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Cartas-->Algo importante que gostaria de te dizer -- 12/10/2003 - 16:48 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




O NOBRE PROJETO DE SER

João Ferreira
12 de outubro de 2003



A vontade de “ser” deveria tornar-se no maior de todos os projetos entre os humanos.
É interessante observar que no expressivo comportamento infantil, a tendência manifesta da criança é a de buscar uma auto-afirmação de vida. De todas as maneiras. Como se ela quisesse demonstrar que é gente, que está ali para valer e que tem um papel na família e na sociedade. Na leitura desse comportamento, vê-se que ela procura mostrar que está ali para ser descoberta e reconhecida e para ser tratada como tal. Em segundo lugar, para que os adultos percebam que esta criança não é a outra, não é qualquer outra coisa, é gente, é pessoa, é diferente, singular, é assim, da maneira que é, mais dotada ou menos dotada. De maneira geral a criança quer se auto-afirmar como ente singular nos gostos, nos comportamentos, nas habilidades, nas atitudes, na maneira de brincar, nos afetos, nas emoções e na sensibilidade. É diferente, menor ou maior, mais realizadora, mais inteligente, mais competente, com maior vontade de ser notada. O que está à vista é que a criança quer que os outros reconheçam seu ato de existência. E para que os adultos melhor reconheçam ou entendam sua personalidade, a criança busca sua singularização nas figuras típicas de heróis para com estes jogar a vontade que tem de uma identidade. Não quer ser alguém escondido ou pobre ou simples ou modesto. Que ser figura de destaque, figura poderosa, figura fantástica ou maravilhosa. Por isso recorre aos tipos simbólicos ou sociais mais prestigiados que representam esta vontade de ser alguém prestigiado ou poderoso ou maravilhoso. Nesta fase de auto-afirmação e de identificação busca a figura dos heróis míticos, dos populares e também dos heróis da cultura de massa.Para manifestar esta auto-afirmação, normalmente vai em demanda de uma identidade de entes poderosos, ou importantes, que dêem nas vistas. Nesta corrida pela auto-afirmação, é comum a criança trocar o que ainda não sabe ou não conhece pelo que exteriormente lhe parece importante, poderoso, engenhoso, rico. Mais do que a busca de si própria, a criança busca identificar-se com o outro. E a auto-afirmação tende normalmente para ser o “outro”. Toda a criança busca se identificar com “heróis” previamente escolhidos. Ela quer ser rei, ou batman ou superhomem ou homem aranha. E as meninas querem ser princesas ou fadas ou rainhas de luxuosos castelos.
Esta tendência infantil mostra ser um desenho sonhador para a vida toda.
O adolescente buscará na sociedade mil formas para auto-projetar-se e para mostrar que ele é. Muitas vezes busca mostrar-se até silenciosamente.
O adulto deverá descobrir o que ele quer mostrar. Fundamentalmente quer mostrar algo como forma de dizer que está vivo e que está ali, que não é inútil, que está disponível, que é bom. Por vezes, seus conflitos acontecem porque os pais não lhe dão a importância ou não demonstram para ele de que observaram o quanto ele é bom no que faz ou como ele é bacana ou como ele tem um lugar de projeção entre os outros jovens. Ele quer que digam que é inteligente ou habilidoso ou que é o mais talentoso, ou o melhor.É importante que ele ouça os pais, a família e a sociedade proclamar suas competências e habilidades. É para ele fundamental e agradável ouvir que é o melhor da turma, o mais conceituado na escola, o melhor da banda de música, o mais inteligente do bairro ou da quadra, o que mais entende de informática na família, ou o mais conhecido da região. Para a mocinha é importante que ela ouça que é bonita, que é mais inteligente, mais habilidosa, que é jeitosa, que é alguém na família, no grupo de amigas, na escola e na sociedade. A psique jovem trabalha com estes conceitos com estes projetos ocultos de “ser” de “estar”, de “ter”. Todos eles concorrem, para construir uma personalidade no mundo ou na sociedade.
Um dia quando tomamos consciência de nós mesmos percebemos que a rota do nosso projeto de ser é a aventura mais emocionante de nossa existência.
Só quando entramos para valer e com autonomia no desenvolvimento autônomo deste projeto entendemos no jogo de nossas emoções e razões toda a profundidade ontológica por que passa nossa existência. Se forem dadas as condições globais e experiências radicais de conhecimento, haverá um dia em que analisaremos a condição “peregrinante” de nossas vidas representadas por nosso “Dasein-in-der-Welt”, como diria Heidegger. Nesta condição existencial peregrinante aparece claramente a odisséia do ser que desdobramos no tempo e no espaço do mundo. Agimos existencialmente e simbolicamente em jeito de travessia, como Ulisses, num périplo cheio de provas, de obstáculos e de aventuras.
Para que cada um desenhe seu projeto de ser precisa de conscientizar a vida. Precisa de analisar o tempo, precisa de observar e de analisar o que se passa em cada dia e disso tirar suas lições. Tudo são momentos, experiências. Esses momentos são experiências e testemunhos existenciais. O caminho fica em aberto para o trilharmos. E como diz Heidegger é o caminhante que faz o caminho.
Navegar é preciso. E viver também é preciso. Algo de sublime acontecerá a todo aquele que descobrir que seu viver se traduz essencialmente em navegação e descobrimento. É na navegação que se revelam os horizontes dos mares ou dos espaços. Todo o mundo fala em qualidade de vida. Esta não é apenas viver em local despoluído. Qualidade é sobretudo escolher um tipo de vida espiritualizante e cósmico, onde o navegar seja o ponto alto dessa vida. Porque além de ser um exercício do próprio viver, é também uma prova do que podemos. A navegação exige arte para dominar os ventos, as tempestades e as águas revoltas. Entre exercícios e provas a navegação nos oferece a poesia do mar ou do espaço. Descobrir-se marinheiro ou caminheiro ou navegador é uma forma simbólica de descobrirmos para nós mesmos os caminhos necessários aos percursos na direção do ser. De sermos algo, de sermos gente e de sermos alguém, conscientemente, sem dramaticidade. Entre os filósofos antigos, algumas figuras como Anaxágoras e Sócrates, descobriram a principalidade do espírito e a forma de como o homem se deve conduzir perante as existenciais perguntas que o assediam na busca de sentido no universo. Eles são mestres fundamentais da filosofia ocidental..
Quando jovens nós nos seduzíamos com a insistente busca de identidade e de auto-afirmação. Em todos os lados e em todas as bocas buscávamos ouvir a voz do reconhecimento de nossa singularidade. Ao passar à condição de adultos, com base na quantidade e qualidade da experiências radicais que tivemos, fomos transformando a vida em relativa racionalidade, passando a entender melhor nossa ligação com o outro, na vastidão cósmica. Nesta busca de entendimento, aos poucos vamos conseguindo nos aninhar na compreensão de nossa ligação e de nossa religação com o ser.
Nem todos os humanos chegam a esta simplicidade de consciência de relação. Há adultos-meninos que ainda não se aquietaram na sua vaidade ou no seu orgulho ou na sua vontade de poder, de dominação e de auto-afirmação. Esse orgulho e essa falsa busca é o grande sinal de sua impotência vital. Eles continuam traumatizados, doentes, em consultórios psiquiátricos, buscando o que não têm que buscar. Sua sanidade original deve ser procurada alhures, na harmonia do espírito e na consciência de saber “estar no mundo”. Esses, em vez de progredirem na navegação, mergulham nos rios da decadência, se afundam nos vícios e na auto-destruição. Para que o homem seja clarividentemente um ser que cultue seu próprio projeto de ser, ele tem de encontrar-se um dia com uma realidade essencial para se auto-compreender. Essa realidade é a de que o homem é um ser dependente que só pode se auto-explicar entendendo-se como partícula integrada num “ser” mais amplo e maior. São os homens “seres em mudança”, “em trajetória”, em transformação. “Seres com uma história na terra e no mundo”. Seres humanos integrados no projeto unitário de um “Ser” que nos transcende e do qual não podemos nos desligar.

12 de outubro de 2003
João Ferreira
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