Hoje, diferentemente dos outros dias, eu estou mais ouvidos do que dedos, isto é, quero mais ouvir que digitar, pois o que sai da ponta dos meus dedos, ao comando do cérebro, são todas coisas que eu já sei, novidade alguma me trazem, não têm o poder de me enriquecer, não traduzem crescimento do meu ser. Mas, ao contrário, o que entra pelos ouvidos, sim, pode ser até um punhado de coisas banais, mas é sempre descoberta, coisa nova, ensinamento a ser somado aos parcos que até agora consegui reunir no meu cérebro.
Por isso,sou todo ouvidos: quero o som das águas fluindo nos rios, no vai-e-vem das ondas, no ronco das cataratas; quero o som dos ninhos, a cantiga alegre dos pássaros trêfegos e espantados a sobrevoar os bosques, a fecundar as matas trazendo no bico a nas patinhas as sementes de novas vidas vegetais; quero o ruído incômodo do tráfego incessante das grandes cidades, o barulho dos pneus no asfalto, o ronco dos motores, as buzinas, o travar das rodas nmos freios violentos; quero o vozerio das multidões, nos restaurantes, nas praças, nas reuniões, nos comícios, nas conversas de meio quilo; quero as canções que tocam no rádio e embalam o sonho das donas de casa, das faxineiras, dos motoristas, dos office boys, dos bêbados que curtem nos bares da vida uma dor de corno que não acaba nunca; quero o coxixo das comadres espalhando veneno na vida simples das cidades interioranas, jogando conversa fora, matando o tempo que parece ficar parado de tanta mediocridade e monotonia; quero, enfim, aprender, emprenhar os meus ouvidos de todas as mensagens que me surgem do mais remoto dos lugares desta terra táo grande e um só tempo tão pequena, que não comporta os grandes sonhos da humanidade!