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Cartas-->Marginais IV -- 26/01/2004 - 20:03 (Evandro Carvalho da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sei que o Sr. é um homem ocupado, por muitas vezes mais ocupado em gerenciar sua indisciplina do que suas próprias ocupações. Mas tudo bem, o Sr. sempre está ocupado, não importa se sustentando seus vícios, não importa se multiplicando suas virtudes.

Mesmo sabendo de suas ocupações, tive curiosidade em escrever a este suplemento. O Sr. volta e meio cita meu nome, mesmo que quase de maneira imperceptível. Sou uma espécie de colaborador ancestral e sabe você, que sem mim, tu não seria nada, apenas um ponto de referência biológica que somaria aos outros bilhões do que o Sr. chama de seres autóctones.

Não preciso me identificar, nem mesmo com iniciais. Todos sabem exatamente quem eu sou e o que represento. Mas, discípulo querido, o mais fantástico de tudo isso é que todos mal me conhecem. Não sabem exatamente o que significo ou que represento, apenas acham e remetem a uma idéia. Talvez essa busca frenética por uma representação a meu respeito tenha confundido a todos e caminhos tortuosos, desde então, começaram a traçar-se.

Desde os remotos tempos tenho dificuldade em entender os seres humanos. Me lembro das minhas mensagens, simples e de fácil entendimento; ao mesmo tempo lembro-me do espanto que causavam, tamanha a abstinência em olhar o próximo. Busquei sempre a simplicidade, o singular, a unicidade, a discrição e a humildade. Acredito que o retrocesso de nosso espírito é a conquista, talvez absoluta, de nossas grandezas enquanto somos apenas a existência. O existir somente não o será assim quando obstinarmos nossas buscas pelas faculdades de criatura solidária. Senão, como já tu sabe, seremos a pura existência.

Outro, muitos anos depois, disse sobre o eterno retorno. Estava certo, pois como já sabe sempre retorno, o tempo todo. Lamento que muitos ainda aguardam o meu retorno. O retorno enquanto existência, a brutalidade da existência, o previsível, o certo. Não acanho as esperanças dos que me esperam, pois a acho bonita, comovente e acima de tudo, sincera.

É nesta sinceridade onde estou, naquele brilho inconfundível que fagulha dos olhos dos esperançosos. Tu enxerga, muito mal é bem da verdade, mas enxerga com seus olhos de lince lindos e curiosos que nosso pai lhe deu. Cansa-te, mas não desanima. Tu és a síntese da revolução. Antes comece a tua, depois a alastre para os homens de boa vontade.
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