Meu amigo, há muito tempo estou lhe devendo algumas palavras, escritas ou verbais, que possam resgatar aos quatro ventos a imagem distorcida que debuxei na minha imaginação, tão desfocada da realidade, tão infiel à sua verdadeira personalidade.
Deveu-se, quem sabe, à sua timidez, à sua fala mansa, à sua insegurança, o perfil irreal que tracei da sua conduta, sempre nos deixando muito cedo, desculpando-se de que ainda teria que estudar outros assuntos.
Desconfiado, fiz mau juízo de você, cuidei que estivesse nos atraiçoando de algum modo, guardando o jogo só para você, enfim, sendo egoísta.
Nem sei quantas vezes pensei assim, fazendo mau juízo de um amigo que sempre nos tratou com lhaneza e com muito respeito.
Foi preciso que saísse o resultado do concurso, com minha aprovação e a sua reprovação e, ainda, que eu recebesse de você os parabéns mais efusivos e mais sinceros, com aquele olhar de quem não está sentindo a mais mínima inveja, pelo contrário, está vibrando de emoção positiva, desejando tudo de bom para o nosso futuro para que eu, tonto e desconfiado, descobrisse a sua estampa verdadeira.
Pois bem, não faz muito tempo, indo ao cemitério, fui chamado pela minha mulher que, apontando para a sua campa, exclamou:
- Este nome aqui, não era aquele seu amigo, colega de concurso?
A emoção da perda acudiu-me de repente, dois anos já após a sua passagem. Como é fugaz a vida, meu amigo; como somos injustos tantas vezes, afagando a cabeça de quem nos arremessa pedras e dando as costas aqueles que são realmente amigos.