Minha amiga,
esta é a carta que eu não queria escrever. Mas, nos momentos cruciais da nossa vida, quando nos bate aquela saudade destituída das promessas do tempo, quando sentimos a dor da partida de um ente estremecido, embora seja distante e complicado chegar ao país da dor dos nossos semelhantes, é preciso que alguém faça ou diga alguma coisa, nos ofereça o ombro amigo para deitarmos a nossa cabeça e vagarmos com os nossos soluços até onde for possível ir.
Pois bem, Alice e eu estamos aqui, ainda que afastados por milhares de quilômetros. Mas, o que são quilômetros quando a amizade está presente? O que é a distância quando existe solidariedade?
Sabemos quanta falta fará a Gatinha, pois ela, como ninguém, soube cumprir a sua missão terrena: noventa e três anos de uma existência colorida sabendo ser esposa, mãe,sogra, avó e bisavó como poucas souberam. Ela recebeu um convite irrecusável: ir para junto do Pai. Fará jus ao merecido repouso de quem passou pela vida de forma integral.
Se não pude atender ao seu apelo da última vez que conversamos ao telefone, não faz mal, nem sempre se pode cumprir todas as nossas promessas e fica sempre o consôlo, quem sabe, de um belo dia nos encontrarmos nos campos verdejantes do Senhor.
Rezamos, Alice eu, para que a travessia seja curta, um simples salto, para que ela possa cair de vez e com segurança nos braços amáveis do Senhor.