A CHUVA
Céu vermelho, ventos assustadores, um barulho ensurdecedor. Pela parede de vidro que dava para a sacada, era possível observar a fúria da natureza. E ela com medo, fazia o que podia para tentar não pensar na tempestade lá fora. Estava sozinha e muito amedrontada. Nem ela mesma entendia porque tinha medo de chuva, trovões, relâmpagos. Só sabia que tinha muito medo. Lembrou-se de quando era mais nova, que corria pra debaixo da coberta, para o colo da mãe, toda encolhidinha, com a carinha assustada, sempre que chovia. Mas que hora pra ficar sozinha em casa... Oras... Tinha que ser exatamente hoje, logo hoje, que está essa chuva infernal?
É preciso se distrair. Olhou o telefone e tentada, mas ligar para quem? Não tinha ninguém na cidade, todos estavam viajando. Estava mesmo sozinha. Sozinha. Resolveu limpar a casa. Mas, domingo à tarde, limpar a casa? É. Mas não tinha mesmo mais nada pra fazer naquele momento. Antes limpar a casa do que olhar a tempestade. Que tanto dava medo. Medo. Começou a limpar a casa.
Mas o barulho persistia. Não deu mesmo para esquecer o que acontecia lá fora. O vento soprando era aterrorizante. Aquele barulho tirava toda a paz do seu espírito. Era uma ameaça, uma ameaça que estava logo ali, do outro lado da parede de vidro. Ligou o som. Para relaxar, um repertório retro. Village People, Chic, Abba, Beatles, Beeges, Donna Summer, Eagles, R.E.M.
Cantar bem alto para espantar o medo. Bem, é uma tentativa. Quem sabe assim o medo passa? Então ela cantou. E ela cantou muito alto. O medo. Cantou, cantou e cantou. O medo. Cantava e limpava a casa. O Medo. Limpava a casa e cantava. O medo. Cantava alto. O medo. Mas o barulho persistia. O medo. E agora, não tinha mais o cobertor para correr e se esconder embaixo dele. O medo. Nem o colo da mamãe. O medo. E nem o colo do papai esperando quentinho e confortante. O medo. E não poderia mais ouvir "Calma querida, é só uma chuvinha, vai passar". O medo. E não poderia mais ouvir, "Calma meu amor, não se preocupe. Estou aqui cuidando de você. Vou te proteger". O medo. O medo. O medo estava lá. Poderia visualizá-lo, sentado, no canto da sala, rindo para ela com um ar irônico. O medo. Ali. No canto da sala. Mas agora não dava pra correr, pedir ajuda, colo ou qualquer outra coisa. Era preciso olhá-lo de frente. Encará-lo.
E foi o que fez. Olhou para o medo. O seu medo. Olhou firme e forte. Olhou o medo sem medo. Lá fora, a tempestade começou a dar sinais de cansaço. O medo foi ficando pequeno. E ela continuou a olhar para ele. E os barulhos dos ventos diminuíam lentamente. E o medo ia ficando pequenino. E a chuva ficava mais fina. E o medo ficando pequenino. A tempestade ficando cada vez mais fraca. E o medo, cada vez menor, menor, até se tornar invisível. Acabaram-se. A tempestade e o medo.
Percebeu que já era tarde. O tempo passou. Os anos passaram. Não era mais uma criança. A infância passou. E a adolescência estava passando, estava quase no fim, assim como a tempestade lá fora que, antes aterrorizante, agora se resumia a esparsos pingos de água. A sua vida só dependia de si mesma. Seu futuro só pertencia a ela. Não era mais criança. Suas atitudes, suas decisões. O que ela fizesse determinaria o seu futuro. Era a "Dona da História", como o nome do filme que havia visto um dia antes. A dona da sua história.
Um relapso. Sentou e chorou até os olhos verdes ficarem vermelhos, inchados. Abriu os olhos. Os olhos verdes. Verdes. Ainda mais verdes, por causa do choro. Olhos verdes, ainda mais verdes pela emoção da descoberta. Finalmente conseguira compreender tudo. Ergueu a cabeça e sorriu. Sorriu de si mesma. Agora sim, compreendia perfeitamente. Agora, era uma mulher de verdade. Uma mulher. Dona da sua história.
texto de Núbia Tavares
produção visual:CARLOS CUNHA
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CARLOS CUNHA/o poeta sem limites
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