Jaú, 20 de março de 2006
Ilmo. Sr.
Marcelo Carlos Gonzales
Encarregado Regional
Piracicaba – Bauru
Prezado Senhor,
Recebi sua correspondência e li-a com interesse em saber das informações, que V.S. gentilmente teve o trabalho de me fornecer, coisa que deveria ser não uma rotina, mas com freqüências de pelo menos de três em três meses e não casos extremos.
No entanto, é digna de nota sua atenção para conosco “simples empregado” de um clube, enquadrado no velho e esquematizado sistema de “proletariado brasileiro”, o qual tem projeções eternas nestas terras verde-amarelo, que já não fazem a querência de muita gente, quando sabemos que o “auriverde pendão” existe apenas para a terrível exploração dos tais “menos favorecidos da sorte”. Na verdade “dona Sorte” nunca foi brasileira. E aos poucos nossos corações de proletário vão perdendo o amor pelo Brasil, que nos foi ensinado lá atrás com tanta ênfase.
Quero lhe agradecer particularmente por ter lido o tal do meu “desabafo” no dia 1º de janeiro. Este é outro pormenor que temos neste país. Escrevo desde criança, mas fui somente enganado, roubado e espezinhado por editoras, jornais e tudo que imprima alguma coisa. Mas, céus! Eis que aparece no piscar de olho a rede mundial de computadores. Como uma bênção celestial! A querida, amorosa e glamorosa Web! Quero ver agora qual é o desgraçado de um brasileiro qualquer, que tenha o tal quarto poder para me impedir de publicar alguma coisa, que valha a pena ser lido. É o mundo democrático lá de fora, de todos os paises e não o Brasil, que roga, solicita e fornece condições para que todos nós, “proletários” deste país terceiro-mundista possamos dar o ar da graça de existirmos. E temos talentos, mesmo pobres, que os poderosos nem sonham. Eles têm é medo. Refiro-me aos brasileiros com ares de poderosos. A Web acaba devagar com o sonho desses ladrões do pensamento alheio. E saiba senhor Marcelo que bem mais da metade dos brasileiros não tem acesso a um simples computador, imagine-se acesso a Web. A máquina de explorar os humildes neste país faz tudo para que isto não ocorra com tanta pressa, porque sabem que a revolta é geral. E o mundo lá fora vai conhecendo o pensamento e a revolta dos que são, ou foram verdadeiros brasileiros, já que no passado recente não tínhamos como fazer contato com o mundo lá de fora.
Não vou responder sua carta inteiramente, Sr. Marcelo, primeiro porque é muito longa, recheada de matérias jurídicas que me dão sono e cada vez mais insatisfações com a nossa injusta Justiça. Só lhe posso dizer para começar que a mesma é decepcionante para quem tem espírito livre como eu. Sua carta é um atestado insensível de que realmente nós, brasileiros pobres, não temos nenhum direito. Nem mesmo o direito de sermos livres de alguma coisa, como por exemplo, um sindicato que não luta, ou se acomoda com os ditames dos patrões. Isto é muito próprio dessas coisas chamadas de parcerias. Só gostaria de saber se os funcionários mal remunerados começassem também a fazer parcerias para enturvar, ou até mesmo para boicotar e finalmente sabotar alguma coisa no trabalho dentro das empresas? Isto porque quando um sindicato é obrigado a abaixar a cabeça e aceitar todo tipo de imposição, seja pela Justiça, (sempre injusta no Brasil), seja pelas tais parcerias com os patrões sindicalizados, então fica bastante claro de que não temos mesmo, aqui embaixo, nenhuma liberdade. Até mesmo a elementar liberdade de se desligar de um sindicato. Na verdade isto é pior do que o pior comunismo stalinista da década de trinta. Pelo menos lá, naquela época, eles os ditadores comunistas antecipavam e publicavam as regras assassinas. Aqui no Brasil as regras são escondidas, ou miscigenadas com um turbilhão de outras regras para confundirem cabeças, que nem querem mais pensar com tantas injustiças penduradas em nossos pescoços.
V.S. informa sobre a Convenção Coletiva e as inúmeras reuniões entre o Sindesporte e o Sindiclube, este o representante dos Clubes, cada um defendendo seus interesses. É bom sabermos dessas coisas, mas seria melhor se tais informes fossem distribuídos regularmente a todos os funcionários, ou pelo menos afixado em locais apropriados. Poderia ser apenas um resumo dos acontecimentos, que possam trazer algum ou nenhum benefício para nós funcionários.
É realmente preocupante, Sr. Marcelo, quando a Convenção se transforma em “Dissídio Coletivo”, sendo remetido para os Tribunais Superiores, cujas sentenças sempre têm prejudicado um lado apenas: o lado do trabalhador, além dos reajustes propostos pelo capital atrasarem em até mais de um ano. É. De fato os “tribunais”, (com “t” minúsculo mesmo), decidem sempre contra os pobres e desamparados neste país, cujo verde e amarelo vai se tornando, pelo menos para mim, odioso demais. Todos nós sabemos que nossa Justiça é antidemocrática e está abaixo da Justiça da antiga Roma. Simplesmente porque nossos juízes da Justiça Comum e os juizes de futebol são farinhas do mesmo saco. Porém, nós trabalhadores não somos tão jumentos a ponto de não enxergarmos as conseqüências de uma greve em clubes esportivos. Conseqüências ruins para nós funcionários, porque simplesmente nossos legisladores, a maioria conivente e muitos dos quais saídos politicamente de dentro dos clubes e dos sindicatos, nunca tiveram a capacidade e a honra de criarem leis, que obriguem os clubes a ter uma existência correta e justa com aqueles que fazem o clube funcionar. E dou ênfase ao fato de que não são os presidentes e os conselheiros que fazem alguma coisa dentro de um clube. São os funcionários. E estes, repito, têm condições de empanarem ou não, o brilho de um clube.
Senhor Marcelo, talvez o senhor não saiba, ou faça algum juízo errôneo do funcionário de um clube. Nós não produzimos bens duráveis como uma indústria, mas produzimos bens melhores dos que os duráveis, uma vez que não somos apenas funcionários, muitas vezes somos também – além de babás dos filhos de madames – psicólogos, filósofos, economistas e principalmente “conselheiros” no amplo sentido da palavra, estimulando um empresário temeroso de seus negócios neste suposto país sério, nesta parafernália de impostos que o empresário tem que pagar, desde o micro ao médio e até o grande empresário. Nós conversamos com eles enquanto varremos uma área, enquanto colocamos cloro nas piscinas, enquanto recebemos a mensalidade e eles entendem a nossa linguagem simples de homens que conhecem a vida e as injustiças, que existem não apenas para os menos favorecidos. Boa porcentagem de sócios de um clube é composta de empresários. Alguns bens sucedidos, outros nem tanto. Mas, eles conversam e têm grande apreço por nós. Eles ficam sabendo através de nós que o sucesso depende muito do lazer. Quanto mais se tem lazer mais sucesso se conquista. Quem não possui tal sentimento são os grandes clubes principalmente de futebol, que fazem de seus funcionários gato e sapato, além de suas diretorias roubarem demasiadamente o faturamento do clube, deixando em muitos casos até os jogadores “na mão”. Bem por isso nossos bons jogadores procuram os estrangeiros, que não confundem honestidade com bandalheiras. Assim como o escritor Paulo Coelho procurou as editoras estrangeiras e está muito feliz com isso.
O que não posso acreditar é na declaração de V. Sª de que filiação é uma coisa e categoria é outra. É como se o entendimento fosse de que não existe sindicato. Existe filiação. Ou inexiste filiação, mas existe sindicato. Fica o dito pela Constituição como não dito? Ou será mais uma mentira constitucional brasileira, para que nós, pobres mortais, possamos ser efetivamente explorados já na folha de pagamento. Qualquer um sabe que nossa Constituição está desacreditada, mas têm pessoas interessadas em que esse descrédito se acentue cada vez mais. É de dar gargalhadas quando vemos a facilidade que se possui certas organizações em faturar alto sobre importantes questões sociais, como o emprego, por exemplo, e não fornecer em troca qualquer mínimo direito. Ou oferecer sim, mas, praticar nunca. Fica tudo escrito, porém como em nosso país o que está escrito não vale, então o que está escrito não funciona também. É apenas uma declaração passível de ser impedida de funcionar. Aliás, são como as promessas de políticos: tudo mentira.
Por último V.Sa. afirma que o Inciso V do Artigo 8 da C.F. é solitário, esvaindo-se em si mesmo, e circunscrevendo-se à livre escolha de filiação ou não, do empregado à Entidade Sindical, em uma comunidade dentro da comunidade primária que é a Categoria. Necessário se torna dizer que o funcionário admitido não pediu para se filiar a nada, porque já sabe antecipadamente que isto nunca funcionou no Brasil. Funciona em países de democracia. Mas, aqui não há, ou não se valoriza esse adjetivo sagrado. E o pior é que sempre tem algum energúmeno dizendo ser o Brasil uma grande democracia. Como existe democracia se não temos nem o direito de não ser filiado a nada? Como existe democracia se não temos o direito de não votarmos? E até temos, mas aí vem o senhor, Sr. Marcelo, e diz que a Constituição está mentindo. Que o Inciso V, do Art. 8 está sozinho e morrendo por inanição. Claro, acostumado a explorar com tanta facilidade o gado vacum de duas pernas neste país, os que fazem profissionalismo às custas da folha de pagamento do povo imbecilizado, prometendo tudo e nada dando, têm que se defender com unhas e dentes e falando de jurisprudência como se fosse um brinquedo e não essa tragédia social brasileira.
Não posso continuar tentando responder sua carta e o senhor já percebeu, Sr. Marcelo, que a repudio inteiramente. Pode V.Sa. ser um bom advogado, ou um jurista, ou simplesmente estar cercado por eles, mas tanto os advogados como os juristas não conhecem a realidade brasileira. E estão bem longe de a conhecer. Não são como aquele advogado humilde, o qual ao passar de carro numa grande avenida paulistana, a Radial Leste, percebeu dois carros da polícia sobre as calçadas à sua direita. Vários policiais espancavam um homem. O advogado humilde também subiu com seu fusca sobre a calçada, abriu a porta, saiu do carro e gritou bem alto, mostrando a carteirinha da OAB:
-Sou advogado e testemunha de um ato de banditismo da polícia. Maus tratos e tortura são crimes hediondos – e aproximando-se da vítima da sanha policial indagou:
-O Sr. deseja constituir, de acordo com a lei, um advogado?
-Sim! – respondeu o cidadão.
Temerosos, os bandidos fardados debandaram, enquanto o advogado humilde anotava os números das viaturas, bem como a hora e os minutos.
Este é um advogado que conhece a realidade brasileira. E tem coragem também para isso. Mas, são bem poucos. A maioria não passa de eternos acadêmicos, tentando aparecer como jornalistas com seus artigos infantis, defendendo teses que já chegou há muito à exaustão de nosso entendimento.
Finalizando afirmo com todas as letras que é injusto, terrivelmente injusto, contribuirmos com sindicatos – coisa que ao conseguir um emprego ignoramos totalmente isto – sendo que tais sindicatos não têm presença física em nosso ambiente de trabalho. Aparece depois, sorrateiro e mês a mês vai abocanhando uma fatia de nosso salário já depauperado. E nada nos dá em troca. Na visão dos criminosos que crescem assustadoramente neste país, tal comportamento não passa também de um roubo. Roubo legalizado pela pátria mãe.
Este texto e os outros textos enviados por mim, além do texto recebido de V.S. serão publicados na internet, no site que V.S. localizou. Afinal as pessoas no Brasil precisam conhecer as injustiças cada vez mais intoleráveis por toda parte. A exemplo da carne que não baixa o preço, apesar do boi explodir de gordo nos pastos em razão do boicote dos países importadores de carne causados pela febre aftosa. Não baixa os preços nem mesmo para nós, filhos desta nação, como se esses calhordas fossem donos de nossas vidas e mortes. O mesmo para os combustíveis. O mesmo para o café. E vai por ai afora. E a porcaria da nossa república ainda quer que nós sejamos sempre mansos e cordeiros. E as igrejas – coniventes com todas essas farras – estão aí para amansar o povo, longe, mui longe dos desígnios celestes, já que elas também cobram caro pela palavra de Deus.
É, Sr. Marcelo, estamos perdidos num mato danado e sem cachorro.