Dez meses se passaram...e hoje teus olhos me
fitavam em sonhos.
Acordei, e lá ainda estavam eles, me olhando a
mente e a alma!
Tentei, juro que tentei, vê-los alegres, como
quando ríamos à mesa almoçando.
Ou vê-los emocionados com as gracinhas que Izis
sempre te fez.
Ver neles aquela expressão marota, de quando
fazias alguma "traquinagem". Ou ainda aquele olhar
atento de quando te concentravas no crochê ou no
bordado. Ou mais: aquele olhar de êxtase que
tinhas quando oravas!
Tentei ver o olhar vaidoso de quando te olhavas
no espelho e vias refletida uma imagem que não
denunciava os teus quase 80 anos. Talvez ver a
ternura saudosa de quando lembravas de meu pai.
Mas...nada consegui!
É mamãe, juro que tentei!
Tentei para que meus próprios olhos não deixassem
extravasar as muitas lágrimas que vertem de meu
coração, triste por conseguir ver apenas teu olhar
dos últimos dias.
Por pouco poderes falar, eu tentava te adivinhar
as emoções tão somente pelo olhar: medo, dúvida,
amor, agradecimento, e especialmente uma expressão
de quem carregava um segredo, sem coragem de
contá-lo.
Hoje eu conheço o segredo que tentavas me passar.
Mãe, meu coração parece se estilhaçar quando
lembro, que quase sem poderes respirar, com um
olhar amedrontado, me perguntastes: "Filhinha, vou
sair dessa?"
Meu coração dói ao recordar quando na última noite
teu olhar seguia meus movimentos pelo quarto, ou
se fixava em mim enquanto rezava para ti o
Terço Bizantino em voz alta.
Já não falavas, mas ficamos longo tempo olhos nos
olhos, onde eu vi que já sabias que estavas indo.
Só não achei que aqueles fossem nossos últimos
momentos!
Não posso esquecer do derradeiro olhar, quando me
despedi aquela noite. Teus olhos brilharam nos
meus, como se quisesses levar impresso nas
retinas da alma, a minha imagem.
E então, você os fechou, e se entregou a um sono
tranqüilo.
Ah, mamãe! Eu não sabia que era a última vez que
eu veria teus lindos olhos quase negros.
Com todo o meu conhecimento técnico sobre a morte,
eu me recusei a ver que fechavas os olhos, para
abri-los novamente apenas em outra dimensão!
Me conte, mamãe! Por favor me conte, como estás.
Eu preciso saber que em teus olhos ainda brilham
a Fé e a Esperança.
Eu preciso saber que teus olhos me seguem com
orgulho e carinho, e principalmente que teu olhar
me envolve em proteção. Tenho a convicção de que
estás bem.
Porém, convicções são coisas tolas.
São muitas vezes um ato de pura arrogância de
nossa parte, metidos que somos a saber de tudo.
São a certeza que não se prova.
E eu preciso da certeza absoluta!
Me conte, mamãe! Me dê um sinal; desses
inequívocos que não deixam dúvidas.
Me mostre que estás te recompondo, com saudade
sim, mas que estás bem, em paz e reconfortada.
Me conte, mamãe! Dos reencontros que tivestes aí:
com teus irmãos queridos, com amigos fiéis, e
especialmente com o homem que amastes intensamente
por toda vida.
Me conte, mamãe! Se a festa dos teus 59 anos de
de casamento em 28 de julho, foi bonita; se
entrelaçastes as mãos com as de meu pai, em novos
votos de devoção e amor eterno!
Me conte, mamãe! Assim como me contavas histórias
de sua infância e juventude; assim como me
contavas à beira da cama, todos aqueles contos
maravilhosos, que embalavam meus sonhos.
Me conte, mamãe! Como me contastes a derradeira
história em teu leito na UTI: aquela história
fantástica que descortinou outras vidas e outros
mundos!
Me conte! Por favor, me conte mamãe, que apesar
de toda saudade, estás feliz aí!
Me conte, que apesar de não te ouvir
materialmente, sussurras os teus conselhos tão
sábios, para meu espírito, tantas vezes
desesperado!
Me conte, enfim, que "não ter saído dessa",
foi o melhor que te aconteceu, e que segues aí em
tua evolução, acarinhada por Nossa Senhora, a
quem tanto adoravas, e que para sempre e sempre,
me buscarás com o olhar e me guardarás em teu
coração!