Carta a Fernando Pessoa
Como as palavras para nada contam,
o PS, sempre que ascende ao poder,
é mais do que sincero na simbologia,
só que os eleitores nada percebem de símbolos.
Ex.mo Fernando,
Bem, com um morto é impossível falar, mas nós, desde há milénios, temos a mania de falar com os mortos. Santo António, por exemplo e em enviesante relação, falava para os peixes. Os peixes decerto que ouviam qualquer coisa, mas viam muito melhor as migalhitas que o doutor, previamente sorrateiro, lhes lançava. Então, os inevitáveis curiosos aproximavam-se e o milagre operava-se: - Puxa, gente... Santo António é poderoso, é capaz de pôr os peixes a escutá-lo. Eu vi, eu vi!...
Num dos recentes dias idos, eu vi através da televisão, em plena campanha eleitoral, o Manuel Alegre, de semblante muito triste, beijar o busto de Torga. Não sei se o simbólico pedaço de bronze teria ou não micróbios. Sei que o milagre, espectacularmente, deu-se: 20,72% de votos, o que representa uma multidão de 1.146.078 indivíduos em redor. Um milagre deste género tende a ter várias repetições.
Sabes, Fernando, com aquela do "poeta fingidor", cheguei a detestar-te. Todavia, após ter absorvido os sucessivos exemplos com lúcido raciocínio, acabo a dar-te integral razão. Mais: um poeta é capaz de tudo!
Torre da Guia / Porto |