Ora, caro Miguel, sua prezada carta, hoje publicada, sugere-me este pequeno trabalho esclarecedor. Se em paradigmática equivalência o meu Amigo identicamente corresponder, estaremos ambos apreendendo pormenores de cultura tradicional: eu, daqui para aí, e Você, daí para cá.
Bem... Presumo - não sei se bem - que Maria Bethania e Carlos do Carmo, genericamente, ocuparão o trono da canção brasileira. Estarei certo?... Pessoalmente, adoro às nuvens ouvir Alcione e Nelson Ned. Serão os princípes?
Em Portugal, no que a Fado concerne, sem delongados comentários, Amália foi sem dúvida a rainha. Carlos do Carmo ocupa o cadeirão real, mas sob a imperial sombra da diva.
Vamos aos princípes: Fernando Maurício e Fernanda Maria exemplificam o que de mais genuíno e puro se pode conceber em expressão e interpretação rigorosamente fadistas. Ouvi-los ao vivo constituiu para mim o mais enlevante perpasse emocional auditivo. Os sentimentos, em confusa amálgama de depressão e êxtase, marcaram-me para sempre a preferência.
O Fado deve ouvir-se e sentir-se à luz de vela, com um bom chouriço a assar sobre a mesa, entre o aroma do canjirão preparado com um bom tinto de reserva. Bem... Dá a impressão que um adulto se torna num bebé deliciado com a chucha. A lágrima escorre esplendidamente pelos vincos de um tranquílo sorriso.
Adiante: os quatro, cantaram poemas meus, em especial "Olhai a Noite" e o "Pão de Gestos". Carlos do Carmo gravou de minha autoria o "Abecedário Fadista" e Fernando Maurício gravou temas diversos. Disso me orgulho muitíssimo.
No que à citada septuagenária Dona Otília respeita, a Fernanda Maria seria naturalmente a intérprete ideal para a boa senhora aproveitar o ensejo e até beber gostosamente um excelente copinho... Ou dois, quem sabe?!...
Quanto a Emílio Salgado, claro - ele que me perdoe a franca opinião - o Fado está bastante ensosso. Eu também canto uns fadinhos para me extasiar pessoalmente, só que, para os outros ouvirem pelo menos bem a guitarra, eu deveria estar sempre muito caladinho.
Um abração, caro Miguel e, entretanto, vamos fadistando e sambando à nossa maneira.
António Torre da Guia
O Lusineiro
Som = Carlos do Carmo em "Por morrer uma andorinha..."