- Dia da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, 28 de abril de 2005.
Meu prezado e querido Amor:
A distância só existe para os corpos, as almas não padecem disto, as palavras vão pelo mar de luz e energia se espalhando como ondas nas praias da Net ou em garrafas pelos oceanos da Terra.
Estou com saudades de ti e isto pode ficar perigoso.
Ontem à noite eu andava pela nossa rua, você lembra da casa branca e do pátio gigante? Aquela com a árvore gigante bem no meio? Ela esta rodeada de pés de laranjeiras e limoeiros, todos em flor e por isto me lembrei de você, de seu cheiro e de seu gosto, acho que foi o perfume das flores que tomavam conta da rua.
Fiquei ali, parada na rua perto do muro, fingindo olhar o céu, disfarçando pra não verem que eu tentava tocar você, aquele odor das flores das laranjeiras e você tão longe de minhas mãos.
Eu queria que aquele cheiro ficasse dentro de mim pra sempre e que a rua congelasse naquele instante.
Continuei andando e lembrando de você, seus olhos malandros e suas mãos macias, seu sorriso de garoto travesso e anjo que você mostrava de quando em vez.
Na casa da esquina ainda moram as duas meninas, aquelas que tem uma dúzia de cachorros, hoje eles já estão velhos e ontem quando passei a cadelinha menor me olhou e me fez uma festinha, como fazia sempre para você, mas nunca havia feito só pra mim.
Os animais têm sexto sentido, acho que ontem nossas almas estavam juntas, embora nossos corpos estejam tão distantes, mas tenho certeza que ela te viu.
A noite se ia e a lua teimava em tentar derreter as nuvens para iluminar os caminhos da Terra.
Eu não tinha coragem de entrar em casa, você não estaria lá e eu queria tanto te amar naquela noite.
A rua esvaziava na medida das horas, na proporção inversa que meu desejo por você aumentava, tive de sentar na frente da loja que vendia doces e depois fechou.
Tive vontade de chorar, quando lembrei de você todo lambuzado do creme de mil folhas que a doçaria vendia, e de você ficar me obrigando a lamber toda aquela “sujeirada” do doce em seu rosto e na sua boca, ali mesmo na rua. Eu ficava lambendo você até ficar grudada em sua boca, lembrei também de um velho que passou por nós, num daqueles dias de lambes e beijas e perguntou se não tínhamos vergonha na cara, e você encarando o velho disse que não, só creme de baunilha.
Eu queria ficar limpando sua boca daquele creme por todos os dias de minha vida.
Não sei porque fiz isto, lembrar de tua boca, do creme e até do velhinho, pois só fizeram piorar a saudade que tenho de você.
Olhei para o céu e a lua havia perdido a batalha, a chuva fria iria cair e fui obrigada a entrar em nossa casa vazia de você...
Eu não tive coragem de ligar a luz, queria me lembrar das loucuras que fazíamos nos escuros, como crianças brincando de bicho papão.
Entrei na cozinha e você também não estava ali, apenas seu fantasma, de torço nu, olhava pela janela olhando o céu das madrugadas, como você sempre fazia, com sua mania de astrônomo amador. Entre as nuvens a lua brilhava e de relance uma estrelinha pequena pagava com seu brilho seu lugar no céu.
Era madrugada e a noite reinava com seu máximo esplendor, negro, triunfante sobre a luz, mas você também não estava no quarto. A cama me pareceu uma cela, um lugar onde eu nunca mais iria querer estar, só porque você também não estava lá, parecia uma barra de gelo, um iceberg flutuando no meu mar de solidão.
Com as horas se iam minhas esperanças de te amar novamente nas sombras.
Eu não tive escolha e fui para cela, eu estava sozinha. Tentei sentir teu cheiro nos travesseiros, ele ainda estava lá. Lembrei da noite que fizemos amor com a cama cheia de flores de laranjeira, esmagando todas, uma a uma. A sujeira foi tanta que tivemos de colocar os lençóis no lixo, por que nenhum sabão iria tirar as manchas. Tive vontade de ir atrás dos lixeiros nesta noite.
Seu rosto, seus olhos, sua boca, suas mãos, seu peito, sua barriga, seu sexo, você inteiro, eu queria você todo, queria ouvir de novo suas palavras que sempre me diziam na hora máxima de paixão: - me ame, não pare de me amar, me ame, porque eu amo você, eu amo você, eu amo você... Porém, nesta noite eu ouvi só teu silêncio.
Depois de tudo, vinha o calor de teu corpo e seu abraço que me protegiam deste mundo, e nada mais importava só porque você estava aqui.
Esta noite foi uma tortura medieval, com direito a todas a dores que já haviam sido impostas a todos neste mundo, mas a lua teimava em iluminar o quarto e pensei ver você na janela, levantei rápido, mas você se desvaneceu com a sombra das nuvens.
Amanheceu e eu agradeci por isto, os dias embora longos não são gelados como as noites sem você, meu Sol.
Acabo esta carta, com certeza de ter dito alguma coisa pra você, estejas onde estiver agora. Talvez outros usem minhas palavras para poderem se expressar, pois não tem coragem em sua timidez de dizer o que sentem, mas eles sentem e amam, talvez muito mais que eu, e haverá aqueles que apenas irão rir por deboche ou ciúme de eu amar tanto você.
Cordiais Saudações.