Gostaria de saber, quando quer que lhes seja conveniente responder, como V.Sas. se dão o direito de entrar pelos meus sonhos noturnos e neles se instalar se a menor cerimônia ou sequer pedir licença para entrar.
Pois assim tem sido nos últimos tempos: V. Sas. acomodam-se numa trama inventada por alguém que trabalha à minha revelia, discutem situações, apresentam soluções, aceitam-nas ou as rejeitam, conferem resultados uns com outros - e deixam-nos, aos resultados, descambar sobre minha pessoa.
Isto tem acontecido num ritmo acelerado e inusitado para a tradicional plataforma onírica que tem acalentado minha experiência noturna. Ultimamente, porém, seja por efeito de uma ou outra aspirina, seja por efeito de um bom gole de conhaque, ou por quaisquer outros não mencionáveis na presente missiva, V.Sas. se têm aboletado nos meus quadrantes soniais para revelarem-se insubordináveis, autocráticos, especializados em mensages crípticas, expressas em hieróglifos acéfalos e faltos de retaguarda - em outras palavras, sem pé, nem cabeça.
Senhores personagens dos meus sonhos - seria de meu maior interesse que V.Sas. se apresentassem durante o dia, quando meus sonhos são menos misteriosos e menos complicados; quando, de olhos abertos, meus sonhos têm começo, meio e fim e, principalmente, fim. Dessa forma, eu lhes apresentaria os demais personagens das minhas andanças oníricas, esses sim, de carne e osso, viventes e condolentes, ativos e integrados aos meus atos e pecados.
De forma diferente de V.Sas., os personagens que habitam meus sonhos diurnos despejam mensagens abertas e claras, isentas de mistérios, colocando-as de forma incontestável para o meu entendimento mortal, ainda que lento.
O problema, que V.Sas. bem sabem, é que os personagens do meu mundo diurno recusam-se e, talvez, com muita razão, a se encontrarem com V.Sas., dada vossa fama de confundir alhos com bugalhos, pedras e pregos, tristes tigres com trigos trigueiros. Enquanto isto, meus personagens diurnos cavam sua própria sepultura, no dia-a-dia de uma vida inteira, ao mesmo tempo que adiam, adiam, adiam o dia em que talvez, venham a encontrar-se com V.Sas. em algum espaço por mim nunca visitado. Ao qual V.Sas. me têm carregado ultimamente, e à minha revelia, a esse espaço a que V.Sas. chamam, apropriada e estranhamente, de Pesadelos.