do peixe que procura procriar na piracema,se me bahasse na luz opalescente do sol poente que entrega a cena do dia para as sombras da noite, se mefosse dado sentir as saudades que nascem de todo adeus,se eu ficasse com os rostos que acenavam de todas as janelas percorridas pelo trem que me levava para tantos e tão distantes lugares, se eu tivesse a sabedoria do rio que contorna os obstáculos para não perder a rota do mar, se eu pudesse recolher nas minhas mãos o vazio impreenchível de tantas angústias e sofrimentos engastados na alma do artista torturado em busca das rimas fugidias, se eu escrevesse tudo quanto se aprisiona nos escaninhos do meu coração, se eu pudesse viver aqui e lá, mas, na verdade, eu nada posso, pois sou um simples mortal e um cronista do cotidiano, amarrado pelas correntes inquebráveis da mediocridade.