Carta do Tijuco
Luís Gonçalves
Moramos logo ali onde o rio se bifurca. Ao lado daquele grande remanso, onde nunca falta peixe. Ao contrário, do que dizem, no auge do verão chuvoso a força da água é tão grande que engole a terra inteira. Entre céu e água, pescamos, o nosso jantar trepados na varanda de casa — bem suspensa pelas palafitas do brejo.
É triste ver tudo rodando, rio abaixo. Até os bichos do chão, não resistem e são levados pela correnteza. Dando continuidade a semeadura natural das espécies no lodoso charco pantaneiro.
Nós ficamos agarrados nas graças do nosso bom Deus, pendurados na rede, feito filho de guacho mal empenado — vendo a chuva fina cair. Chuva de molhar bobo! — Mamãe é quem diz.
— Tchá dgente! Isso leva é dias.
Até as aves, surpreendidas pela melancolia, perdidas no reboliço do tempo — cantam solitárias nessa época.
Também, quando aquele bando besta de formigas de asas começa a aprontar o siriri desajeitado no meio do quintal, podem contar: lá vem o sol!
Daí em diante tudo vira festa. Pássaros de tudo quanto é tipo fazem revoadas no céu, azul cor de anil. O bugio preto conserta a garganta com o som de pau oco. A terra parece acordar da grande ressaca e vem emergindo do lodo com tanta força que não há vivente no mundo que agüente.
É hora de plantar: banana, mandioca e maxixe; para comer com o peixe. A fartura é tanta, que até os animais andam engraçado, fazem fita, saliente no pasto exibindo a barriga estufada — feito boróca de curandeiro recém formado.
— Tcheio até nas grimpas!
Aprendemos desde cedo, que: tudo que se planta colhe. Acho que só vivemos plantando alegria, porque os nossos dias são de farta colheita. Coisa de uma braçada e meia da mais pura felicidade.