Há vários anos que ando carente, os dias são longos, quase intermináveis, falta-me algo, toda a minha vida sempre senti que me faltava algo. Uma espécie de felicidade nunca alcançada. Un bonheur perdu ! As pessoas não percebem, disfarço muito bem, finjo sorrir, chego mesmo a acreditar que estou bem comigo mesma. Tenho opiniões que agrada a todo mundo, abraço os amigos, troco beijos passageiros, danço e converso alegremente e tudo isto sem grande convicção. Quase ninguém percebe que estou realizando um jogo, interpretando um papel numa peça barroca, eu sou uma atriz que represento um personagem conhecido, déjà vu, como dizem os franceses. Até me sinto uma artista neste papel, desenvolta e feliz, mas, na realidade, nunca estive pior do que nestes últimos anos.
Fico olhando nos bares e nas ruas os casais que se beijam, trocam olhares apaixonados e palavras suaves, apertam mãos e se despedem, sabendo que amanhã tudo vai recomeçar. Fico pensando na minha atual vida e como tudo isto anda distante, longe da minha realidade, não existe mais toques suaves, nada de olhares, cumplicidade, nada de paixão : a mesmice da vida me causa calafrios. Surpreendo-me pensando : será que tudo isto acabou e que jamais viverei todas estas coisas novamente. Será que tudo isso é apenas uma página amarela do meu passado ? O que me resta é ver o tempo se escoando e o meu corpo e a minha alma envelhecendo cada dia mais.
Olho-me todas as manhãs no espelho e não consigo mais encontrar aquele rosto bonito e cheio de luz. O que vejo é um rosto cansado, triste, uma tristeza que se acumula em finas camadas, como a maquiagem que coloco na minha face sem nem mesmo prestar atenção. A minha tristeza é invisível, igual a um fóssil que repousa a milhões de anos nos depósitos sedimentares da crosta terrestre. Como eu havia dito : a minha tristeza se acumula aos poucos. Todo dia é uma decepção aqui, um atrito ali, uma angústia acolá. O meu rosto reflete essa tristeza encravada dentro da minha vida, todas as manhãs, diante do espelho, revejo a minha verdadeira expressão facial. Os outros não prestam atenção, eu sim. É verdade que nem sempre foi assim, já fui alegre, já amei alguém, porém, a cada dia vejo que disperso essa felicidade interior e essa alegria de vida que nos impulsiona a realizar grandes coisas. As dores até a pouco tempo atrás não me incomodavam tanto, sabia que, mais cedo ou mais tarde, elas desapareceriam, bastava esperar a hora exata. Meu ser pulsava, eu me vestia de festividades, um carrossel que nunca quebra, girando sem parar, deixando-me tonta e meio embriagada de sensações.
Eu carregava sem saber uma falsa alegria de palhaço, a verdadeira felicidade, poucas vezes ficou comigo, talvez o que sempre houve foi uma necessidade inconsciente de agradar aos outros. Atualmente meu humor oscila, como a corda bamba de um trapezista que, a qualquer momento, pode despencar lá de cima e cair numa profunda angústia. Penso que é pouco estimulante organizar um espetáculo para um único espectador.
Sinto-me só. Desprotegida. Agora não consigo mais falar nem deixar alguém chegar perto de mim. Não consigo mais comentar toda a solidão e carência que passei nestes últimos anos. Selei meu coração com o cimento da decepção e da falta de carinho. Dizem que a falta de amor pode matar, eu acredito que sim, consegui ao cabo desses anos sufocar tão direitinho meus anseios que hoje me vejo “seca”, como se tudo aquilo que engoli durante anos, somente agora me fizesse mal. Com o tempo aprendi a não reclamar, a não implorar migalhas e também a sufocar, um por um, os meus carinhos. Agora nem sexo desejo mais. Todos os beijos apaixonados estão tão longe. Todas as carícias estão sepultadas a jamais. Eu estou morta para a vida. Estou fechada. Um sarcófago. Não acredito mais em nenhum tipo de troca. Estou convencida de que não existe remédio. Só mesmo uma catarse geral e com muito amor e sinceridade, porém, desde os meus sete anos que não acredito mais nos contos de fadas.
Sinto-me insatisfeita, vazia, um total non-sens, vivo cotidianamente sem objetivos que me prendam a corrente energética da vida. Rôo minhas unhas num sôfrego impulso... é como se estivesse me destruindo... devorando-me por dentro... Queria viver a vida, mas não concebo uma vida sem amor, sei apenas que quero rir e me sentir feliz como todo mundo... Queria ser uma tela nua, prestes a ser pincelada por cores de tantos matizes, e que não resiste a vontade de deixar uma impressão só minha. Sinto novamente como é dura a presença da solidão...
Meu Deus ! Que vontade de viver um grande amor, não uma coisa passageira, mas sim um amor para a vida inteira. Daqueles que não acabam nunca, onde as palavras são desnecessárias e basta somente um olhar. Que vontade de acreditar que existe ainda alguém no mundo que me faria feliz, imensamente feliz e eu a ele. Que vontade de acreditar cegamente que o amor nunca morre, que nem todas as relações são iguais e que a rotina perdeu este poder de destruir tudo. Vontade de parar tudo e descer com maestria num outro mundo ou numa outra realidade, como se tudo isto fosse possível : puxar a campanhia, como fazíamos nos ônibus de antigamente, quando o nosso ponto de parada estava próximo. Descer e viver uma nova vida. Uma vida plena de emoções, viagens, carinho, qualquer coisa parecida com um breve espaço de eternidade. Qualquer coisa que nos deixasse com saudade da vida vivida.